“A sombra das eleições”

[Público, 14 julho 2008]   Portugal tem uma funesta tradição de gente que desconfia das eleições. Chamemos-lhes democépticos. Não são forçosamente antidemocráticos, evidentemente, ou até pelo contrário. Simplesmente consideram que nada é mais prioritário do  que reformar o país segundo as reformas sempre urgentes do consenso técnico. Nada é mais importante do que reformar o país — nem mesmo o próprio país.   E pouco nos damos conta de como o democepticismo pertence à nossa cultura. A ponto de se tornar discreto, quase invisível, como um hábito. A recente tomada de posição da SEDES sobre o Estado da Nação estava impregnada desta desconfiança, às vezes passando como mera constatação de facto. A primeira frase da sua conclusão, com toda a tranquilidade do mundo, falava da “sombra das eleições”.   A sombra das eleições: nada é mais urgente do que fazer as reformas, mas as eleições, esse empecilho, podem pôr as reformas em risco. A sombra das eleições: o povo, o governo, os partidos arriscam-se a perder a cabeça e deitar tudo a perder. A sombra das eleições: esta sensacional escolha de palavras deveria obrigar toda a gente sisuda e responsável deste país — e ela é tanta — a lembrar-se que é preciso ler com muito cuidadinho qualquer texto antes de lá escrever o nosso nome. Mesmo quando vem da SEDES.   ***   Talvez o democepticismo da SEDES seja justificado, talvez ele seja impensado, mas a questão está precisamente aí. Não chegamos a saber. Ele ali aparece, sem elaboração nem justificação nem consequência, pois não passa de um penduricalho dos tiques e manias nacionais. Não parece que os autores do documento queiram seguir o seu próprio raciocínio sobre “a sombra das eleições”. Nem sei se eles acham que as eleições de quatro em quatro anos atrapalham as coisas. Provavelmente não acham. Sei que se limitam a falar como se isso fosse verdade.   Em nenhuma outra área pode ser tão útil a opinião publicada  como no questionar dos próprios pressupostos que nos regem. Os pressupostos são estes: as eleições são ruído, o povo escolhe quem lhe oferece facilidades, ninguém quer encarar a realidade, a geração actual é mais ignorante do que a anteriores, já gastamos muito em educação, o país está condenado à mediocridade, nada mudou desde os tempos do Eça, não há dinheiro não há vícios nem investimentos, o único caminho é a retracção, o cavalo do espanhol estava quase a ficar competitivo antes de morrer de inanição. Podemos achar tudo isto pouco nocivo: mas são pressupostos iguais aos de uma caridosa ditadura. Ouvem-se por todo o lado.   Pelo contrário, em nenhum lado se ouve: as eleições são um grande momento de definição de prioridades, o povo escolhe quem lhe oferece um discurso persuasivo, sem passar por isso nem as reformas estariam mandatadas democraticamente, país onde é preciso reformar tudo perdeu o sentido das proporções, para ultrapassar uma crise o primeiro passo é manter o que está bem, se retraímos as protecções sociais a crise bate mais forte e é mais duradoura.   Sabem que mais? Nenhuma reforma seria tão bem vinda como a reforma das banalidades que nos regem. Banalidades sobre as reformas, banalidades sobre a crise, banalidades sobre o país. Repetimo-las tanto que elas se tornaram no nosso mundo.

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“O maior drama da humanidade”

