Três saídas

Perante uma crise, nós partimos sempre da ilusão de que há uma normalidade e que, depois da crise passar, voltaremos ao “normal”. No entanto, esquecemo-nos de que se uma crise for suficientemente forte (como esta), pode até mudar aquilo que se entende por “normal”. Vamos descrever três saídas hipotéticas para a crise, e ao mesmo tempo pensar um bocadinho no que elas querem dizer para Portugal. A primeira é a “saída” de que políticos e economistas convencionais vêm falando de vez em quando. Há uma razão para os anúncios do “fim da crise” soarem repetidos, ambíguos e, passado pouco tempo, a falso alarme. É que nesta alegada saída da crise não há exactamente saída nenhuma, muito menos bem demarcada e notória, que marque o momento em que transitámos entre a crise e a pós-crise. O que se passa é que a queda desembestada em que estávamos se pode ter desacelerado um pouco. Esta “saída” da crise não é pois saída: é antes um suspiro de alívio por nos termos “livrado do pior”. E se o “pior” for medido por cenários como os da Islândia ou da Estónia, ou da Argentina de há uns anos, ou dos EUA nos anos 30, o suspiro é até justificado.

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O que fazer à informação?

O problema essencial da civilização humana, durante séculos de história, foi o da escassez de informação. Havia enormes buracos naquilo que nos faltava saber; havia até continentes inteiros de que desconhecíamos. O nosso problema essencial agora continua a ser o da informação, mas de outra forma tão intratável que chega a ser exasperante. Porque o primeiro problema é sequer identificar qual é o problema. Antes, como disse, era fácil concluir que o problema era informação a menos. Hoje chegamos muitas vezes a afirmar que o nosso problema é informação a mais. Não há quem não tenha sentido o bloqueio mental que provoca a sobrecarga de informação. Sobre qualquer assunto, sobre milhares de assuntos, há demasiada coisa para ver, demasiada coisa para ler — e enquanto o fazemos estamos a perder tudo o que há para ler e para ver nos outros milhares de assuntos. Será que é esse o nosso principal problema? Seria importante sabê-lo: se a sobrecarga de informação é o nosso problema fundamental, isso significaria uma enorme ruptura com o resto da história humana, e implicaria a criação de estratégias para lidar com o novo problema.

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O fim de um mito

Aqueles a quem os deuses querem destruir tratam primeiro de enlouquecer. E é de loucura que estamos a falar: só em puro desespero podem estes executivos alardear assim a própria incompetência. Esta crónica começa pelo álibi da incompetência. Vi na imprensa económica as alegações dos cinco arguidos do caso BCP sobre a criação de empresas fictícias, com sede em paraísos fiscais, para (entre outras coisas que podem ser crime) comprarem acções do próprio banco. O ex-presidente do banco não sabia quem tinha criado as tais empresas off-shore, parece que dezassete. Só poderia ter sido obra de algum subordinado que não lhe tivesse dado conta do facto. O ex-vice-presidente dizia que nunca tal coisa sem informar o presidente. Outro alto-responsável dizia que só tarde demais se tinha dado conta do caso, e por aí adiante. Uns sugeriam que as empresas só poderiam ter sido criadas por alguém abaixo deles, e outros aventavam que elas só poderiam ter sido criadas por alguém acima deles. Mas nenhum, que me lembre, excluía a hipótese de que elas tivessem aparecido nas Ilhas Caimão por imaculada concepção.

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Arquipélagos

As cidades tendem a aglomerar-se e a interligar-se porque assim multiplicam os seus potenciais. Formam arquipélagos, e entre cada cidade desses arquipélagos (e cada arquipélago de cidades) trocam-se produtos, serviços e ideias. Esta globalização em que vivemos é uma globalização de cidades. Foram elas que desde o início (desde o século XVI) contribuíram para amarrar os nós, as rotas, de que foi feito o comércio internacional. Sozinhas, valem pouco. Ligadas, valem muitíssimo. As cidades tendem a aglomerar-se e a interligar-se porque assim multiplicam os seus potenciais. Formam arquipélagos, e entre cada cidade desses arquipélagos (e cada arquipélago de cidades) trocam-se produtos, serviços e ideias. O valor económico desses arquipélagos de cidades é difícil de calcular. O economista Richard Florida tentou fazê-lo e as conclusões a que chegou são surpreendentes. A mega-região urbana mais rica da Europa não é a Grande Paris nem a Grande Londres. É o arquipélago urbano de Amsterdão-Antuérpia-Bruxelas-Colónia-Lille, onde vivem quase 60 milhões de pessoas e que produz mais riqueza do que a China, o Canadá ou a Itália. O seu valor aparece escondido porque se trata de um arquipélago cujas “ilhas” estão espalhadas por cinco países.

