Como se diz no Ribatejo: nem sabes de que terra és

Parece que Pacheco Pereira levanta a hipótese de votar em Santarém para não ter de pôr a cruzinha no candidato do seu partido, Pedro Santana Lopes, à Câmara de Lisboa. Mas Santarém porquê? Se Pacheco Pereira não declarar uma morada falsa — o que é ilegal — e for residente na Vila da Marmeleira que eu conheço — a uma aldeia de permeio da minha Arrifana — terá de votar nas eleições para a Câmara de Rio Maior.

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Se não sabem, perguntem

  Não estou a dizer que vai acontecer. Não estou a dizer que deva acontecer. Mas a minha impressão é a de que — se vier a acontecer — tudo mudou.   As análises de como é impossível, cansativamente impossível, haver convergência de esquerda já estão todas feitas. Poupemos tempo ao leitor.   O que até agora ninguém fez foi sentar-se para pensar em quanto poderia valer um futuro partido de Manuel Alegre, se coligado ao Bloco de Esquerda. Contas por baixo, eu diria que para lá de quinze por cento, com vinte a trinta deputados no parlamento. Isto significa o dobro do PCP, três vezes mais do que o CDS, e talvez metade do PSD. Significa ser o terceiro partido, destacado, provavelmente impossibilitar a maioria absoluta do PS, e retirar-lhe sequer a possibilidade de fazer governo com o CDS (mesmo que matematicamente possível, seria suicidário juntar-se ao provável último partido nas eleições, escancarando assim as portas às críticas da esquerda em crescendo). Numa situação dessas restariam duas hipóteses a Sócrates.

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Um monolito passeia pelo aeroporto em seu esplendor

  Mandei vir The Great Crash of 1929, de John Kenneth Galbraith, como leitura para me acompanhar nas próximas noites frias, e talvez escreva mais sobre ele quando for avançando. O livro é de 1954 e confirma desde as primeiras páginas a sua reputação como talvez o livro de Galbraith (pai) mais agradável de ler. Na introdução conta-se como o autor foi chamado a testemunhar no Senado americano em 1955 sobre a possibilidade de o boom do momento terminar como o dos anos 20, ou seja, num crash. Galbraith não invalidou a hipótese. Nesse dia, a bolsa de Nova Iorque caiu, e em consequência Galbraith tornou-se num alvo para os McCarthyistas por ser um “inimigo do capitalismo”. Na ânsia de lhe encontrarem declarações favoráveis ao comunismo, os senadores republicanos recorreram a um texto em que Galbraith chamava “monolítico” ao sistema soviético. O senador Capeheart, do Indiana, fulminou esta passagem no Capitólio:   «Sr. Presidente [do Senado], “monolítico”! Monolítico significa algo como um monumento, ou um pilar de força… Isto é o mesmo que descrever o comunismo como um monumento ou um pilar de força; tal, como se costuma dizer, o Rochedo de Gibraltar.»   Logo a seguir o livro estava à venda e Galbraith esperava um grande sucesso; nas primeiras semanas, porém, estranhou não encontrá-lo exposto nas livrarias dos aeroportos. Um dia entrou numa delas e, ganhando coragem, perguntou à livreira pelo seu próprio livro. “Não me lembro do nome do autor, — um tal de Galbraith se não me engano —, mas o título é O Grande Crash”. “Ah”, respondeu ela, “isso não é livro que se queira ler no avião”.   [Aproveito para dizer que nos próximos dias voltarei à discussão dos cinco economistas heteroxos contra a teoria monolítica — e isto não é um elogio — repescando alguns bons comentários ao meu post inicial. Podem ir lendo aqui.]

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Salvem os ricos

Enquanto a economia crescia, foi-lhes dito que os benefícios não eram para eles. Era preciso manter a competitividade.   Respirem fundo enquanto ainda conseguirmos encontrar piada nisto. Em Portugal, o programa de humor “Os Contemporâneos” lançou uma paródia às canções de natal que juntam artistas solidários e chamou-lhe “Salvem os Ricos”. Os jovens portugueses, que ganham 500 euros a recibo verde e não podem arriscar adoecer, exteriorizam pelo humor o espanto de ver o Estado ajudar bancos com o dinheiro que supostamente não havia para universidades, jardins ou transportes públicos. Olhando para os jovens gregos, porém, fica claro que basta um pequeno rastilho para a situação perder a graça.