[Público 27 dezembro 2007] Nesta redefinição, o Cardeal não quer dizer que ser ateu é pior do que matar alguém, mas que matar alguém é por definição uma forma de nos esquecermos de Deus e, por extensão, uma forma de ateísmo. Continua a ser absurdo, mas ao menos não é tão imoral. Qual é o maior drama da humanidade? A guerra, a fome, as doenças, a miséria, a ignorância, o fanatismo, a violência, as catástrofes ambientais, a indiferença pelo sofrimento dos outros? Não. O maior drama da humanidade, segundo o Cardeal-Patriarca de Lisboa, é o ateísmo. O ateísmo é aquela opinião, hoje em dia trivial, de que a existência de Deus é altamente improvável ou mesmo impossível. Mas não é bizarro que, nos dias de hoje e com tanto por onde escolher, mesmo um cardeal designe tal ideia como “o maior drama da humanidade”? Aquele superlativo deixa implícito que qualquer outro drama, por grande que seja, é afinal menor do que o ateísmo, em toda e qualquer forma, desde todo o sempre. “Todas as formas de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade”, disse José Policarpo na homilia do Natal. *** O que explica que se consiga dizer isto? Uma característica curiosa da linguagem religiosa que verificaremos através de um exemplo prático. Em princípio, concordaremos todos que a guerra causa mais devastação e sofrimento do que o ateísmo. Mas se por “guerra” entendermos um momento ou circunstância em que os homens “negam ou se esquecem de Deus”, logo a palavra “guerra” cabe dentro da definição de “ateísmo” do Cardeal. Assim será possível dizer que o “ateísmo” é o maior drama da humanidade, de que a guerra passou simplesmente a ser uma manifestação. E o mais fascinante é que isto pode incluir até as guerras religiosas. Nesta redefinição, o Cardeal não quer dizer que ser ateu é pior do que matar alguém, mas que matar alguém é por definição uma forma de nos esquecermos de Deus e, por extensão, uma forma de ateísmo. Continua a ser absurdo, mas ao menos não é tão imoral. *** Porquê então o ateísmo? Explicou o Cardeal: “Os diversos ateísmos, nas mais variadas expressões, tiveram origem neste reduzir a esperança humana à dimensão da história”, mas “nenhuma esperança deste mundo anula a esperança  na vida eterna”. Contra esta ideia de que a “esperança na vida eterna” é mais virtuosa do que a vida que temos, poderíamos lembrar que os bombistas suicidas matam pessoas às centenas com base numa “esperança na vida eterna”. Mas não vale a pena. Isso seria apenas reeditar o debate inicial (o Cardeal poderia dizer que os fundamentalistas “se afastaram de Deus” e o terrorismo religioso seria redefinido como uma espécie de ateísmo inconsciente). Alguém lembrará que José Policarpo falava apenas para os fiéis, a quem estas palavras despertam outros sentidos. Pode ser. Mas esse é um dos problemas de falar para dentro e, em particular, da “viragem europeia” que Bento XVI impôs no Vaticano. Para poder combater a irreligiosidade na Europa a prioridade passou a ser a doutrina, em detrimento dos problemas que realmente causam sofrimento à humanidade em todos os continentes. A estratégia é errada e, se os europeus virem a igreja mais preocupada com jogos de linguagem do que com o sofrimento real, acabará por agravar ambos os problemas. Mas ao menos explica porque vê o Cardeal como “maior drama da humanidade” aquilo que afinal é mais um drama da igreja europeia.

