Uma recessão em SOS

A fechar: esta é possivelmente uma recessão em S. Sim, em S. De SOS. Primeiro disseram-nos que ia ser uma recessão em V, depois em U, depois em L. Uma recessão em V é daquelas em que a recuperação começa logo após o momento em que se bate no fundo. Uma recessão em U seria daquelas em se fica algum tempo estagnado no fundo antes de se recuperar. Agora dizem-nos que será uma recessão em L, sem prazo de recuperação previsto. Pior ainda, dizem-nos que ainda estamos na parte descendente do L — ainda não caímos tudo o que há para cair antes de começar a nossa travessia no deserto. Desconfio que não há de faltar muito tempo até que nos digam que esta é uma recessão (ou uma depressão) em L deitado, o que significaria que estaríamos bastante mais tempo no fundo do que aquele que demorámos a descer. E depois, e depois? Acabaram-se as metáforas. O que será de nós sem metáforas destas? — pergunto. O economista de formação — e cronista no Jornal de Negócios — João Pinto e Castro responde: “Esta recessão é em escorrega. As crianças perceberão a metáfora”.

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A grande pequena escala

Passámos os últimos anos a discutir O Grande Tema — que foi o controle do deficit — e a escolher criteriosamente se um aeroporto deveria ir para a Ota ou para o Seixal. E quem nos dá os últimos dez anos de volta? O momento em que nos apercebermos de que tudo o que foi dito nos últimos anos foi tornado irrelevante (ou como se diz em português corrente: “que passámos os últimos anos a falar para nada”) será talvez o grande momento de viragem desta crise. Quanto mais adiarmos esse momento, pior será. Mas ninguém gosta de encarar o facto de que os últimos anos de debate público serviram para muito pouco ou quase nada e por isso nos vamos entretendo com distracções. Isto é especialmente notório em Portugal. De que falámos durante os últimos anos?

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A Europa tem um problema de democracia

[Apresentação da candidatura ao Parlamento Europeu nas listas do Bloco de Esquerda. Mais informação: vídeo com o discurso de Miguel Portas aqui, texto sobre a apresentação aqui, e discurso de Marisa Matias aqui. O artigo com as minhas razões para participar na candidatura está aqui.] Amigos, concidadãos — e camaradas de esquerda como eu: Estou aqui pela mesma razão que todos estamos aqui, vocês e nós do mesmo lado. É uma única e simples e grande razão: construir a democracia europeia. Isso mesmo. A União Europeia ainda não é uma democracia, e essa é a raiz dos nossos problemas. A União Europeia tem a democracia inscrita nos seus textos fundadores. Esta Europa é um clube de democracias, e ainda bem, cada uma delas com as suas virtudes e defeitos. Esta Europa às vezes até é simplesmente um clube — um clube exclusivo, por sinal — para os líderes dessas democracias, cada um deles já com mais defeitos do que virtudes. Aquilo que a Europa ainda não é — é uma democracia. Ainda não é — mas vai ser. Se há coisa que nós, na Esquerda, temos inscrita na nossa memória histórica, é esta: não há ninguém, nem o homem mais poderoso do mundo — e normalmente é um homem —, que nos venha dar a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

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Otimista de bandeira

Cartun de Bandeira. Quando um tipo escreve uma crónica otimista (mais ou menos) sobre a Guiné-Bissau, sabe que está doente. O castigo é fazer um link e pôr na coluna do lado o blogue do meu cartunista português favorito, José Bandeira. Vão ler!

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Um país pelo bueiro?

Se quisermos ser mesmo pessimistas, a Guiné-Bissau ainda não bateu no fundo do poço. E desengane-se quem pensar que um estado falhado é um problema só para os próprios. Sou só eu, ou mais alguém está impressionado pela facilidade com que a imprensa portuguesa decretou que a Guiné-Bissau é um caso perdido? Demorou pouco tempo entre dizer-se que a Guiné-Bissau corria o risco de se tornar um estado falhado, depois que a Guiné-Bissau corria o risco de se tornar num narco-estado e, finalmente, que ambas as coisas já eram uma realidade mas que não deveríamos fazer nada para alterar a situação. Os factos no terreno confirmam, sem dúvida, parte desta história. Um estado onde o Presidente da República e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas se entreassassinam (é uma palavra nova, justificada pelo ineditismo da situação) com poucas horas de permeio já se tornou num simples palco para uma guerra de bandos. É por isso natural que muita gente olhe para o sucedido como o mais baixo a que se pode descer. Se tivessem razão, até nem seria mau.

