O Sacro Império Romano-Germânico

a União parece ser mais um clube de governantes e nem sequer um clube de estados. Há dois caminhos para a União Europeia: ser uma democracia ou ser um clube de governos. (E depois, como de costume nestas coisas, há também um terceiro caminho: mas já lá vamos.) Se a União, com os seus 500 milhões de habitantes, se tornar numa democracia, será comparável às grandes democracias federais dos EUA, do Brasil ou da Índia. Não tem obrigatoriamente de se tornar numa federação, mas terá certamente alguns elementos federais, e é de imaginar que um dia os europeus elejam directamente o seu presidente. Por agora não podemos senão olhar para a eleição de Obama nos EUA — ou, no próximo ano, a eleição do sucessor de Lula no Brasil — sem sentir uma certa inveja. Há uma clareza, uma legitimidade e uma força colectiva que só a democracia pode dar aos grandes blocos regionais.

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Uma sugestãozinha

Agora, o que temos? Duas pessoas livres e adultas, que presumivelmente se amam, e que desejam casar. Por que raio vou eu decidir? Sempre a trocar os olhos ao adversários, estes opositores ao casamento “gay”. Se bem me lembro, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era uma coisa tão irrelevante que o país não deveria perder o seu tempo a discutir o assunto. Mas entretanto, novas ordens: afinal o assunto é tão relevante que precisamos de abrir um debate sobre o casamento em geral, sobre a família, sobre a vida amorosa, sobre tudo. Um dia, quando estivermos todos de acordo sobre casamento, família, vida amorosa, tudo, poderemos dispensar aos nossos irmãos gay e irmãs lésbicas, amigos e amigos, amigas e amigas, um pouquinho da nossa atenção e, quem sabe, da nossa igualdade perante os direitos constitucionais.

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De Sócrates a Maquiavel

As escutas que têm inquietado o país, porém, não são escutas a José Sócrates; são escutas com José Sócrates — escutas nas quais ele aparece. Não; o primeiro-ministro não é um cidadão comum. Faz todo o sentido que tenha — no exercício do seu cargo — certos privilégios que os cidadãos comuns não têm. Por isso, ele deve também obrigar-se a certas reservas que os cidadãos comuns não precisam de respeitar. E apenas parte disto está escrito na lei. José Sócrates foi avisado. Por exemplo, quando processou jornalistas por textos que ele considerava caluniosos. Na altura, a reacção de José Sócrates (persuasiva para alguns dos seus apoiantes) foi: terei eu menos direitos do que o cidadão comum? Não poderei eu processar um cronista que me insulta? Onde está a lei que me veda esse direito?

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Pombal e a censura iluminista

9ª Conferência 18 de Novembro de 2009 | 21H30 AUDITÓRIO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE OEIRAS Pombal e a censura iluminista por Rui Tavares Moderação: Paula Moura-Pinheiro Entrada Livre Informações: Câmara Municipal de Oeiras Biblioteca Municipal de Oeiras Telf: 21 440 63 36 e-mail: ana.jardim@cm-oeiras.pt

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Antes que seja tarde

A ideia de sermos um país fundamentalmente corrupto pode ser tão ilusória como a de sermos um país fundamentalmente honesto, mas as suas consequências são incomparáveis. Há algum tempo — há quanto tempo, meu Zeus, já nem me lembro — era possível acreditar num Portugal fundamentalmente honesto. Não seria um país incorruptível; apenas não era um país generalizadamente carcomido pela corrupção, a precisar de uma operação Mãos Limpas como a Itália. Esta era a visão convencional. Uma ilusão, mesmo nessa época, mas a vida também se faz de ilusões. Hoje é preciso dar uma guinada forte para que a visão que temos não se transforme já na de um país fundamentalmente corrupto. Corrupto nas empresas privadas e nas públicas, no Estado e nos bancos, nas autarquias e nas construtoras. Com o processo Face Oculta temos a imagem de um sucateiro, corruptor contumaz, com demasiados amigos por todo o lado, dispostos a dar informação privilegiada, decidir concursos, atrasar ou antecipar o que tivesse de ser atrasado ou antecipado. Olhamos para isto e pensamos: é um país em cima de uma termiteira.

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O continente dos entretantos

Mas no continente dos entretantos, recordemos por que Tony Blair seria a pior coisa a acontecer à Europa. Ah, Bruxelas! — onde a Europa é mais isto: cinzenta, com um friozinho apreciável e negociada até ao tutano em reuniões arrastadas sob luzes fluorescentes que se destinam a equalizar os rostos dos presentes entre aqueles que já estão doentes e esgotados e os que vão estar esgotados e doentes em breve. Algures neste continente, neste preciso momento, em qualquer momento em que esta crónica estiver a ser lida, haverá alguém dizendo que os eurodeputados não fazem nada. Pessoalmente, gostaria de me encontrar com essa pessoa e — talvez estrangulá-la com as minhas próprias e ambas mãos? — mas não tenho tempo.

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A errância

A relação entre os humanos e o deus do Antigo Testamento – como diz Saramago “nem ele nos entende, nem nós o entendemos a ele” Chego à polémica sobre o novo livro de José Saramago com mais de uma semana de atraso. Espero que me perdoem. Aproveitei para ler o livro. Sim, eu sei que não era propriamente necessário, mas que diabo, um dia não são dias. Caso contrário, pensei, restar-me-ia dizer que Saramago é um ignorante filho de ignorantes cuja opinião não precisa de ser considerada. Ou sugerir que qualquer medíocre com disciplina pode ganhar um Nobel da Literatura – tal como eu, se treinar muito o drible e o chuto na bola ainda poderei um dia chegar a Eusébio. Ora ninguém me paga para escrever a crónica de Vasco Pulido Valente, não é verdade?

