Quanto à geração que há vinte anos viveu aquele momento, não sei se é hoje mais compreendida, até por si mesma. É altamente formada mas ainda precária, desempregada, emigrada. Assistiu ao início do desfazer de uma ideia do bem público. Foi apanhada entre dois mundos. Há vinte anos, feitos ontem, deu-se um momento de formação coletiva para algumas centenas de pessoas em frente à Assembleia da República. Eis a memória que tenho dele. Estávamos numa das manifestações contra o aumento das propinas no ensino superior público. Não éramos muitos, mas estávamos dispostos a ficar. Depois de um primeiro momento de tensão com a polícia, um cordão de agentes impedia o acesso à escadaria do parlamento. Passámos horas no largo fronteiro a São Bento, às vezes gritando palavras de ordem, outras vez tentando fazer rir os polícias, a ver se a máscara da autoridade se lhes desfazia. E, ao fim da tarde, num momento de calma e sem provocação, a polícia carregou contra nós a uma só vez, provavelmente com ordens superiores para limpar a praça. Corremos para onde foi possível; perdi-me do meu grupo de amigos e fui parar, não sei bem como, ao jardim do Quelhas. No chão estava deitada uma rapariga, contraída, sem conseguir respirar. Uma amiga dela tentava ajudá-la, outra gritava perguntando porque as tinham agredido à bastonada. Não creio que algum polícia as ouvisse. Elas estavam apenas incrédulas, como estávamos todos. O momento da carga policial desiludiu-nos enquanto geração. Por que razão éramos tratados assim?