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Um bicho raro e impiedoso

Esta crise é bicho mais raro e impiedoso. Esta é daquelas que vem para nos demonstrar que os fundamentos da nossa realidade estavam errados. Algures no passado recente os húngaros que queriam comprar casa começaram a fazer os seus empréstimos em francos suíços. Hoje ninguém acha isto boa ideia e há até quem diga que a coisa só se explica por puro “analfabetismo financeiro” dos húngaros. Acontece que o dinheiro que eles poupavam por causa dos baixos juros suíços já mais do que o perderam com a queda da moeda húngara, que se chama forint. A crise estalou, o forint caiu desamparado, e os húngaros, com salários húngaros, continuam a pagar dolorosamente as suas hipotecas em francos suiços. Os que conseguem pagá-las. Ora, os húngaros não se levantaram da cama um dia com a ideia fixa de contrair empréstimos em francos suíços.

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Sim, os incentivos estiveram na origem da crise

Nassim Nicholas Taleb, “How bank bonuses let us all down”, Financial Times, 25 fevereiro 2008. Clique para aumentar. Em Portugal a quase totalidade dos comentadores continua a fazer de conta que os incentivos dos banqueiros e gestores não desempenharam nenhum papel nas origens da crise. É, em si, uma posição contraditória com os princípios do capitalismo que dizem defender ou até com o que sabemos do comportamento humano. Os incentivos têm importância na forma como eu, um enfermeiro ou uma bombeira desempenham o seu trabalho. Aparentemente, só no caso dos executivos isto deixa de valer. Adicionalmente, a posição é contraditória até com o que os mesmos comentadores dizem sobre as vantagens dos incentivos: que eles servem para recompensar o talento. Pelos vistos, os incentivos têm importância quando as coisas funcionam “bem”. Mas quando elas funcionam mal já subitamente perdem toda a importância. Por detrás disto está a razão política de que, se admitirmos que os incentivos estiveram (também) na origem da crise, e se os contribuintes estão a pagar a crise e a segurar os bancos que restam, passa a ser evidente que os incentivos têm de ser não apenas “regulados” mas fundamentalmente alterados na sua estrutura. Nassim Nicholas Taleb é apenas mais um dos autores que vem dizer que o rei vai nu. Os incentivos estiveram, sim, na origem da crise. Também gostaria de o ver escrever sobre algo que é apenas sugerido neste texto. Que “talento” é esse que era necessário recompensar — sem falar no talento de quase fazer colapsar o sistema financeiro? Em que é especial esse talento para que um executivo ganhe mais que um cirurgião, um farmacêutico ou um físico?

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Um apoio, uma aposta e uma aprendizagem