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Como tirar interesse a um debate

Há um debate em curso por causa de um artigo de cinco economistas “críticos” no Público que foi por sua vez atacado por Vasco Pulido Valente no mesmo jornal. Os pormenores da coisa, para quem chegou tarde, podem encontrar-se nos Ladrões de Bicicletas e no blogue do Pedro Lains, que desenvolveram a controvérsia e lhe juntaram bons argumentos pró-“críticos” e pró-VPV, respectivamente. A minha impressão, vista do exterior, é que um excelente debate corre risco de se tornar num debate ainda assim interessante mas estéril. A questão central dos economistas “críticos” era se a teoria económica dominante era boa ou não e se poderia ser melhorada, em particular agregando ao ensino da economia mais teorias de natureza diferente. Vasco Pulido Valente lateralizou esta questão defendendo com ardor que a economia não é nem nunca foi uma ciência e que só gente tão parva como cinco economistas parvos poderia estar nos dias de hoje preocupada com uma questão tão parva. Como é habitual na técnica cronística, o ardor com que se ataca uma questão secundária é proporcional ao obscurecimento a que se deseja votar a questão principal dos adversários. Note-se que para a questão essencial dos economistas críticos é indiferente se consideramos a economia uma ciência ou não. A questão é se a economia (seja ela uma ciência ou não) está a ser bem estudada e bem ensinada e quais são as consequências públicas se ela estiver a ser mal estudada e mal ensinada. O texto era, no fim, uma defesa do pluralismo como forma de contornar estes problemas. Nenhum dos economistas proclama ter a resposta definitiva para os problemas da economia, mas em conjunto chamam a atenção para uma série de abordagens suplementares (institucionais, comportamentais, etc.) que permitiriam suavizar os defeitos mais evidentes da teoria dominante. Esta posição sensata e sensível foi, como é tristemente hábito, caricaturada por VPV como um disparate com que não vale a pena perder tempo. João Rodrigues, no Ladrões de Bicicletas, junta-se ao debate notando que as definições de ciência explícitas e implícitas em VPV são redutoras. Pedro Lains, por seu lado, defende VPV notando como não vem particular mal ao mundo do facto de as ciências sociais não serem na verdade ciências e nem isso ser propriamente heresia (ambos desenvolvem outras linhas de argumentos, mas vou concentrar-me nestas). Nesta discussão eu estaria naturalmente com o Pedro Lains, até porque já a tive por diversas vezes com colegas historiadores e sempre me coloquei do lado da “história como disciplina das humanidades” e não da “história como ciência”. Para mim é até um motivo particular de orgulho perencer às humanidades, que são mais difíceis (e mais difíceis de fazer “bem”) do que as ciências. Mas os argumentos do João Rodrigues são bons também: se a ciência por excelência for apenas a Física, não estaremos a empobrecer desnecessáriamente o potencial da abordagem científica noutras áreas? Esta discussão é a tal que é interessante mas — desculpem-me — estéril. No momento actual a defesa do pluralismo metodológico em economia é muito mais interessante (e importante) do que definir para todo o sempre o estatuto da economia no panteão das ciências. Digo que é mais importante. Mas não o digo por razões de actualidade política/económica. Digo-o porque é “melhor”. A discussão da “economia como teoria ou teorias” é melhor do que a discussão da “economia como ciência ou não”. Ao ler o texto dos economistas eu estava a aprender (como ao ler o João Rodrigues eu aprendo todos os dias, porque o estou a ver construir um pensamento). E ao ler VPV eu entendo que ele gosta mais de saber do que de aprender (ao contrário do Pedro Lains, que gosta mais de aprender do que de saber). Sim, o João Rodrigues e o Pedro Lains são gajos cheios de qualidades. Vê-los pensar é um prazer. VPV é um desmancha-prazeres, e nem nisso há grande prazer: usou uma coisa que julga saber (que a economia não é uma ciência) para matar um debate em que estávamos a aprender (que há mais abordagens para a economia do que aquela que é dominante). A diferença é fundamental. Vasco Pulido Valente, e com ele toda uma tendência do sentimento nacional, confunde o seu desinteresse pelas coisas com a falta de interesse das coisas. O que é pior, confunde o seu desinteresse pelas coisas com uma espécie de obrigação geral ao desinteresse. Ele não se confessa apenas desinteressado (porque isso valeria de pouco no debate público) ele ralha-nos se nos interessarmos por coisas parvas que não merecem o seu interesse (foi assim há pouco tempo com o Congresso do Marxismo — e digo isto enquanto anti-marxista — e agora com os economistas — e digo isto enquanto “humanista” e “não-cientista”). Ora passa-se que as coisas têm mesmo interesse intrínseco. Não é apenas anti-pedagógico fornecer desculpas para o desinteresse geral. É sobretudo anti-prazer. É por isso que no meu papel habitual de anti-VPV eu exorto a substituir um debate com algum interesse por um regresso a outro com mais interesse ainda. Mais debate sobre pluralismo metodológico/epistemológico, por favor. Estou a gostar.

