Sinais de vida

1. Muitas pessoas muito simpáticas me escreveram após a suspensão da minha coluna no Público. Gostaria de lhes dar resposta individual. Caso seja impossível, aqui fica o meu agradecimento e a garantia de que receber mensagens assim dá uma motivação extra. Obrigado e apareçam sempre. 2. Estarei em Coimbra hoje, segunda-feira, para participar numa sessão d’Os Livros Ardem Mal (com António Apolinário Lourenço, Catarina Maia, Luís Quintais, Osvaldo Manuel Silvestre, Rui Bebiano e Salomé Coelho). É no Café-Teatro do Teatro Académico de Gil Vicente, pelas 18h00, e estou bastante contente por ter sido convidado. 3. Sim, estudei na Luísa de Gusmão (a propósito, escrevi sobre isso aqui e até aqui).

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Em que vos posso ser útil?

  Vocês irão para 2009; eu irei para 1768.   Um dia, no intervalo de uma aula com o historiador italiano Giovanni Levi, ouvi-o expor a sua “Lei da Inteligência dos Historiadores”: quanto menos documentos disponíveis tem, mais inteligente se torna o historiador. Os contemporaneístas têm nos arquivos milhões de fontes e acabam por ficar embotados por elas. Já os arqueólogos são verdadeiros génios: observando meia-dúzia de ossos e artefactos são peremptórios em afirmar “sociedade matriarcal, estrutura em clã, deuses ctónicos”. Embora esta fosse uma brincadeira destinada a divertir alguns colegas e irritar outros, o que Giovanni Levi pretendia dizer era isto: que os documentos têm sempre mais do que um nível de interpretação. O bom historiador nunca os declara esgotados.   Sou um historiador que, quando não escreve crónicas para jornais, anda pelas bandas do século XVIII menos do que gostaria (mas já lá vamos).

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Não é prever, mas fazer.

    Tenho à minha frente um exemplar do “Novo Almanach de Lembranças Luso Brasileiro” para o ano de 1903. Entre poemas, divertimentos e textos de divulgação — enviados de Belém do Pará, de Portimão ou da Ilha Brava, Cabo Verde — encontro um curioso artigo sobre “O século que findou e o novo século”. Listam-se nele as conquistas do século XIX: a locomotiva, o telegrafo, a fotografia, o fonógrafo — e, com grande ênfase, a abolição da escravatura. Depois vêm as previsões para o século XX, de que se destacam duas. A primeira: “ é de esperar que todos os povos que gozam os benefícios da civilização tenham completamente abolido a pena de morte”. A segunda: “os litígios das nações cultas serão resolvidos somente pela diplomacia, sendo, portanto, banidas das mesmas para sempre as guerras, essas calamidades em que os povos civilizados se assemelham aos mais bárbaros povos…”. Um século depois, não só a pena de morte não foi abolida como as nações cultas se entregaram a duas guerras mundiais, a primeira delas poucos anos depois destas previsões terem sido escritas.   Quais são as possibilidades? Essa é a questão fundamental.

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Mas não há regressos

  George W. Bush, sem condições intelectuais para ser o Gorbatchov do seu movimento, poderá ficar na história como uma espécie de Honecker da RDA ou Jaruzelski da Polónia.   Acontece frequentemente: a primeira geração de ideólogos acredita que os seus princípios vão salvar a nação e o mundo. A segunda geração de partidários descobre com prazer que, além disso, as alavancas do poder permitem beneficiar a amigos e a si mesmos (e de caminho vão salvar a nação e o mundo!). A terceira geração de governantes instalados dá por si a fazer o contrário de tudo o que os princípios ditavam. Mas é preciso salvar a nação e o mundo!   Por que não haveria de acontecer isto ao neoliberalismo?

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Destilação e fermentação

  O monoteísmo é destilação; mas o politeísmo é fermentação. Arrumar a mesa é destilação. Espalhar os papéis é fermentação.   Durante o século XVIII um número crescente de pensadores foi presumindo que o caminho para o progresso era a destilação. O princípio era muito simples: pegar em tudo o que fora escrito e dito, expurgá-lo de erros, incorrecções e falsidades, e dessa massa extrair a verdade purificada. Num dos livros (proibidos) que mais vendeu à época, — O Ano 2440, de Louis-Sébastien Mercier — acreditava-se que assim seria possível resumir todo o direito num livrinho pequeno e preservar todo o efectivo conhecimento do mundo numa estante de livros apenas.   Muito do século seguinte viveu sob esta ideia, sempre na busca de uma lei fundamental que permitisse interpretar tudo à nossa volta. Vejamos Darwin: “toda a evolução das espécies se dá por selecção natural”. Ou Marx: “toda a história da humanidade é a história da luta de classes”.

