Há um debate em curso por causa de um artigo de cinco economistas “críticos” no Público que foi por sua vez atacado por Vasco Pulido Valente no mesmo jornal. Os pormenores da coisa, para quem chegou tarde, podem encontrar-se nos Ladrões de Bicicletas e no blogue do Pedro Lains, que desenvolveram a controvérsia e lhe juntaram bons argumentos pró-“críticos” e pró-VPV, respectivamente. A minha impressão, vista do exterior, é que um excelente debate corre risco de se tornar num debate ainda assim interessante mas estéril. A questão central dos economistas “críticos” era se a teoria económica dominante era boa ou não e se poderia ser melhorada, em particular agregando ao ensino da economia mais teorias de natureza diferente. Vasco Pulido Valente lateralizou esta questão defendendo com ardor que a economia não é nem nunca foi uma ciência e que só gente tão parva como cinco economistas parvos poderia estar nos dias de hoje preocupada com uma questão tão parva. Como é habitual na técnica cronística, o ardor com que se ataca uma questão secundária é proporcional ao obscurecimento a que se deseja votar a questão principal dos adversários. Note-se que para a questão essencial dos economistas críticos é indiferente se consideramos a economia uma ciência ou não. A questão é se a economia (seja ela uma ciência ou não) está a ser bem estudada e bem ensinada e quais são as consequências públicas se ela estiver a ser mal estudada e mal ensinada. O texto era, no fim, uma defesa do pluralismo como forma de contornar estes problemas. Nenhum dos economistas proclama ter a resposta definitiva para os problemas da economia, mas em conjunto chamam a atenção para uma série de abordagens suplementares (institucionais, comportamentais, etc.) que permitiriam suavizar os defeitos mais evidentes da teoria dominante. Esta posição sensata e sensível foi, como é tristemente hábito, caricaturada por VPV como um disparate com que não vale a pena perder tempo. João Rodrigues, no Ladrões de Bicicletas, junta-se ao debate notando que as definições de ciência explícitas e implícitas em VPV são redutoras. Pedro Lains, por seu lado, defende VPV notando como não vem particular mal ao mundo do facto de as ciências sociais não serem na verdade ciências e nem isso ser propriamente heresia (ambos desenvolvem outras linhas de argumentos, mas vou concentrar-me nestas). Nesta discussão eu estaria naturalmente com o Pedro Lains, até porque já a tive por diversas vezes com colegas historiadores e sempre me coloquei do lado da “história como disciplina das humanidades” e não da “história como ciência”. Para mim é até um motivo particular de orgulho perencer às humanidades, que são mais difíceis (e mais difíceis de fazer “bem”) do que as ciências. Mas os argumentos do João Rodrigues são bons também: se a ciência por excelência for apenas a Física, não estaremos a empobrecer desnecessáriamente o potencial da abordagem científica noutras áreas? Esta discussão é a tal que é interessante mas — desculpem-me — estéril. No momento actual a defesa do pluralismo metodológico em economia é muito mais interessante (e importante) do que definir para todo o sempre o estatuto da economia no panteão das ciências. Digo que é mais importante. Mas não o digo por razões de actualidade política/económica. Digo-o porque é “melhor”. A discussão da “economia como teoria ou teorias” é melhor do que a discussão da “economia como ciência ou não”. Ao ler o texto dos economistas eu estava a aprender (como ao ler o João Rodrigues eu aprendo todos os dias, porque o estou a ver construir um pensamento). E ao ler VPV eu entendo que ele gosta mais de saber do que de aprender (ao contrário do Pedro Lains, que gosta mais de aprender do que de saber). Sim, o João Rodrigues e o Pedro Lains são gajos cheios de qualidades. Vê-los pensar é um prazer. VPV é um desmancha-prazeres, e nem nisso há grande prazer: usou uma coisa que julga saber (que a economia não é uma ciência) para matar um debate em que estávamos a aprender (que há mais abordagens para a economia do que aquela que é dominante). A diferença é fundamental. Vasco Pulido Valente, e com ele toda uma tendência do sentimento nacional, confunde o seu desinteresse pelas coisas com a falta de interesse das coisas. O que é pior, confunde o seu desinteresse pelas coisas com uma espécie de obrigação geral ao desinteresse. Ele não se confessa apenas desinteressado (porque isso valeria de pouco no debate público) ele ralha-nos se nos interessarmos por coisas parvas que não merecem o seu interesse (foi assim há pouco tempo com o Congresso do Marxismo — e digo isto enquanto anti-marxista — e agora com os economistas — e digo isto enquanto “humanista” e “não-cientista”). Ora passa-se que as coisas têm mesmo interesse intrínseco. Não é apenas anti-pedagógico fornecer desculpas para o desinteresse geral. É sobretudo anti-prazer. É por isso que no meu papel habitual de anti-VPV eu exorto a substituir um debate com algum interesse por um regresso a outro com mais interesse ainda. Mais debate sobre pluralismo metodológico/epistemológico, por favor. Estou a gostar.