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Próximo objectivo: oito recessões em três anos

Jornal de Negócios, 10 dezembro 2008. Já sei o que vão dizer: que de acordo com a definição convencional de recessão (pelo menos dois trimestres de diminuição do PIB) não é possível enfiar oito recessões em apenas três anos. Ao que eu respondo: isso é duvidar das capacidades dos portugueses.

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A desigualdade

  A sociedade não fica quieta à espera da esquerda e as subidas nas sondagens não duram para sempre.   Sondagem após sondagem, já não vale a pena discutir se há uma viragem à esquerda do eleitorado português. Mais intrigante é tentar saber quais são as suas razões. Já se escreveram editoriais e realizaram debates para responder à questão, e hipóteses não faltam, das mais conjunturais às meramente tácticas, umas melhores do que outras. Esta é mais uma tentativa. Tenhamos apenas em mente que esta subida da esquerda já não é um mero episódio. Logo, não deve ser explicada por razões episódicas.   Se me apontassem uma arma à cabeça e me obrigassem a dar uma resposta, apenas uma resposta, à pergunta “porque tem Portugal mais intenção de voto à esquerda em toda a Europa Ocidental?” eu escolheria a seguinte opção: “é porque Portugal é o pais com mais desigualdades em toda a Europa Ocidental”.   Não é nenhum mistério.

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A ilusão da desilusão

  Isto está a passar-se, neste momento, debaixo dos narizes dos nossos conservadores. Como de costume, eles não se dão conta.   É digna de pena esta história. A opinião conservadora, que durante um ano “previu” a derrota de Obama (e depois de ter errado se proclamou em condições de nos explicar as “verdadeiras” razões da sua vitória) está agora reduzida a ter de vaticinar a decepção da esquerda com o futuro presidente dos EUA. Não dedicam um minuto a avaliar o ridículo desta situação, já para não falar em considerar o descaminho do conservadorismo nos últimos anos. Não; preferem viver na ilusão da desilusão.   Consideremos o seguinte:

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A infelicidade dos portugueses conta?

  A nossa infelicidade é como um móvel que sempre esteve no meio da casa. Mas será um assunto a tratar em público?   Há poucos estudos comparativos que não dêem os portugueses como entre os mais tristes, ou mesmo os mais tristes de todos os europeus, os mais descontentes e pessimistas. A questão é que fazer com essa noção. Sim, a nossa infelicidade é como um móvel que sempre esteve no meio da casa. Mas será um assunto a tratar em público? Por outras palavras: será a infelicidade dos portugueses uma questão política?   Se você acha que não, algo de errado se passa consigo. Provavelmente, o mesmo que se passa connosco. Os gregos, que sabiam qualquer coisa do assunto — dos dois assuntos, aliás — diziam que “a felicidade reside na liberdade, e a liberdade na coragem” (Tucídides).   Vamos lá por partes.

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