[Texto no Público acerca de por que aceitei ser candidato independente nas listas do BE ao Parlamento Europeu. Ver abaixo resposta da direcção do jornal.] Aqui há tempos o eurodeputado e dirigente do Bloco de Esquerda Miguel Portas perguntou-me se eu aceitaria ser candidato independente às eleições para o Parlamento Europeu, e solicitou-me permissão para apresentar o meu nome aos seus camaradas de partido. Depois de pensar sobre o assunto e aconselhar-me com as pessoas mais próximas, disse-lhe que sim. Ontem a Mesa Nacional do BE aceitou o meu nome como candidato independente, em terceiro lugar na futura lista eleitoral. Nas próximas linhas explicarei, nos termos mais concisos que puder, porque aceitei o convite. Em primeiro lugar, trata-se de um apoio. Votei em Miguel Portas nas últimas europeias. Cinco anos depois, estou contente com o voto que lhe dei. O trabalho dele foi produtivo e acima de tudo construtivo, na proposta de soluções para ultrapassar o impasse constitucional, na oposição à Guerra do Iraque, no seu papel crucial na fundação do Partido da Esquerda Europeia. É menos conhecida a Rede de Reflexão Europeia que ele criou, com a participação de pessoas de diversos campos, da academia à imprensa, da sociedade civil à política. Aceitei participar nessas reuniões, como é meu hábito fazer, e verifiquei que decorriam num ambiente aberto, anti-dogmático e consequente que fica a milhas do que os partidos costumam fazer neste tipo de fóruns. (Foi também aí que conheci Marisa Matias, que será a segunda candidata da lista, e que é uma académica e política promissora com quem será um gosto trabalhar.) Quem se candidata em democracia tem sempre uma hipótese, mais ou menos realista, de ser eleito. Se isso acontecer, tenho intenção de levar muito a sério o mandato. O Parlamento é a instituição mais democrática da União Europeia e o seu papel nestes tempos terá de ser mais decisivo do que nunca. Diante de nós há uma bifurcação entre uma União burocrática e uma União democrática. Não é novidade para ninguém que, ao nível europeu, a burocracia está a ganhar à democracia. Ora, a qualidade da democracia europeia será aquela que nós estivermos dispostos a conquistar, e não a conquistaremos sem risco nem esforço. Nesse sentido, este apoio é também uma aposta. Por último, quando alguém próximo me pergunta o que iria eu fazer para o Parlamento Europeu, a minha resposta é “aprender”. Talvez não seja a resposta mais “política” mas é certamente a mais sincera. Aprender é aquilo que sempre mais gostei de fazer. Aprender em público é o que eu tenho feito nos últimos anos. O que vou escrevendo nos jornais ou dizendo na televisão não são opiniões fechadas; são momentos dessa aprendizagem em público. O Parlamento Europeu é provavelmente um dos melhores lugares no mundo para continuar a fazê-lo e tudo o que eu aprender será devolvido ao debate público e, por essa via, aos cidadãos. É portanto um apoio, uma aposta e uma aprendizagem. Esta crise não é igual às outras e não vai deixar tudo igual como antes. Por isso quero incluir aqui algumas palavras sobre a mudança. Há quem ache — são os conservadores de direita, mas também de esquerda — que se deve resistir à mudança. Há também quem ache — na “terceira via” do centro-esquerda, como no centro-direita— que temos de nos limitar a “gerir” a mudança e adaptar-nos a ela. Há ainda a posição bizarra, mas partilhada à esquerda e à direita com resultados muito opostos, de quem acha que nós não temos parte nesta história: de um lado estão convencidos que o “mercado” é tão eficiente que devemos deixar tudo a seu cargo; do outro lado estão ainda à espera que as “contradições do capitalismo” e os “limites do sistema” nos resolvam os problemas por nós. Não concordo com nenhuma destas posições atrás descritas. O nosso papel, do meu ponto de vista, deve ser o de compreender a mudança e nunca fugir a essa obrigação intelectual. Politicamente, porém, o nosso papel deve ser mais profundo ainda. Tentarei resumi-lo numa expressão um pouco arrevesada: é mudar a própria mudança. Que quero dizer com isto? Que não temos de aceitar a chantagem do inevitável nem contentar-nos com medidas meramente epidérmicas — para não dizer cosméticas. Pelo contrário, a própria ideia de democracia parte do pressuposto de que é possível tomar em conjunto decisões fundamentais e transformadoras. À esquerda, “mudar a mudança” quer também dizer que o discurso “alternativo” não pode ser sempre igual nem estar reduzido às mesmas fórmulas se, em vez de ficar à margem, quisermos aproveitar as energias da mudança para a redirigir no sentido da justiça social e dos nossos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Uma última palavra sobre as consequências pessoais desta decisão. Espero que as linhas que acabei de escrever tenham dado uma boa indicação de que continuarei a ser o que já era e a fazer aquilo que gosto de fazer: ser um independente de esquerda, historiador de formação e vocação, que escreve para ser lido aqui neste jornal ou onde me derem liberdade. Depois de ter pensado sobre o assunto, entendi com alívio que as decisões sobre o que vai acontecer cabem agora a outros: aos eleitores nas próximas eleições, à direcção do Público nas páginas deste jornal, e à direcção da SIC-notícias na estação televisiva onde colaboro. A minha única decisão é esta: onde me derem liberdade, darei o meu melhor.

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Um homem livre

Edmundo Pedro, A Convergência das Esquerdas, in Expresso. Clicar para aumentar. Uma vez que Edmundo Pedro parece ser o homem do momento, creio que faz sentido deixar aqui o artigo que ele publicou no Expresso há algumas semanas. Boa leitura.

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