Mandei vir The Great Crash of 1929, de John Kenneth Galbraith, como leitura para me acompanhar nas próximas noites frias, e talvez escreva mais sobre ele quando for avançando. O livro é de 1954 e confirma desde as primeiras páginas a sua reputação como talvez o livro de Galbraith (pai) mais agradável de ler. Na introdução conta-se como o autor foi chamado a testemunhar no Senado americano em 1955 sobre a possibilidade de o boom do momento terminar como o dos anos 20, ou seja, num crash. Galbraith não invalidou a hipótese. Nesse dia, a bolsa de Nova Iorque caiu, e em consequência Galbraith tornou-se num alvo para os McCarthyistas por ser um “inimigo do capitalismo”. Na ânsia de lhe encontrarem declarações favoráveis ao comunismo, os senadores republicanos recorreram a um texto em que Galbraith chamava “monolítico” ao sistema soviético. O senador Capeheart, do Indiana, fulminou esta passagem no Capitólio:

 

«Sr. Presidente [do Senado], “monolítico”! Monolítico significa algo como um monumento, ou um pilar de força… Isto é o mesmo que descrever o comunismo como um monumento ou um pilar de força; tal, como se costuma dizer, o Rochedo de Gibraltar.»

 

Logo a seguir o livro estava à venda e Galbraith esperava um grande sucesso; nas primeiras semanas, porém, estranhou não encontrá-lo exposto nas livrarias dos aeroportos. Um dia entrou numa delas e, ganhando coragem, perguntou à livreira pelo seu próprio livro. “Não me lembro do nome do autor, — um tal de Galbraith se não me engano —, mas o título é O Grande Crash”. “Ah”, respondeu ela, “isso não é livro que se queira ler no avião”.

 

[Aproveito para dizer que nos próximos dias voltarei à discussão dos cinco economistas heteroxos contra a teoria monolítica — e isto não é um elogio — repescando alguns bons comentários ao meu post inicial. Podem ir lendo aqui.]

2 thoughts to “Um monolito passeia pelo aeroporto em seu esplendor

  • rui fonseca

    Se volta ao assunto, deixo-lhe aqui o que comentei hoje no “Ladrões de Bicicletas”.

    OUTRA VEZ, OS CINCO.

    Com todo o respeito que me merecem os pontos de vista que até agora vi expressos a propósito da “má teoria dos cinco economistas”, discordo completamente das abordagens que aquele suspiro suscitou.
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    Partiram “os cinco” do princípio que a crise germinou e explodiu em consequência de umas teorias malévolas que ensinaram aos banqueiros na escola, e que eles, coitados deles, inocentemente fiados no catecismo do mal aplicaram com todo o rigor, porque lhes enchia os bolsos, e, deste modo espatifaram o sistema.
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    Tretas, meus amigos.
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    Não há nenhuma teoria económica conhecida que proponha o roubo. Ladrão não precisa de frequentar as escolas de gestão e munir-se de um MBA para roubar. Criou o neo liberalismo as ocasiões que fizeram os ladrões? Temos de confrontar essa hipótese com a contrária. E confrontando-a, sabe-se há muito que não há sistema imune ao roubo quando as leis são frouxas ou os juízes venais.
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    A União Soviética implodiu porquê? Por várias razões mas sobretudo porque a nomenclatura se apoderou do poder sem limitações e das mordomias reservadas à clique que manobrava a seu belo prazer.
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    Não quero ser tão ingénuo que não reconheça a permeabilidade do liberalismo (o neo ou outro) às tentações dos instintos primários.Mas não penso que o sistema contrário se lhe oponha com mais garantias.
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    Mas, sobretudo, recuso-me a aceitar que os desaforos cometidos possam ser atribuídos a uma teoria, (se for má não é teoria, é um flop) ilibando os verdadeiros culpados.
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    Não meus amigos, não tragam, por este motivo, Stuart Mill ou Adam Smith, Keynes ou Friedman, Mises ou Hayek, a depor.
    Porque se o fizerem estão a fazer esquecer o que deve ser feito: Levar os burlões à barra, encarcerá-los e obrigá-los a devolver o que espoliaram.

  • rui fonseca

    Volto só para acrescentar que surpreendentemente, ou não, voltaram a aparecer os pequenos cartazes, toscos, que oferecem a intermediação para o financiamento ou refinanciamento de habitações, na hora. “Bad credit ok”.
    Sintomático que a subprime continua à venda na rua. Pelo menos na área de Washington.

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