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Mendes & Menezes

[Público 20 setembro 2007] Perfilham portanto dessa curiosa doutrina, muito em voga entre a direita europeia após a eleição de Sarkozy, segundo a qual a economia do país é um reflexo dos estados de alma dos “líderes”. Antes que chegue o fim-de-semana com a habitual crónica de Vasco Pulido Valente declarando que nenhum dos candidatos a líder do PSD tem “uma ideia para o país”, vou antecipar-me: vi pela televisão o debate entre Marques Mendes e Luís Filipe Menezes e comentar aquilo é mais insípido do que narrar o relevo dos Países Baixos. Não há ali nada que se destaque, por muito que desejemos ver ao menos uma colina. E decerto ninguém se entristecerá mais com isso do que os simpatizantes do PSD, a quem estas breves reflexões vão dedicadas. Não é que Marques Mendes e Luís Filipe Menezes sejam idênticos. Mendes é mais previsível e Menezes mais irrequieto. Ambos têm ínfimas possibilidades de ganhar eleições legislativas, e a Menezes soma-se o estigma de ser um novo Santana Lopes. Eles não são iguais. Contudo, na medida em que só podem esperar que o governo tropece, são igualmente irrelevantes. O debate foi espelho disso. Nas curtas mas obrigatórias fantasias sobre o país, oscilaram entre o “não me resigno” e o “quero a economia a crescer a três por cento”. Perfilham portanto dessa curiosa doutrina segundo a qual a economia do país é um reflexo dos estados de alma dos “líderes”. Muito em voga entre a direita europeia após a eleição de Sarkozy, ela serve sobretudo para baralhar o esgotamento da doutrina ainda dominante, segundo a qual é necessário dar cada vez mais poder às empresas para que o bem estar económico se difunda, por capilaridade, à sociedade inteira. Acusações de populismo são hoje em dia moeda corrente entre políticos, o que tem gradualmente vindo a retirar qualquer significado ao termo. O problema com esta doutrina, chamemos-lhe assim, “carismastico-empresarialista” não é apenas o seu lado demagógico: é a passagem do tempo. Nunca pinga nada para os pobres, e agora nem para a classe média. As pessoas cansaram-se de esperar; estão vencidas sem ser convencidas. Uma parte grande da população ressente-se mais do excesso de poder das empresas do que da acção do estado. A ideia de que as empresas são por definição mais eficientes também tem levado uma grande sova de realidade. A empresarialização das funções municipais cheira a corrupção, e por aí adiante. Um dos problemas do PSD é ter de vender esta doutrina numa época em que ela é simultaneamente impopular e foi pragmaticamente tomada pelo actual governo do PS. Marques Mendes ainda pouco mais é do que um porta-voz das teses do “Compromisso Portugal”, mas é forçado a contradizer-se para poder fazer oposição dizendo que a sua doutrina não é para valer em certas áreas, ou que não é para aplicar no interior do país, implicitamente admitindo que ela é danosa. Menezes oscila entre promessas de ser mais “social” e ser mais “liberal”, sem ficar claro se a sua instabilidade é genuína ou somente oportunista. Mas os dois tentam uma síntese ideológica de que as pessoas desconfiam. E nenhum deles pensou ainda em nada de melhor para dizer, ou desconfia que tem de o fazer. Para pensar em coisas novas para tempos novos é preciso, por desagradável que isto pareça, gente que esteja disposta a pensar. E mais do que populista, o PSD sempre teve uma forte tendência anti-intelectual. Os seus intelectuais de origem desinteressaram-se do partido. A outra parte é de ex-esquerdistas cujo contributo muito limitado ao anti-esquerdismo é bastante estéril. O que resta são pragmáticos de carreira do estilo “Compromisso Portugal”. Nenhuma destas estirpes parece ter vontade ou coragem para dizer ao PSD que enquanto não pensar no que tem para dizer, ninguém lhe dará ouvidos.

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O “Novo Vietname” já era

[Público 29 agosto 2007] O “novo Vietname” já era; qualquer aventura da super-potência correrá agora o risco de ser apelidada de “um novo Iraque”. Em que ficamos? Ainda a guerra no Iraque não tinha começado e já os apoiantes de Bush negavam com estridência que ela se pudesse tornar num “novo Vietname”. Agora, afirma o próprio Bush que a guerra não pode terminar para que não se torne num “novo Vietname”. Mas, tipicamente, Bush chegou ao fantasma do “novo Vietname” num momento em que ele já não quer dizer nada: o desastre iraquiano está num campeonato à parte. Bush terá muita sorte se o Iraque não se tornar a bitola dos fracassos futuros. O “novo Vietname” já era; qualquer aventura da super-potência correrá agora o risco de ser apelidada de “um novo Iraque”. O novo Iraque é uma mistura de caos e falta de transparência única no mundo. Milhões de dólares iraquianos ou estrangeiros desaparecem, às vezes dos cofres dos próprios ministérios, às vezes em simultâneo com os próprios ministros. O exército e a polícia estão dominados pelas milícias xíitas. Para compensar, o exército americano começou a dar armas ( alegadamente “para conter a Al Qaeda” ) às tribos sunitas que antes eram inimigas e amanhã podem voltar a ser. Os sunitas aceitam-nas prevendo batalhas futuras contra os xíitas e os curdos. Ainda ontem o New York Times noticiava a descoberta de uma rede envolvendo militares que pode ter defraudado o contribuinte americano em milhares de milhões de dólares na compra de armas supostamente destinadas para as tropas iraquianas e americanas. Ninguém sabe quanto dinheiro e quantas armas andam à solta. Mesmo o número de três mil soldados americanos mortos esconde a face oculta dos mercenários contratados, tão invisíveis quanto essenciais: há generais no terreno cuja segurança é garantida por mercenários. Se um mercenário morre, não entra para as estatísticas. *** Com a situação nestes termos é que Bush veio agora lembrar-se do “novo Vietname”. Na Guerra do Vietname, na qual o jovem Bush se esquivou de combater, os EUA tentavam impedir um país de se reunificar. No Iraque, os EUA tentam segurar um país em cacos armando todas as partes. Bush disse que quando os EUA abandonaram o Vietname milhões de pessoas sofreram. Mesmo esquecendo (como é hábito) os milhões de pessoas que sofreram enquanto os EUA não abandonaram o Vietname. É que, tal como hoje, não “podiam” abandonar: os apoiantes da guerra anunciavam que, caso os EUA retirassem, o comunismo tomaria conta do sudoeste asiático. Aí sim houve catástrofe humanitária, e uma das piores de sempre. Mas foi no país do lado, o Cambodja; quem a conseguiu deter foi o inimigo de então, o Vietcong. Agora Bush anuncia que os EUA não podem retirar porque haverá uma catástrofe humanitária no Iraque. Mesmo esquecendo (como é hábito) a catástrofe humanitária que já temos: meio milhão de mortos desde a invasão, em estimativas por baixo. Mesmo esquecendo que essa era a razão para não ter começado a guerra. Mesmo esquecendo tudo isso, é verdade. A chantagem de Bush não é menos verdade por ser chantagem, nem menos chantagem por ser verdade. O Iraque pode cair num buraco sem fundo, certamente pior do que o Vietname quando ganhou a guerra. Agora é que Bush viu o túnel ao fundo do túnel. Não é só um problema de compreensão lenta; é compreensão lenta e às avessas. Amanhã continuamos.