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“O que fez antes do doente morrer?”

A posição convencional em economia e conservadora em política não tem neste momento a mínima confiança em si mesma para aguentar um debate, em igualdade de circunstâncias, sobre como chegámos à crise e como saíremos dela. Vamos a ver se nos entendemos. José Manuel Fernandes diz que o « Manifesto dos 28 » contra as grandes obras públicas foi recebido de forma insultuosa. Como exemplo, dá à pergunta « Onde tinham estado antes da crise estalar », que eu próprio fiz. Esta crise é o evento económico mais significativo do pós-guerra, não só em termos de efeitos reais como de debate teórico. Perguntar onde estavam os economistas em relação à crise é um insulto? Nesse caso, perguntar « que fez o médico antes do doente morrer » é também um insulto. Tudo bem. Posso viver com o opróbrio do insulto.

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Ay, Honduras

Entretanto, parece ter havido um golpe de estado nas Honduras. Vou tentar entender melhor o que se passa antes de fazer mais comentários. Mas, para já, parece interessante o facto de Obama só reconhecer como presidente Manuel Zelaya (apesar de este ser um aliado de Hugo Chávez e estar interessado em iniciar um processo constituinte no país) e recusar peremptoriamente legitimar o golpe de estado, sem hesitações, desde a primeira hora. Depois dos apoios indisfarçados ou semi-satisfeitos de Bush Jr. a este tipo de golpes, é um sinal de mudança na política latino-americana de Washington.

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Um comentário de Henrique Neto

A pouco e pouco, este blogue ainda há-de regressar à regularidade. Esta semana em princípio voltarei a pôr aqui as crónicas do Público. O problema é que entretanto houve várias dessas crónicas que ficaram por blogar, e por vezes houve gente que deixou aqui comentários interessantes a essas crónicas (mais ou menos onde podiam, ou seja, nos posts que estavam visíveis) e que correm o risco de se perder. Um deles é o comentário de Henrique Neto sobre as minhas críticas ao manifesto dos 28. Pela seriedade com que visivelmente foi escrito e pelo interesse do conteúdo aqui fica na íntegra: Sou leitor regular das crónicas de Rui Tavares e concordo na generalidade com aquilo que escreve. Não é o que acontece com o texto de hoje no Público, “Livres para escolher”. Sou um dos signatários do documento dos 28, mas não sou economista, nem sou de direita e não olhop para a questão das grandes obras públicas numa óptica partidária. Mais, diferentemente de muita gente não falo de cor, estudei os projectos em detalhe e fiz um Parecer sobre o assunto que terei muito gosto em disponibilizar. A razão principal porque não concordo com muitas das obras previstas ´é por serem mais obra pública desligadas de qualquer estratégia integrada de desenvolvimento. Pior, desligadas entre si, planeadas e justificadas de forma avulsa. Por exemplo,para que são precisas mais autoestradas quando em presença dos custos energéticos e ambientais tudo aponta para o transporte ferroviário como o transporte de futuro. Para quê a ligação a Madrid pelo Sul em direcção a Badajoz, servindo apenas o mercado de Leiria a Setúbal, quando a ligação pelo Entroncamento em direcção a Cáceres servia todo o mercado de Vigo a Setúbal? Qual a solução para reduzir a dependência do transporte rodoviário de mercadorias a favor do transporte ferroviário se nós insistimos na bitola ibérica na Linha do Norte e os espanhóis estão a mudar as suas vias para bitola europeia? Para que servem mais pontes rodoviárias de e para Lisboa, em vez de mais transporte público entre as duas margens do Tejo, na medida em que mais carros são mais custos energéticos, mais poluição e mais engarrafamentos? Para quê mais contentores em Alcântara em vez de mais paquetes de turismo, quando sabemos que os grandes navios portacontentores do futuro não poderão entrar em Lisboa, que em qualquer caso Lisboa deverá ser uma capital de serviços e não de infraestruturas pesadas? Poderia escrever muito mais, mas se tiverem interesse envio o Parecer que fiz e que explica melhor tudo isto. Uma palavra final para dizer que sem estudo dos problemas, no mínimo do ponto de vista do modelo, as opiniões são sempre legítimas, mas frequentemente inúteis. Cumprimentos Henrique Neto Resta agradecer o trabalho de Henrique Neto para escrever este comentário. E quero dizer que, sim, efectivamente gostaria muito de receber toda a informação sobre estes assuntos. Também em breve terei aqui uma caixa de correio permanente para envio de documentação, até para facilitar o trabalho europarlamentar que se avizinha.