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Um soluço

Durante as festas interrompi a publicação das minhas crónicas aqui no blogue. O atraso será recuperado nas próximas horas.

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Como se diz no Ribatejo: nem sabes de que terra és

Parece que Pacheco Pereira levanta a hipótese de votar em Santarém para não ter de pôr a cruzinha no candidato do seu partido, Pedro Santana Lopes, à Câmara de Lisboa. Mas Santarém porquê? Se Pacheco Pereira não declarar uma morada falsa — o que é ilegal — e for residente na Vila da Marmeleira que eu conheço — a uma aldeia de permeio da minha Arrifana — terá de votar nas eleições para a Câmara de Rio Maior.

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Se não sabem, perguntem

  Não estou a dizer que vai acontecer. Não estou a dizer que deva acontecer. Mas a minha impressão é a de que — se vier a acontecer — tudo mudou.   As análises de como é impossível, cansativamente impossível, haver convergência de esquerda já estão todas feitas. Poupemos tempo ao leitor.   O que até agora ninguém fez foi sentar-se para pensar em quanto poderia valer um futuro partido de Manuel Alegre, se coligado ao Bloco de Esquerda. Contas por baixo, eu diria que para lá de quinze por cento, com vinte a trinta deputados no parlamento. Isto significa o dobro do PCP, três vezes mais do que o CDS, e talvez metade do PSD. Significa ser o terceiro partido, destacado, provavelmente impossibilitar a maioria absoluta do PS, e retirar-lhe sequer a possibilidade de fazer governo com o CDS (mesmo que matematicamente possível, seria suicidário juntar-se ao provável último partido nas eleições, escancarando assim as portas às críticas da esquerda em crescendo). Numa situação dessas restariam duas hipóteses a Sócrates.

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Um monolito passeia pelo aeroporto em seu esplendor

  Mandei vir The Great Crash of 1929, de John Kenneth Galbraith, como leitura para me acompanhar nas próximas noites frias, e talvez escreva mais sobre ele quando for avançando. O livro é de 1954 e confirma desde as primeiras páginas a sua reputação como talvez o livro de Galbraith (pai) mais agradável de ler. Na introdução conta-se como o autor foi chamado a testemunhar no Senado americano em 1955 sobre a possibilidade de o boom do momento terminar como o dos anos 20, ou seja, num crash. Galbraith não invalidou a hipótese. Nesse dia, a bolsa de Nova Iorque caiu, e em consequência Galbraith tornou-se num alvo para os McCarthyistas por ser um “inimigo do capitalismo”. Na ânsia de lhe encontrarem declarações favoráveis ao comunismo, os senadores republicanos recorreram a um texto em que Galbraith chamava “monolítico” ao sistema soviético. O senador Capeheart, do Indiana, fulminou esta passagem no Capitólio:   «Sr. Presidente [do Senado], “monolítico”! Monolítico significa algo como um monumento, ou um pilar de força… Isto é o mesmo que descrever o comunismo como um monumento ou um pilar de força; tal, como se costuma dizer, o Rochedo de Gibraltar.»   Logo a seguir o livro estava à venda e Galbraith esperava um grande sucesso; nas primeiras semanas, porém, estranhou não encontrá-lo exposto nas livrarias dos aeroportos. Um dia entrou numa delas e, ganhando coragem, perguntou à livreira pelo seu próprio livro. “Não me lembro do nome do autor, — um tal de Galbraith se não me engano —, mas o título é O Grande Crash”. “Ah”, respondeu ela, “isso não é livro que se queira ler no avião”.   [Aproveito para dizer que nos próximos dias voltarei à discussão dos cinco economistas heteroxos contra a teoria monolítica — e isto não é um elogio — repescando alguns bons comentários ao meu post inicial. Podem ir lendo aqui.]

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