Aconteceu um coisa interessante na semana passada. Paulo Portas apresentou o guião da reforma do estado e as primeiras reações foram as que seriam se o documento fosse sério — de oposição ou de concordância mas, no parlamento e nas televisões, levando o documento a sério.

E enquanto isso acontecia, centenas ou milhares de cidadãos descarregavam o documento na rede e viam aquilo que os porta-vozes e os comentadores televisivos não tinham tido oportunidade de ver, nem tempo de ler. E o que viram e leram foi isto: estávamos perante o mais indigente documento jamais produzido pelo governo português. Uma coisa mal-parida que envergonha qualquer país civilizado.

Quem tivesse uma experiência de dar aulas ou avaliar alunos em exames orais poderia ter desconfiado. Era nítido, ao ouvir Paulo Portas apresentar o famigerado guião, que ele reunia em si todos os tiques de um aluno completamente em branco no momento do exame: contemporiza, enche chouriço, diz uma coisa indiscutível, avisa que vai entrar no assunto, contemporiza, volta ao princípio, olha para o relógio, diz que não quer maçar ninguém com exemplos, etc. Ora, o documento em si não destoou dessa impressão, parecendo também o produto de uma sessão de escrita automática numa noitada movida a café, sem preparação nem pesquisa, e sem tempo para rever o resultado.

Nascendo a madrugada e com o professor à espera do trabalho, o jovem Paulo Portas aumenta o tamanho da letra para uma incomportável fonte 16, transformando 34 páginas coladas a cuspo em 112 “páginas úteis”. O português do documento éhorripilante. Há vírgulas a separar sujeito e predicado, predicado e complemento, vírgulas por todo lado, talvez meia-dúzia de páginas de vírgulas. As vírgulas só não cindem ideias a meio porque, como é evidente, não há uma ideia para amostra em todo o documento. Sim, eu sei que se diz que Paulo Portas avançou com planos de um estado mínimo, neoliberal. Felizmente, ou infelizmente, nem a isso chegou. As suas ideias — as escolas independentes, qualquer coisa sobre a segurança social quando a economia crescer a dois por cento — não chegam a sê-lo: são arremedos abortados de argumentos. A bibliografia, como notou em primeiro lugar o blogue 365forte, é o insulto final (uma coisa que diz que “as fontes utilizadas neste documento são: EUROSTAT, INE, […] OCDE, FMI, artigos de opinião, entre outras”). O guião de reforma do estado português, esta posta de pescada arrotada por uma qualquer impressora vice-primeiro-ministerial, começou desde logo por ser uma coisa que faz mal ao estado português, que o desprestigia e envergonha.

E no entanto isto foi escrito durante nove meses por uma pessoa que foi ministro de estado e agora é vice-Primeiro ministro, tendo ao seu dispor consideráveis recursos. E que, depois desta demonstração de cabulice tem como única e hilariante estratégia ser bom aluno (bom aluno, veja-se) da troika e da Europa. E por isso pode este documento ser indigente eperigoso em simultâneo.

Fizeram bem os partidos da oposição, logo que tiveram oportunidade de ler aquilo, em adotar a primeira reação das redes sociais. O guião, é lixo.

(Crónica publicada no jornal Público em 04 de Novembro de 2013)

3 thoughts to “O guião, é lixo

  • francisco manuel

    é triste ao ponto onde chegámos. temos um gião de reforma do estado que como bem diz, não passa de um trabalho mediocre, feito porvalvelmente uma horas antes de ter sido apresentado.
    já diz o proverbio que ” é possivel enganar alguem durante muito tempo, é possivel enganar alguns durante algum tempo, mas não é possivel enganar toda a gente ao mesmo tempo.”
    é tempo de dizer basta!

  • mm

    Esta é uma das indigentes (e aflitivas) amostras do pífio patriotismo de todo este governo e da sanha (ultrapassando-o, em ‘ambas’ as barricadas) q o acompanha, a todos os níveis, hellas.
    Antes de nos questionarmos e justamente irados pelo presunçoso, descabido, invasor, política e eticamente reprovável, ‘do dizer’ da Europa sobre o nosso Tribunal Constitucional(TC), deveríamos começar por alertar (mais uma vez)
    — para o desprezo pelos compatriotas [e vidas e Estado (tão dificilmente conquistados)] dos nossos governantes para com os portugueses, pelos NUNCA HAVIDOS cuidado, luta e PROTECÇÃO DO E PELO SEU POVO
    –os espanhóis e italianos (quand même e evidentemente n sujeitos a tantas judiarias, por terem políticos com espinha dorsal, além do mais) preocuparam-se, logo, em aumentar as ‘pensões’ + baixas…]
    — e pela humilhação e falta de respeito Q SE DÃO os nossos governantes e afins…,
    — arrastando consigo todo um povo Q N VOTOU NELES ou N SE REVÊ ou SE SENTE DEFRAUDADO pela passagem súbita, da lamechada empatia com as desgraças e obrigações das famílias, enqt propaganda
    — e a despudorada psicopatia com q anunciou (o Passos, claro) cortes ou aumentos brutais, avisando, exultante, e arremassando sobre os seus, em facebook ou afim, q ainda ia haver mts mais…, q nos preparássemos !!!
    — e por, ao fim de 6 meses, já ter mentido + do q o Sócrates!

    Como pedir q a Europa tenha respeito por nós, se somos os 1ºs a diminuirmo-nos e a desprezarmos, assim, instituições e dignidade???!!!

    Claro q a Europa, 1 vez mais (e) nestes tempos q nos cabem, é de uma coisa q nem sou capaz de nomear, toda caladinha e respeitosíssima para com e sobre os seus TC nacionais e…alemães!!!
    Tão lindos, tão bem comportados e caladinhos os democratas (com ideal e lucidez) europeus???!!!
    Existirão?
    Existirá, ainda, réstia de qq coisa digna de e desse nome, vagamente democrática, nesta casa europeia???!!!…

    Estão todos mt bem uns para os outros…!

    SÓ NÓS NÃO!!!

    Q Deus nos conserve um pouco de indignação, decência e discernimento.

  • Paulo Guerra

    Li o “guião” e concordo com o que diz sobre ele. Por que acho que tem razão, não entendo o motivo porque todos os partidos da oposição não aproveitam a oportunidade para apresentar a sua proposta de guião de reforma do Estado. Ainda que a necessidade da dita rbforma possa ser mais um acto de propaganda que outra coisa, há sectores do Estado que requerem atenção urgente se pretendemos mesmo encetar uma recuperação econômica a breve prazo (Justiça e burocracia, por exemplo). Seria uma óptima oportunidade para a esquerda se mostrar como alternativa (e séria, para variar). Por raio apenas bate em algo tão fácil de bater?

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