O que não muda contudo, é o velho debate sobre se a tecnologia nos faz melhores ou piores. Por mais voltas que dê, esse debate corre o risco de ignorar uma coisa: o que deve em primeiro lugar fazer-nos melhores (esperemos) ou piores é uma coisa muito simples: nós mesmos. Um novo livro chamado “A sociedade dos ecrãs”, coordenado pelo sociólogo Gustavo Cardoso à frente de uma equipa multidisciplinar, problematiza com alguma novidade as consequências das novas tecnologias na nossa vida, da economia à política, da cultura à sociabilidade. Tive a sorte de estar no lançamento, com José Magalhães e José Pacheco Pereira, e de voltar a alguns temas que me interessam como cidadão, e tenho impressão que sobretudo como historiador. Desde a Antiguidade que há tecno-otimistas e tecno-pessimistas. Mesmo nas tecnologias que nos parecem mais admiráveis. Sócrates (o antigo) criticou a invenção da escrita: dizia ele que era possível desmentir um mentiroso que fala, mas nenhum interrogatório conseguirá mudar um escrito mentiroso, pois o texto que lá está, lá fica (“onde entra lixo só sai lixo”). Ou melhor, “dizia” Sócrates, porque, fiel aos seus princípios, ele não escreveu nada. Quem escreveu e pôs as palavras na sua boca foi Platão, o que leva à questão: e se a transcrição foi mentirosa? Nem um Sócrates moderno, não forçosamente desse nome, conseguiria desmentir um escrito de Platão.