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Agenda

Este blogue anda pouco atualizado — e nos próximos tempos irá retomar gradualmente a sua atividade normal e até ganhar novo ritmo. Tenho andado a utilizar bastante o twitter para enviar a agenda de eventos em que participo, debates, coisas assim. Hoje, às 21h00, estarei na “Casa do Futuro” do Museu das Comunicações (ali entre Santos e Cais do Sodré, LX) para comentar o projeto Olisipédia, do atelier de arquitetos Arkhetypos, numa sessão promovida pela Geração de Ideias. Falarão João Jácome, Rita Neves, e eu. Trata-se de um projeto muito interessante de utilizar as georeferências na internet para criar camadas de informação sobre a cidade. Isto pode significar estar numa café e consultar através do computador fotografias daquela rua ou praça em décadas passadas, como pode significar usar o iphone para tirar uma fotografia de um buraco na rua e enviá-la diretamente para os serviços camarários correspondentes. Apareçam que deve ser interessante. [Este evento apareceu anunciado na imprensa como sendo um debate com António Costa por iniciativa da JS ou do PS. Não é o caso.]

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É oficial

Fonte: Sítio das eleições europeias no Ministério da Justiça. Clique para aumentar a imagem. Logo que tenha um tempo para respirar, a atividade deste blogue será retomada, e começaremos precisamente por este tema. Entretanto, um grande obrigado a todos. Vocês sabem de quem eu estou a falar: todos vocês.

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Num debate a sério

Já deu para perceber que José Pacheco Pereira está numa daquelas fases em que culpa a realidade por não lhe dar razão. Agora anda numa série de posts e artigos cuja amargura de fundo é notar que “se este fosse um país a sério” as pessoas teriam as opiniões que José Pacheco Pereira achasse que elas deveriam ter. A maioria das pessoas concordaria com ele, está bem de ver, ou esperaria até que ele se pronunciasse para saber o que pensavam. Mas — e este é que é o pormenor de peso — uma minoria teria opiniões tão absurdas e descabeladas que por exclusão de partes qualquer pessoa de bom senso teria de se conformar com a opinião de José Pacheco Pereira. Reparem: «Se Portugal fosse um país a sério, nós olharíamos para o Bloco de Esquerda como ele realmente é, a face do comunismo na sua roupagem actual, que nos cartazes por todo o lado, na sua súbita riqueza propagandística, propõe soluções só possíveis em sociedades totalitárias e não democráticas. Como é possível não perceber que se a energia “é de todos”, por que razão não o é a água, a terra, as minas, as casas e por aí adiante?» O raciocínio de Pacheco Pereira é curioso: se alguém acha que a energia é de todos, como pode não achar que a minha casa não é de todos também? Se alguém acha que a energia é de todos, como pode acabar a não expropriar as casas aos velhinhos? Se X, logo Y, ou não? Bem, o curioso deste raciocínio é que se pode também virar ao contrário. Se achamos que as casas são privadas, o que nos impede de achar que o ar também deve ser propriedade privada e que temos todos de andar com um contador para respirar e pagar todo o oxigénio que consumirmos? O curioso deste raciocínio é que não chega a ser um raciocínio. Se X, logo Y, é uma falácia. Indigna de um intelectual sério num debate sério. Se fosse admissível, poderíamos chegar a este argumento: “sabem que no Bloco de Esquerda há vegetarianos? se há vegetarianos, o que os impede de comer carne humana? afinal, eles são a favor de comer, ou não?!” Num debate sério, toda a gente sabe que não há propriedade absoluta, seja ela privada ou não. E num debate sério, a discussão é sobre a diferença de opiniões sobre onde estão os limites. Pacheco Pereira quer-nos fazer crer que só numa sociedade totalitária há limites: isso faria de todos os países sociedades totalitárias. Os EUA, onde há parques nacionais, todos os países onde os cursos de água são públicos, o Brasil onde o petróleo é nacional, todos — todos seriam sociedades totalitárias. Esse seria um bom argumento para um programa de rádio da extrema-direita americana, mas não para um debate sério. Num debate sério, perde-se pouco tempo com as pessoas que acham que tudo é privado ou que tudo é coletivo. Num debate sério, perde-se ainda menos tempo com as pessoas que acham que os adversários só podem ser defensores do totalitarismo. Não vos faço perder mais tempo, porque a intenção deste texto é a seguinte: vão comprar o Público de hoje e ler o texto de Pedro Magalhães sobre o Bairro da Bela Vista, em que se comenta o texto de José Pacheco Pereira sobre o mesmo assunto (e que foi o primeiro deste surto de “Se este fosse um país a sério”). Vejam como Pedro Magalhães, com método e paciência, deixa completamente desossado o argumentário de José Pacheco Pereira, por razões análogas às que atrás resumi, mas com mais saber e conhecimento do que o meu. Se calhar, começamos mesmo a ser um país a sério: num país a sério, há falácias que não se trazem para o debate sem ter que se pagar por isso — e levar resposta.

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