Ah, Bruxelas! — onde a Europa é mais isto: cinzenta, com um friozinho apreciável e negociada até ao tutano em reuniões arrastadas sob luzes fluorescentes que se destinam a equalizar os rostos dos presentes entre aqueles que já estão doentes e esgotados e os que vão estar esgotados e doentes em breve. Algures neste continente, neste preciso momento, em qualquer momento em que esta crónica estiver a ser lida, haverá alguém dizendo que os eurodeputados não fazem nada. Pessoalmente, gostaria de me encontrar com essa pessoa e — talvez estrangulá-la com as minhas próprias e ambas mãos? — mas não tenho tempo.
Ao menos, regozijai: Tony Blair parece estar fora da corrida para Presidente do Conselho da União. Não, espera. Tremei: o Financial Times diz que Blair ainda está na corrida. Respirai fundo: a BBC diz que ele é inaceitável para os próprios ingleses, segundo o líder dos Conservadores britânicos. Sim. Não. Talvez: o Presidente talvez venha a ser Herman van Rompuy, primeiro-ministro belga. Quem é Herman van Rompuy? Já vos disse: é o primeiro-ministro belga.
Há exactamente um ano, os cidadãos dos EUA dirigiram-se aos milhões para eleger o seu Presidente, após um debate profundo, uma escolha dramática e uma campanha que durou meses. Obama ficou conhecido no mundo inteiro. No Brasil de Lula — que é famoso no mundo inteiro — a mesma coisa sucederá no ano que vem. Na Europa, tudo se passa em reuniões das quais sabemos pouco e controlamos nada, para cargos de nome arrevezado e poderes por definir. Pergunto-me se assim será possível algum dia falar de igual para igual com os grandes blocos regionais. Respondem-me que não há povo europeu, e portanto não pode haver democracia. Eu respondo-lhes que sem democracia é que nunca haverá povo europeu.
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Mas no continente dos entretantos, recordemos por que Tony Blair seria a pior coisa a acontecer à Europa.
É certo que, com Durão Barroso, Tony Blair seria o segundo rosto da cimeira das Lajes, em quatro dos políticos que se juntaram para decidir invadir o Iraque — e não deixa de ser estranho a Europa reabrir o álbum de retratos numa página que os EUA já fecharam nesse dia de há um ano. Mas o problema de Tony Blair com o Iraque é muito mais profundo. Durão Barroso disse apenas ter visto documentos que o levaram a apoiar a guerra. Blair esteve implicado na manipulação directa desses e de outros documentos. Os memorandos de Downing Street demonstram que estava disposto a todas as desonestidades para entrar em guerra. Mentiu, enganou, iludiu: e depois perseguiu impiedosamente quem o defrontou, levando gente séria até ao suicídio.
É possível discordar com alguém sobre a Guerra do Iraque e achar que daria um bom Presidente do Conselho. Não é disso que se trata: Tony Blair não passa no puro e simples teste da credibilidade e honestidade em política.
Se os líderes europeus quiserem provocar um gigantesco esgar de incredulidade à escala continental, uma espécie de “mas esta gente não se toca?!” dito em simultâneo por milhões, então escolham Blair. Não se esqueçam que um dos maiores movimentos de opinião pública à escala europeia — a tal coisa rara e tão procurada — se deu em 2003 quando milhões se manifestaram contra ele. Mas a verdade é que esta gente não se toca mesmo. Alegam, como único grande argumento, que Blair é carismático e famoso. É sim: e pelas piores razões.
[do Público]
4 thoughts to “O continente dos entretantos”
… o problema é que, muita gente, tem a memória curta ….
De facto Tony Blair, seria um desastre!!!!
Esperemos mais bom-senso, e que seja “escolhido democraticamente”, alguém que não tenha “rabos de palha” e que seja capaz, competente, eficiente. Serão tão, tão impossivel?????
Coitadinhos dos crocodilos!
Boa, Manuel!