O que mais fascina todos aqueles que não estão bloqueados em aeroportos é a radical incerteza de tudo isto. Epicteto era escravo, era aleijado, vivia no tempo do imperador Nero e gostava de escutar as lições do filósofo estóico Musónio. Quando um dia ganhou a liberdade decidiu abrir uma escola filosófica que funcionasse “como um lugar de cura para almas doentes”. A primeira das suas lições, que foram fielmente transcritas por um discípulo chamado Arriano, era sempre sobre o tema: “as coisas que podemos controlar e as coisas que não podemos controlar”. Epicteto sustentava que o sofrimento advinha de tentarmos controlar coisas que não podemos controlar. Para ele, as coisas que não podemos controlar são em geral as externas, ou seja, aquelas que nos acontecem a nós. As coisas que podemos controlar, a bem dizer, são apenas as que temos dentro da cabeça, ou seja, as nossas ideias e atitudes. Claro que o mundo se alterou muito desde que Epicteto viveu, e a humanidade mudou também o seu bocado. A técnica permitiu-nos que controlássemos muitas mais das coisas “externas” que Epicteto achava que eram incontroláveis, e daí procedeu uma certa arrogância que ganhámos em relação à natureza. Mas entra em cena um vulcão islandês de nome impossível de recordar e, de repente, eis-nos num momento epictetiano.Não há tecnologia, meus caros, que nos permita ir lá ao vulcão e pôr-lhe em cima uma tampa. A única coisa que nos resta controlar é a nossa ansiedade, enquanto não sabemos se os aviões podem ou não levantar voo. (Enquanto escrevo, dezenas de eurodeputados enviam mensagens ao secretariado do parlamento para tentar saber se teremos ou não sessão mensal em Estrasburgo, que deveria começar amanhã. Se a tivermos, será certo que a assembleia estará fortemente distorcida pela arbitrariedade geográfica, e dominada por deputados da Alemanha, da França, e alguns daqueles que como eu decidiram ficar o fim-de-semana em Bruxelas. Alguém imagina o que sucederá se um parlamento cheio de alemães mas sem gregos votar o que quer que seja sobre a crise grega?) O que mais fascina todos aqueles que não estão bloqueados em aeroportos é a radical incerteza de tudo isto. A erupção vulcânica e a sua nuvem de cinza podem durar mais um dia, ou uma semana. Ou um mês. Ou um ano. Não se sabe. Pode regressar mais tarde, ou não. O vento pode mudar, ou também não. A erupção pode desencadear outras erupções em vulcões vizinhos. E daí, talvez não. Caso a situação se mantivesse, é certo que as consequências para a aviação comercial seriam enormes. Para as mentes mais imaginativas e nostálgicas, é uma boa ocasião para lembrar o tempo em que se ia da Europa para a América em transatlântico ou dirigível. Outros ainda recordam as propostas de diminuir o aquecimento global lançando para a atmosfera grandes quantidades de enxofre. E se a erupção continuasse? Nesse caso teríamos o equivalente ao famoso ano de 1816, conhecido por ter sido “o ano em não houve verão” (a nossa corte não deu por isso porque estava no Rio de Janeiro). Quanto a este último pedaço de fantasia, os cientistas que falaram sobre o assunto já nos disseram que não é possível: 2010 não será o novo 1816. Mas será sempre 2010. Com coisas que não podemos controlar e coisas que podemos controlar. Enquanto durar, apreciemos o nosso momento epictetiano.