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Era uma vez três rapazes

Com três autores — Fausto, Sérgio Godinho, José Mário Branco — o jogo pode ser levado mais longe. Eles tornam-se numa espécie de prisma da história. Mudou a hora, e um país outonal como o nosso reencontra-se com o seu clima interior. Quem nos vê a partir de fora poderá surpreender-se; afinal o Sol, e o clima quente, e a brisa amena, e a posição geográfica e a língua latina poderá equivocá-lo. Mas nós sabemos que somos um país outonal, introspectivo, melancólico. No Campo Pequeno, cantam José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto. A voz do primeiro é densa e não dúctil. A do segundo lúdica e talvez sensual. A de Fausto, talvez a mais delicada, mas nunca simples. Eles fazem sentido ali naquele palco, pelas suas diferenças também.

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Diálogo sobre máquinas azaradas

Vítor Dias pergunta-me o seguinte no Tempo das Cerejas sobre o caso do não-voto do PCP que no Parlamento Europeu ajudou a salvar Berlusconi: «Lida a notícia e atentos os factos, só me apetece fazer uma pergunta: mas porque é que uma personalidade como Rui Tavares, antes de abrir a boca e começar a espadeirar publicamente contra os deputados do PCP, não os abordou directamente (devem estar bastante perto) e lhes perguntou com naturalidade: «então, o que é que passa, vocês abstém-se numa matéria destas ?». Para quem tanto fala e escreve sobre diálogo à esquerda, é caso para dizer que a boa educação e o diálogo bem podiam começar por aqui.» A minha resposta foi esta: «Caro Vítor Dias: É evidente que foi isso que fiz. Logo que nos apercebemos que tínhamos perdido a resolução contra Berlusconi [de que eu era um dos co-autores] por três votos, o grupo da Esquerda Unitária (de que faz parte o BE, o PCP, e eu como independente no BE) ficou atónito ao ver que os votos que faltavam eram do nosso grupo e, no caso do PCP, de pessoas que estavam no hemiciclo e tinham acabado de votar dez segundos antes (e voltaram a votar dez segundos depois). Logo que me levantei, a primeira coisa que fiz foi falar com João Ferreira (que está duas filas atrás de mim) e perguntar-lhe: “então João, que se passa? não votas uma coisa destas?”. Resposta dele: “problema com a máquina”. Saí do hemiciclo e no corredor encontro Ilda Figueiredo (que se senta umas seis filas à minha frente). “Então Ilda, não me diga que também não votou isto?” E ela: “Houve um problema com a máquina”. E eu: “com as duas?! as vossas duas máquinas tiveram problemas ao mesmo tempo, a vinte metros de distância uma da outra?”. Ilda não me respondeu. O Vítor Dias, que tem mais jeito para contas do que eu, pode tentar perceber qual é a probabilidade de que duas máquinas dos dois únicos deputados do mesmo partido, situadas a uma distância considerável uma da outra, sejam as únicas a falhar em mais de trezentos votos a favor da resolução, e mais de seiscentas máquinas utilizadas. A isso ainda se deve acrescentar qual é a probabilidade de os dois deputados ao mesmo tempo não terem feito o que se faz nestas ocasiões, que é avisar imediatamente a mesa, ainda antes de a votação estar concluída e o resultado anunciado, particularmente numa votação tensa com resultados em diferenças reduzidíssimas. Estariam os dois distraídos ao mesmo tempo? Talvez. De facto, só depois de terem visto os resultados é que Ilda Figueiredo e João Ferreira fizeram a sua declaração segundo a qual votaram a favor (o que é incorrecto — a declaração fica registada mas o voto não conta) mas, contraditoriamente, afirmam que o debate “raiava a ingerência” na vida democrática italiana. Não sei em que ficamos. Ficamos que Berlusconi, mais uma vez, se safou. Graças a um erro de um deputado anti-berlusconiano da lista de Di Pietro (Itália dos Valores) que se enganou e votou contra quando queria votar a favor, o que teria colocado a diferença a um voto. E graças a duas azaradas máquinas que decidiram não funcionar apenas naquele momento e apenas com os dois únicos deputados do Partido Comunista Português, que por acaso achavam que aquele debate “raiava a ingerência” na política interna italiana.»

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Uma afegã

Desde que nasci que ouço falar do Afeganistão. E creio que só agora estou a ouvir uma afegã — mulher, democrática, e muito corajosa — dizer o que não se deve fazer à sua terra. Em todas as guerras acontece isto: a morte de um soldado ocidental, particularmente no início, merece primeira página nos jornais e longas transmissões nos telejornais. A morte de muitos civis do país invadido, particularmente quando se banalizam, torna-se invisível e inconveniente, um assunto desagradável de referir. E, se é desagradável, rapidamente deixa de ser referido. Sabemos que é assim. E também sabemos que não pode ser bom que seja assim. Podemos justificá-lo com muitas razões. Mas sabemos, no fundo de nós, que são justificações que não nos satisfazem. Podemos até habituar-nos. Mas sabemos que há algo de profundamente errado e imoral em ignorar a morte e o sofrimento no país invadido. E, porém, sabemos que o fazemos. E raramente surge uma pessoa que nos obriga a encará-lo. *** Este fim-de-semana ouvi uma mulher de 31 anos, chamada Malalai Joya, dizer algo como isto:

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