Os jovens curdos (um epílogo) Ancara, Turquia. — Sehriban, Sevin, Sultan, Emel e Evran. Quatro raparigas e um rapaz. Têm menos de trinta anos. Todos são licenciados — em Química, Relações Internacionais, Comunicação Social. Pertencem todos à minoria curda, mas já não falam curdo. A única rapariga mais religiosa — o rapaz diz-se ateu — é alevita, de uma minoria que conta com um quarto da população, e que pratica um islamismo aberto — as suas mesquitas chamam-se simplesmente “assembleias” e nelas os homens e as mulheres rezam juntos embora, pelo exemplo presente, pareçam pouco assíduos. “Quando vais ao teu templo?”, pergunto. “No dia 18 de Janeiro”, responde Emel. Estamos longe das cinco orações por dia, e até das idas à mesquita todas as sextas. Estes jovens descontraídos apoiam um partido que acabou de ser ilegalizado — o Partido da Sociedade Democrática, pró-curdo — e esperam na sede do partido que a polícia venha levar um dos seus deputados, Ahmed Türk, para ser julgado em tribunal por “insultos à nação turca”. Esperam por notícias. E quais são as notícias de Ancara? Complôs. A polícia investiga as forças armadas por causa de um alegado complô para matar o vice-primeiro-ministro. As forças armadas queixam-se de um alegado complô da parte de certos deputados para denegrir a sua imagem. O tribunal constitucional ilegaliza o partido pró-curdo considerando que existe um complô contra a integridade do estado turco; e o partido pró-curdo alega que há um complô para o apresentarem como separatista. Todos se contraplõem uns aos outros — alegadamente. Mas alguém tem de ceder. O partido no poder é democrático no sentido em que é maioritário, mas não é propriamente secular nem pluralista. O exército é secular mas não propriamente pluralista nem democrático. E os partidos das minorias tendem a ser pluralistas e seculares mas — afinal de contas — são minoritários. Como o próprio Ahmet Türk me lembra, calmamente conversando comigo enquanto a polícia faz de conta que não o vê, pior do que uma Turquia com falsas esperanças só uma Turquia desesperada. Por isso, sugere ele, a actual posição de franceses e alemães contra a entrada da Turquia na UE é o pior de dois mundos. A União deve deixar muito claro que apenas uma Turquia reformadamente democrática, pluralista e secular poderá ser estado-membro. Deve, aliás, ser bem mais exigente nas negociações políticas. Mas o que Sarkozy e Merkel indicam é apenas que a Turquia nunca entrará por ser muçulmana, ou porque eles não querem. Isto é, no fundo, dizer que nenhuma reforma conta, e dar carta branca para os militares e os religiosos fazerem o que quiserem. A uns mil quilómetros daqui, em Teerão, milhares de jovens de outro país arriscam a vida pela democracia. A Turquia e o Irão têm várias coisas em comum. São dois grandes países não-árabes do médio-oriente, herdeiros de impérios vastos e históricos — o otomano e o persa —, com populações jovens e bastante educadas. Já que não conseguimos facilitar a vida aos jovens de Teerão, poderíamos ao menos tentar não dificultá-la aos jovens de Ancara. *** Entretanto escrevo para o Público a última crónica de 2009 — e dos próximos tempos. Tal como no ano passado, aproveito este período para meter férias e tentar avançar com os meus projectos historiográficos (sem prejudicar o parlamento). Vão vocês andando à minha frente e tendo o melhor ano possível; daqui a uns tempos já vos apanho. Ancara, Turquia. — Sehriban, Sevin, Sultan, Emel e Evran. Quatro raparigas e um rapaz. Têm menos de trinta anos. Todos são licenciados — em Química, Relações Internacionais, Comunicação Social. Pertencem todos à minoria curda, mas já não falam curdo. A única rapariga mais religiosa — o rapaz diz-se ateu — é alevita, de uma minoria que conta com um quarto da população, e que pratica um islamismo aberto — as suas mesquitas chamam-se simplesmente “assembleias” e nelas os homens e as mulheres rezam juntos embora, pelo exemplo presente, pareçam pouco assíduos. “Quando vais ao teu templo?”, pergunto. “No dia 18 de Janeiro”, responde Emel. Estamos longe das cinco orações por dia, e até das idas à mesquita todas as sextas. Estes jovens descontraídos apoiam um partido que acabou de ser ilegalizado — o Partido da Sociedade Democrática, pró-curdo — e esperam na sede do partido que a polícia venha levar um dos seus deputados, Ahmed Türk, para ser julgado em tribunal por “insultos à nação turca”. Esperam por notícias.