Quase cem anos depois, é ainda difícil de entender como foi acontecer isto. E quanto mais difícil de entender é, mais importante se torna. No dia 7 de agosto de 1914, há 99 anos, deu-se uma rara sessão do Congresso da República Portuguesa. O Senado e a Câmara dos Deputados fizeram a sua reunião conjunta no hemiciclo desta, que hoje conhecemos como o plenário da Assembleia da República, para analisar a situação da Europa e preparar a posição de Portugal na guerra que tinha começado poucos dias antes. Bernardino Machado, então chefe do governo, visitara na véspera o presidente Manuel de Arriaga, em Buarcos, e regressara para um Conselho de Ministros extraordinário onde se discutira a resolução que viria a ser aprovada unanimemente pelo Congresso: “Artigo 1º — São conferidas ao poder executivo as faculdades necessarias para, na atual conjuntura, garantir a ordem em todo o paiz e salvaguardar os interesses nacionaes, bem como para ocorrer a quaesquer emergencias extraordinarias, de caracter economico e financeiro. § unico — O poder executivo dará conta ao Congresso, na sua primeira reunião, do uso que tiver feito d’estas faculdades. Artigo 2º — Fica revogada a legislação em contrario.” E pronto. No Congresso, contudo, os políticos tinham sido menos lacónicos, tal como os jornalistas, no dia seguinte: “para nós, portuguezes, a guerra entre a Alemanha e a França tem esta clara significação: são duas civilisações opostas que se chocam, uma baseada n’um principio autocratico, retrogrado, condenado pela nossa epoca, outra, firmando-se na liberdade […]. O predominio da Alemanha sobre a França equivaleria, ninguem o pode negar, á mais tremenda reação contra o espirito novo, que pouco a pouco, vae produzindo a sua formidavel obra transformando. A França, vitoriosa, seria, pelo contrario, a consagração de toda a sua obra de humanitarismo”, escrevia o século, que titulava a toda a página: “DIA DE GLORIA PARA PORTUGAL, O DE HONTEM”. O país não estava ainda em guerra, mas não havia dúvidas sobre o lado que escolheria. E, no entanto…