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A estética da “escumalha”

[Público 9 maio 2007] Muitos patrões franceses preferem deixar uma vaga por preencher do que contratar árabes ou negros. Depois de não os contratar, é só pedir a Sarkozy que venha metê-los na ordem. Vejo que, no Público de ontem, Helena Matos atribui a vitória de Sarkozy ao momento em que este chamou “escumalha” (racaille) aos jovens negros e árabes dos subúrbios parisienses. Vejo também que Helena Matos acha que só as “cabecinhas bem-pensantes” se escandalizaram. O que nos leva à questão: é esta a mesma Helena Matos que esteve na primeira linha do escândalo quando o ministro Augusto Santos Silva disse que se fazia “jornalismo de sarjeta” em Portugal? Bem vejo, há uma diferença! Sarkozy apenas chamou “escumalha” a “quem se porta como tal”. Mas Augusto Santos Silva também se referia apenas aos maus jornalistas e não aos bons. Talvez Helena Matos tenha então achado que a distinção era irrelevante, porque estes insultos dirigidos ostensivamente às ovelhas negras se destinam em geral a coagir todo o rebanho, a estigmatizá-lo e retirar-lhe liberdade. Eu concordo que assim é. E também me reservo o direito de achar escandaloso. O preconceito é assimétrico. Para a maioria nunca é um tema assim tão importante.

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“Se queres julgar, compreende”

[do Público de 12 de Agosto] Mas as crianças de quatro anos chegam aos cinco anos, e aí começam a exigir-nos mais: “eles são maus porquê, mãe?” Cada ameaça de atentado terrorista dá aos políticos uma janela de oportunidade para tratar os cidadãos como crianças de quatro anos. Para ser rigoroso, o mesmo acontece nos atentados reais, mas nessas ocasiões estamos demasiado ocupados com a brutalidade daquilo tudo para prestarmos atenção à pincelada grossa com que os nossos líderes pintam a realidade do mundo. Mas numa ocasião em que felizmente não há vítimas a lamentar, sobressaem em toda a sua rudimentar trivialidade as declarações de Blair, despachando uma definição dos terroristas como pessoas com “mal nos corações” ou “com corações muito maus”, e os afloramentos retóricos de Bush — esse magnífico simplificador — que esta semana andaram em torno disto: “detestam as nossas liberdades”, “querem destruir aqueles que amam a liberdade, magoar a nossa nação”, “este país está mais seguro do que antes do 11 de Setembro, mas obviamente não estamos completamente seguros porque ainda há gente que conspira e gente que nos quer magoar por causa daquilo em que acreditamos”. Com quem pensam eles que estão a falar?

