Aquilo que eu vi, portanto, — e viu quem quis ver — é um indício do que poderá ser a Europa após 2014. A isto acrescente-se a direita austeritária em países como Portugal, esquecida do papel que teve na construção do estado social e desejosa de reviver episódios empoeirados do passado. E o que temos é uma metade do tabuleiro político sequestrada. E sabe-se que eu não estou propriamente otimista quanto ao estado da restante metade.” Vi o futuro, e não é bonito. Vinte e três anos depois de lhe ser atribuído o prémio Sakharov, a líder birmanesa Aung San Suu Kyi, que passou a maior parte desse tempo em prisão domiciliária, veio finalmente a Estrasburgo para recebê-lo. A sua presença é incomparável. Quando começa a falar, fá-lo com frases simples, harmónicas, graciosas. “A liberdade de pensamento começa pelo direito de fazer perguntas”, diz, e faz uma pausa. “Nunca aleguei que a democracia fosse perfeita”, recomeça, “mas não existe algo de agradável e estimulante na imperfeição?” Quando nos levantamos para aplaudir, tenho na cabeça outra frase dela: “hoje fizemos progresso, não o suficiente, mas progresso”. Vale a pena nãodesistir. Mas depois preparamo-nos para os votos. O relatório seguinte é o da colega portuguesa Edite Estrela, sobre “Saúde sexual e reprodutiva”, que votámos na Comissão dos Assuntos das Mulheres com uma larga maioria. De repente, os deputados da extrema-direita, que no debate da véspera eu ouvira considerarem “anormais” os homossexuais e proclamarem que a reprodução é o único propósito do sexo, começam a agitar-se nas cadeiras. Um deputado conservador pede que se considere o adiamento do voto. Com um pouco de amadorismo à mistura, instala-se a confusão. Há pateadas, urros, uma cena mais digna de um jardim zoológico do que de um parlamento. A vozearia sobe e alarga-se ao resto da direita. Quando finalmente se vota, os reacionários conseguem o seu intento: o relatório é adiado.