O escandalómetro

As actas das contrapartidas desapareceram da comissão das contrapartidas, presidida por um senhor que é hoje deputado do CDS. O deputado diz que as actas ainda lá estão. “Fonte conhecedora do processo” diz que elas “nunca apareceram”. Se pedirem a Paulo Portas, com jeitinho, talvez ele tenha a fotocópia. A direita tem uma teoria nova: a “fadiga dos escândalos”. O que explica esta teoria? É simples. Internacionalmente, houve um escândalo com a Igreja. Nacionalmente, renasceu um escândalo com Paulo Portas. Logo, a direita acha que “as pessoas estão fartas de escândalos”. Como é que eles sabem isto? É simples: a direita tem um aparelho, misto de detetor de metais e contador geiger, que se chama o escandalómetro. Quando utilizado em temperatura ambiente, dá sempre uma consequência clara e evidente. O escândalo vem do lado de lá: é um ultraje, o fim do regime! O escândalo vem do lado de cá: já cansa, pá, passemos a outro assunto.

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César está a ganhar

Quanto a nós – não-católicos como católicos – pedimos exatamente o mesmo à igreja que pediríamos a qualquer outra instituição: que não branqueie os crimes e que entregue os criminosos. A recente polémica sobre a pedofilia na igreja representa um estágio – porventura final – de algo que começou há duzentos e cinquenta anos: o processo de fazer da igreja uma instituição igual às outras, dentro do Estado. Identificar esse processo, bem claro no mundo católico quando Roma passou a ser a capital de um Estado italiano e o Vaticano uma cidade-estado ainda que com atribuições “espirituais”, não implica concordar ou discordar dele. Mas implica reconhecer que ele está para lá das fronteiras da “comunidade dos crentes” e que nos implica a todos enquanto comunidade politicamente organizada. Enquanto pessoa irreligiosa, eu não tenho de ter opinião sobre quem pode ser bispo, tal como não tenho de ter opinião sobre quantos devem ser os sacramentos. Se tiver opinião, sei que será sempre uma opinião sobre um clube que não é o meu.

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“Todos têm uma história para contar”

O ponto de vista do refugiado: a segunda foto foi feita pela menina da primeira foto. [Campo de Refugiados de Al Hol, Síria, Março 2010] Um outro homem ligou ao irmão que vive na Suécia e ele disse-lhe: “Escuta, agora sou um ser humano, tenho um passaporte, posso trabalhar, não fico no campo o dia todo.” Bairro de Jarraman, Damasco, Síria. – À minha frente estão várias iraquianas. Cada uma delas diz o seu nome, a sua cidade, a sua história. Isma é casada e tem cinco filhos; o marido, três filhos e uma filha regressaram ao Iraque; a filha entrou na Universidade; ela não volta enquanto o quinto filho continuar a receber ameaças de morte. Maya é licenciada em Gestão, vivia bem no Iraque antes da guerra, mas é de religião sabeia; os sabeus (e mandeus) não são cristãos nem muçulmanos; dizem acreditar em São João Batista, e nos anjos; praticam rituais de pureza com água e dão extrema importância ao batismo. Foram ferozmente perseguidos por fanáticos depois da invasão do Iraque. Dahid era professora de Física. É muçulmana xiita, mas casada com um sunita: “Nos meus filhos corre sangue sunita e xiita.” Os fanáticos de um e do outro lado não gostaram dessa mistura e escorraçaram-nos da cidade. Hoje é voluntária do ACNUR entre outros refugiados como ela: “Tento pelos meus modestos meios encontrar soluções.”

