Há muito tempo que o PSD não tem um líder de cultura não-autoritária. E, pelos vistos, ainda não é desta vez que o vai ter.
Até um anarquista pode ser autoritário (acontece com pessoas que eu conheço). Ser autoritário, no sentido que eu uso aqui, é um traço de temperamento. Não é, porém, a mesma coisa que participar de uma cultura autoritária. Uma coisa é psicologia individual e a outra é psicologia coletiva ou, em última análise, ideologia.
A pessoa mais filosoficamente libertária, ou mesmo apenas convictamente liberal, nunca seria capaz de admitir uma aberração como a que o PSD votou no seu congresso e que prevê penas para quem criticar o partido nos dois meses que antecedem atos eleitorais. Essa mesma pessoa poderia dar dois berros em casa por causa de um livro mal colocado na estante. Mas votar uma aberração daquelas, deliberadamente, num congresso, ou deixar que ela passasse sem protestar? Nem pensar. Teria náuseas só de pensar nisso.
As pessoas mais filosoficamente autoritárias, por sua vez, têm uma notável congruência de posições – aliás, estudada e documentada pelos psicólogos sociais. Estas pessoas gostam de líderes fortes, sempre. Entre ter um primeiro-ministro fraco do seu partido e um forte de outro, estas pessoas hesitam e, às vezes, preferem o líder forte com que não concordam do que o fraco com que concordam. O que é determinante para as pessoas de cultura autoritária (ainda que possam ser umas santas, pessoalmente) é isto: a força, a autoridade pela autoridade.
Manuela Ferreira Leite é destas pessoas. Quando soube da aberração que o seu partido tinha votado, terá dito “acho muito bem”. A aberração já não vai a tempo de a beneficiar como líder; poderá até beneficiar um adversário dela. Tanto pior. A ela não é a aberração que lhe dá náuseas; é o pensamento de, dois meses antes das eleições, haver no partido vozes a mais, conversa a mais, crítica a mais.
Quanto aos candidatos a líderes do PSD, fazem agora alguns gestos e emitem alguns queixumes sobre a aberração. Mas isso é agora, quando viram que ela é politicamente inconveniente.
Alguns deles podem ser liberais em economia (o que, segundo a minha opinião, redunda em autoritarismo político das empresas sobre os cidadãos – mas isso é outra história). O que não são é genuinamente liberais, muito menos libertários (que é o mais justo em matérias de opinião). Podem agora corrigir o tiro, mas já não vão a tempo de demonstrar os seus primeiros instintos. Simplesmente, não há uma segunda oportunidade para demonstrar os primeiros instintos.
Em suma, há muito tempo que o PSD não tem um líder de cultura não-autoritária. E, pelos vistos, ainda não é desta vez que o vai ter.
Resta espaço? Então, um pensamento final.
Como é evidente, as pessoas de cultura autoritária discordam com as pessoas de cultura libertária numa coisa essencial: a própria natureza da autoridade.
Nós, libertários, achamos que a autoridade não nasce da autoridade. Achamos impossível dar autoridade a alguém, seja um professor ou um líder, porque a autoridade não é fungível. Para nós, a autoridade nasce (quando nasce) de outras coisas: da persuasão das palavras, da exemplaridade do comportamento, da inteligibilidade de ambas as coisas.
É isso que temos em conta quando votamos, por exemplo, num Presidente da República. Só uma ideia. Deputado independente ao Parlamento Europeu pelo BE. (http://twitter.com/ruitavares)