Quem for que tenha dado o nome de Marquês ao caso de José Sócrates prestou assim um mau serviço ao processo e ao país. Desde logo porque, para o bem e para o mal, Sócrates não é Pombal. E sobretudo porque o processo do Marquês, há 230 anos, foi o epítome do que este não deveria ser. Foi por estes dias do início de dezembro, mas no ano de 1776, que apareceu um cartaz na esquina da casa lisboeta doCardeal da Cunha, Arcebispo de Évora, ex-Inquisidor-mor, ex-Presidente da Real Mesa Censória, e um dos homens que mais cargos e benefícios recebeu do governo do Marquês de Pombal. Como descrito numa carta da época que se encontra na Biblioteca Pública de Évora, era isto que se via no cartaz: « dois ou trez homens, com tal ou insignia, ou Letra que indicavam serem Alfayates; e perguntava hum delles ao outro, ou aos outros: Que fazem aqui? Respondiam: Estamos para virar huma casaca.» Era o fim do poder pombalino. Nas ruas sussurrava-se “isto está para acabar”; dentro das casas apostava-se sobre quem seriam os primeiros a abandonar o barco. Neste caso, acertaram. Quando o rei Dom José I morreu, a 24 de fevereiro doano seguinte, o Cardeal da Cunha foi mesmo o primeiro a receber o Marquês de Pombal no Palácio Real e a anunciar-lhe de maneira seca: “Vossa Senhoria não tem mais nada a fazer neste lugar”. Pois é, tudo nos parece muito moderno nesta história de cunhas e de virar casacas num cartaz de 1776. Ficou mais moderno ainda quando alguém decidiu chamar à investigação sobre José Sócrates, presumivelmente por causa da proximidade do seu apartamento à rotunda lisboeta, “Operação Marquês”. É um nome muito mal escolhido — e só não é pior porque talvez só os historiadores dêem por isso.