[Texto no Público acerca de por que aceitei ser candidato independente nas listas do BE ao Parlamento Europeu. Ver abaixo resposta da direcção do jornal.] Aqui há tempos o eurodeputado e dirigente do Bloco de Esquerda Miguel Portas perguntou-me se eu aceitaria ser candidato independente às eleições para o Parlamento Europeu, e solicitou-me permissão para apresentar o meu nome aos seus camaradas de partido. Depois de pensar sobre o assunto e aconselhar-me com as pessoas mais próximas, disse-lhe que sim. Ontem a Mesa Nacional do BE aceitou o meu nome como candidato independente, em terceiro lugar na futura lista eleitoral. Nas próximas linhas explicarei, nos termos mais concisos que puder, porque aceitei o convite. Em primeiro lugar, trata-se de um apoio. Votei em Miguel Portas nas últimas europeias. Cinco anos depois, estou contente com o voto que lhe dei. O trabalho dele foi produtivo e acima de tudo construtivo, na proposta de soluções para ultrapassar o impasse constitucional, na oposição à Guerra do Iraque, no seu papel crucial na fundação do Partido da Esquerda Europeia. É menos conhecida a Rede de Reflexão Europeia que ele criou, com a participação de pessoas de diversos campos, da academia à imprensa, da sociedade civil à política. Aceitei participar nessas reuniões, como é meu hábito fazer, e verifiquei que decorriam num ambiente aberto, anti-dogmático e consequente que fica a milhas do que os partidos costumam fazer neste tipo de fóruns. (Foi também aí que conheci Marisa Matias, que será a segunda candidata da lista, e que é uma académica e política promissora com quem será um gosto trabalhar.) Quem se candidata em democracia tem sempre uma hipótese, mais ou menos realista, de ser eleito. Se isso acontecer, tenho intenção de levar muito a sério o mandato. O Parlamento é a instituição mais democrática da União Europeia e o seu papel nestes tempos terá de ser mais decisivo do que nunca. Diante de nós há uma bifurcação entre uma União burocrática e uma União democrática. Não é novidade para ninguém que, ao nível europeu, a burocracia está a ganhar à democracia. Ora, a qualidade da democracia europeia será aquela que nós estivermos dispostos a conquistar, e não a conquistaremos sem risco nem esforço. Nesse sentido, este apoio é também uma aposta. Por último, quando alguém próximo me pergunta o que iria eu fazer para o Parlamento Europeu, a minha resposta é “aprender”. Talvez não seja a resposta mais “política” mas é certamente a mais sincera. Aprender é aquilo que sempre mais gostei de fazer. Aprender em público é o que eu tenho feito nos últimos anos. O que vou escrevendo nos jornais ou dizendo na televisão não são opiniões fechadas; são momentos dessa aprendizagem em público. O Parlamento Europeu é provavelmente um dos melhores lugares no mundo para continuar a fazê-lo e tudo o que eu aprender será devolvido ao debate público e, por essa via, aos cidadãos. É portanto um apoio, uma aposta e uma aprendizagem. Esta crise não é igual às outras e não vai deixar tudo igual como antes. Por isso quero incluir aqui algumas palavras sobre a mudança. Há quem ache — são os conservadores de direita, mas também de esquerda — que se deve resistir à mudança. Há também quem ache — na “terceira via” do centro-esquerda, como no centro-direita— que temos de nos limitar a “gerir” a mudança e adaptar-nos a ela. Há ainda a posição bizarra, mas partilhada à esquerda e à direita com resultados muito opostos, de quem acha que nós não temos parte nesta história: de um lado estão convencidos que o “mercado” é tão eficiente que devemos deixar tudo a seu cargo; do outro lado estão ainda à espera que as “contradições do capitalismo” e os “limites do sistema” nos resolvam os problemas por nós. Não concordo com nenhuma destas posições atrás descritas. O nosso papel, do meu ponto de vista, deve ser o de compreender a mudança e nunca fugir a essa obrigação intelectual. Politicamente, porém, o nosso papel deve ser mais profundo ainda. Tentarei resumi-lo numa expressão um pouco arrevesada: é mudar a própria mudança. Que quero dizer com isto? Que não temos de aceitar a chantagem do inevitável nem contentar-nos com medidas meramente epidérmicas — para não dizer cosméticas. Pelo contrário, a própria ideia de democracia parte do pressuposto de que é possível tomar em conjunto decisões fundamentais e transformadoras. À esquerda, “mudar a mudança” quer também dizer que o discurso “alternativo” não pode ser sempre igual nem estar reduzido às mesmas fórmulas se, em vez de ficar à margem, quisermos aproveitar as energias da mudança para a redirigir no sentido da justiça social e dos nossos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Uma última palavra sobre as consequências pessoais desta decisão. Espero que as linhas que acabei de escrever tenham dado uma boa indicação de que continuarei a ser o que já era e a fazer aquilo que gosto de fazer: ser um independente de esquerda, historiador de formação e vocação, que escreve para ser lido aqui neste jornal ou onde me derem liberdade. Depois de ter pensado sobre o assunto, entendi com alívio que as decisões sobre o que vai acontecer cabem agora a outros: aos eleitores nas próximas eleições, à direcção do Público nas páginas deste jornal, e à direcção da SIC-notícias na estação televisiva onde colaboro. A minha única decisão é esta: onde me derem liberdade, darei o meu melhor.