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A pergunta fatal

Não, não quero ser simpático. Estamos num momento em que estes líderes têm de ouvir coisas antipáticas. Acordem! Vocês já são os piores líderes da União. Por que é a atual geração de líderes de uma mediocridade tão confrangedora? Eis uma pergunta que eu não queria fazer. Porque me parece lugar-comum, porque desprezo o decadentismo, porque profissionalmente voto a esta atitude uma desconfiança fria, de historiador. Mas não há como fugir. A razão é simples

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O país do futuro próximo

Luso-tropicalismo: fusão entre bandeiras num ônibus da companhia Braso-Lisboa, Rio de Janeiro. O lado positivo será apresentar ao Brasil uma nova geração de portugueses. Mas isto significará que Portugal não os conseguiu segurar. O que aliás já é verdade. Rio de Janeiro. – Guardem esta idéia: nos próximos dez anos regressará a emigração portuguesa para o Brasil. Só espero que não ultrapasse a imigração brasileira para Portugal – nós precisamos de mais gente, e gente nova, do que eles. Mas a nova emigração portuguesa para aqui vai ser diferente da anterior: vai ter características de fuga de cérebros.

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E depois do fim

Quanto mais tempo o PS demorar a apoiar Manuel Alegre, mais perde este comboio. A ala esquerda do Partido Socialista soube manter-se disciplinada durante o caso PT-TVI. Mas agora, com o PEC, as suas vozes mais importantes souberam correr riscos e optar pela indisciplina. Tiro-lhes o chapéu.

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A aberração

Há muito tempo que o PSD não tem um líder de cultura não-autoritária. E, pelos vistos, ainda não é desta vez que o vai ter. Até um anarquista pode ser autoritário (acontece com pessoas que eu conheço). Ser autoritário, no sentido que eu uso aqui, é um traço de temperamento. Não é, porém, a mesma coisa que participar de uma cultura autoritária. Uma coisa é psicologia individual e a outra é psicologia coletiva ou, em última análise, ideologia. A pessoa mais filosoficamente libertária, ou mesmo apenas convictamente liberal, nunca seria capaz de admitir uma aberração como a que o PSD votou no seu congresso e que prevê penas para quem criticar o partido nos dois meses que antecedem atos eleitorais. Essa mesma pessoa poderia dar dois berros em casa por causa de um livro mal colocado na estante. Mas votar uma aberração daquelas, deliberadamente, num congresso, ou deixar que ela passasse sem protestar? Nem pensar. Teria náuseas só de pensar nisso.

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Claro-escuro

Turistas na Fontana di Trevi [março 2010] Caravaggio deu dramatismo à sua Itália dramática; Hopper subtraiu triunfalismo aos seus EUA triunfalistas. Roma. — Uma multidão espera às portas das Escuderias do Quirinal, duas horas de fila, para poder ver reunidas duas dezenas de quadros de Caravaggio, uma ocasião rara. Caravaggio não pintou muito. A vida intervinha sempre e não era uma vida fácil num tempo fácil. Quando se tornou famoso, por volta de 1600, era tempo de fogueiras. Queimaram Giordano Bruno numa praça ali abaixo, o Campo dei Fiori. Caravaggio, enquanto durou 38 anos, jogou muito, fornicou muito, matou um homem, fugiu para cada vez mais longe — Nápoles, a Sicília, Malta. Acho que ele era do género que se pergunta “e se?”

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Boletim de Estrasburgo

À distância vejo que uma questão continua a pipocar de quando em vez na corrida sobre a liderança do PSD. Segundo o debate entre Pedro Passos Coelho e Paulo Rangel, continua em jogo saber se o discurso deste último no Parlamento Europeu sobre o caso PT/TVI, faz agora cerca de um mês. Afinal, de que se tratou? Foi uma corajosa defesa da liberdade de imprensa, como sugerem os apoiantes de Paulo Rangel, alertando a Europa para o que se estava a passar em Portugal? Ou foi uma irresponsabilidade, como insinua Pedro Passos Coelho e o PS, fazer tal discurso quando Portugal estava sob o olhar das agências de rating, colocando assim em risco a nossa economia? Pessoas que sabem que estou no Parlamento Europeu perguntam-me isto. A minha resposta é: nem uma coisa nem outra.

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