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Não há “Portugal profundo”

[do Público de 1 de Junho] A explicação do “país profundo” é sedutora e útil: permite-nos varrer para debaixo desse tapete um monte de coisas embaraçosas. Mas é falsa e não resiste a um olhar mais atento. Esta semana andámos entretidos com a notícia de que Fernando Ruas, Presidente da Câmara de Viseu, incitara os seus concidadãos a “correr à pedrada” os inspectores do ambiente, insistindo que estava a “medir bem as palavras”. Confrontado com a gravação feita na ocasião, Fernando Ruas não se atrapalhou e disse que apesar de “bem medidas”, as suas palavras não eram “para levar à letra”. “Também aqui na zona se utiliza ‘chegar fogo ao rabo’ e ‘uma corrida em pêlo’”, disse Ruas ao Diário de Notícias, “o importante é o significado”. Qual será, então, o significado? As leituras nos media inscrevem-se na velha tradição do “Portugal profundo”, ou seja, a ideia de que coexistem dois países neste rectângulo, um deles sofisticado e o outro troglodita. Esta dicotomia aparece bem clara na ilustração que um dos melhores cartunistas nacionais, Bandeira, fez publicar no mesmo Diário de Notícias: sob a legenda “no país da banda larga”, vê-se um Fernando Ruas ainda na Idade da Pedra. Para um historiador, isto evoca irresistivelmente os nossos debates: é suposto que o reino fosse muito centralizado, mas na verdade os corregedores da coroa andavam muitas vezes corridos à pedrada (e à bosta…) por esse país afora. A explicação do “país profundo” é sedutora e útil: permite-nos varrer para debaixo desse tapete um monte de coisas embaraçosas. Mas é falsa e não resiste a um olhar mais atento. Vejamos.

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Em defesa de “gostoso”

No último Câmara Clara (canal 2:, sextas, 22h30), o crítico e professor Abel Barros Baptista contou uma história sobre um taxista (português) que se tinha queixado a um escritor (brasileiro) da contaminação de brasileirismos no português europeu. A palavra que levantava problemas era “gostoso” que também já em tempos a Bomba Inteligente colocara na sua lista de palavras a abater. A implicação é a de que “gostoso” não pertence à língua de Camões. Chegou pois o momento de resolver o assunto em duas penadas: uma) Já que nesta gostosa vaidade Tanto enlevas a leve fantasia, Já que à bruta crueza e feridade Puseste nome esforço e valentia… duas) Mil vezes perguntava e mil ouvia As gostosas batalhas que ali via. Os Lusíadas, caríssimos. Respectivamente, estrofe 99 do canto IV e 43 do VIII. Nas Rimas e no teatro do glorioso zarolho também não faltarão exemplos. Fica então claro que aquilo que muitos decretam que seja “a língua de Camões” não tem nada a ver com a língua do Camões propriamente dito. Resta acrescentar que “gostoso” não tem nada de brasileirismo (e se tivesse?). No Norte de Portugal é palavra perfeitamente comum, e sempre foi. Arriscaria a hipótese, aliás, de que foram os nortenhos a implantá-la com tanto sucesso no Brasil. O problema é que, para muita gente, tudo o que por acaso ou contigência deixou de se usar no dialecto lisboeta deixou de ter direito a ser “português de Portugal”. O exemplo mais claro é o do gerúndio, que supostamente os portugueses não utilizariam. E depois fazem um esgar de estranheza quando ouvem os brasileiros (ou os portugueses que não imitam os lisboetas) falar português que até pode ser do mais castiço. Camoniano. E gostoso.

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Les copains d’abord

Théodore Géricault, Cena de motim na Jangada do «Méduse», esboço para o quadro do Louvre. Não, não era a Jangada do Medusa aquele barco que dizem ter naufragado. Chamava-se Barnabé, a tripulação salvou-se inteirinha e segue na faina. A amizade ainda é a sua bússola. O mais recente a fazer-se ao mar é o Daniel Oliveira, que agora navega em solitário, sobre a grande maré da blogosfera, no seu Arrastão. Foi sempre um dos corsários mais temidos, e por isso mais atacado. Tremei, que ele voltou.

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