Deve-e-haver

No Financial Times de hoje: “Obama can be a Roosevelt and not a Carter“. No New York Times, artigo do Prémio Nobel da Economia Paul Krugman: “Franklin Delano Obama?“. Na New Yorker: “As Roosevelt did with the New Deal, Obama has represented different versions of moral leadership to different groups of voters“. Vale a pena ler qualquer dos três artigos (ainda vou a meio no da New Yorker). Poderia ainda acrescentar este, da secção de negócios do NYT: “75 Years Later, a Nation Hopes for Another F.D.R.“. A questão é mais de confirmação do que de seguidismo. A minha crónica sobre este assunto (“Roosevelt contra Roosevelt“) é de Agosto, antes do colapso financeiro. Nela descrevia-me como “obamaníaco” precisamente para dar ao leitor espaço de recuo, como quem diz: não podem contar com a minha imparcialidade, mas podem contar com a leitura mais atenta que eu consiga fazer. Acho que foi uma boa promessa. Desde o início, apoiei os candidatos anti-guerra (mais Edwards do que Obama, até) mas desejando que um desistisse para que o outro vencesse as primárias. Achei que Hillary não ganharia as primárias (nem as gerais, mas não temos maneira de confirmar isso), nem mesmo após o escândalo Wright. No meio do Verão, quando McCain ultrapassou Obama em algumas sondagens, disse que a nomeação de Sarah Palin destruiria o que restava da campanha republicana (foi a verdade; Sarah Palin puxou McCain para baixo nas sondagens junto de independentes; todos os jornais de referência, incluindo conservadores, que apoiaram Obama citaram a escolha de Palin como momento decisivo). E, antes da falência da Lehman Brothers e do Pacote Paulson, disse que o susto ia fazer os americanos lembrarem-se da Grande Depressão e procurar por um Roosevelt (não um Kennedy nem um Martin Luther King, que eram as comparações correntes que se faziam em relação a Obama). Na minha crónica de hoje (que estará aqui mais tarde) pergunto como podem os obamacépticos querer comentar as ilusões dos outros quando não fizeram o seu trabalho de casa, nem antes nem depois das eleições. Quem os lesse não saberia nada sobre a crise financeira, julgaria que ela não teria hipótese de contaminar a economia real, consideraria que Sarah Palin foi uma boa escolha por John McCain (não foi; nem sequer em termos oportunistas). Quem subestimou Obama até agora, com a importância que ele já teve e tem, deseja que continuemos a subestimar Obama depois das eleições. Pode ser que até venham a ter razão. Mas que provas de confiança nos podem dar, quando nem sequer sabem fazer o seu deve-e-haver dos últimos meses?

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Pedro Magalhães um – Alberto Gonçalves menos que zero

Aqui: Segundo Alberto Gonçalves, “Obama concentrou na quase totalidade o voto preto, avalanche que nem a tradicional predilecção das minorias pelo partido democrático justifica. Com a eleição de Obama, insusceptível de repetição noutra democracia, o racismo dos brancos americanos tornou-se, pelo menos oficialmente, uma memória triste. O racismo dos pretos americanos é, se calhar, uma questão actual. A que não convém aludir.” Suponho que isto quer dizer que o facto de John Kerry ter captado “apenas” 88% do voto dos negros que participaram na eleição em 2004 e Obama ter captado 95% do mesmo voto em 2008 deverá ser visto como expressão do “racismo dos pretos americanos”. Nem imagino como Alberto Gonçalves interpretará o facto de, em 2008, 62% do voto asiático ter ido para Obama, contra 56% do mesmo voto para Kerry em 2004. Ou o facto de 67% do voto hispânico ter ido para Obama, contra apenas 53% do mesmo voto ter ido para Kerry em 2004. Só pode ser, claro, o anti-branquismo dos castanhos e dos amarelos. Realmente, sobre questões de “raça” e voto, não tem sido fácil dar uma para a caixa. Adenda — Ainda há isto: “Barack Obama performed 9 points better than John Kerry among urban whites“. É o terrível racismo anti-branco dos brancos urbanos…

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Ganhar o centro, não ao centro

Como numa balança, há momentos em que a política bascula. São o resultado de processos longos mas não só. A sociedade americana vem mudando demográfica e culturalmente. O racismo já não tem tanta importância e este foi um processo longo. Mas há também uma nova geração menos religiosa, mais educada e mais tecnológica. A sua entrada na política foi rápida e decisiva. Não foi só a demografia americana que mudou. Foi antes o eleitorado que foi mudado – por um discurso novo. Nos próximos dias esperam-se as opiniões de quem apoiou Bush para lá do razoável, achou que McCain era um candidato inovador, que Palin foi uma escolha brilhante (e que a Guerra do Iraque ia durar pouco, e que a bolha financeira não ia alastrar para a economia real, e, e — a lista poderia continuar). Como se vê, não têm acertado muito. Mas tentarão mais uma vez convencer-nos de que a opinião convencional é a opinião “responsável”, que Obama ganhou ao centro, que pouca coisa vai mudar, e de que o que sucedeu não obriga a repensar o panorama político. De passagem, farão a concessão de que foi um dia histórico, principalmente por causa da cor de pele de Obama. Infelizmente, trata-se de gente que não reconheceria um dia histórico nem que este lhe caísse em cima da cabeça. O mundo da opinião convencional é como uma bolha, onde se dá a mesma credibilidade a um discurso absurdo e a um discurso articulado, à mentira como à verdade. Pode ser “centrista” mas não é realista, porque a realidade não é 50/50. E este dia foi histórico por muito mais razões do que pela cor de pele de Obama. Dou dois exemplos. Os republicanos têm uma base homogénea mas que se tornou minoritária. Vão passar por uma travessia no deserto até conseguirem crescer para lá da sua bolha branca e conservadora. A coligação de minorias dos democratas (minorias étnicas e raciais, gays e operários, gente sem seguro de saúde e empresários de Sillicon Valley) tornou-se a maioria. Como? Através de uma coisa que vemos raramente em política. Barack Obama convenceu essas várias minorias, através de um novo discurso político que teve em conta os imperativos morais do progressismo americano clássico, que estavam todas juntas no mesmo barco. A raiz do seu talento político está aí. Segundo ponto: é preciso distinguir “ganhar o centro” de “ganhar ao centro”. Sem ganhar o centro não se ganham eleições. Mas a estratégia para conquistar o centro não tem de ser jogar ao centro. É antes, convencê-lo de que as ideias do “nosso” lado fazem mais sentido do que as do outro. Reagan conseguiu fazê-lo e, no seu tempo, o centro aliou-se à direita. Ontem o centro aliou-se à esquerda e deixou a direita isolada. Os efeitos dessa mudança vão sentir-se durante muito tempo.

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A bolha convencional

Nos próximos dias esperam-se as opiniões de quem já tinha visto isto tudo há muito tempo, apesar de terem apoiado Bush para lá do razoável, de terem prognosticado que Mitt Romney ia vencer, que Hillary Clinton tinha o partido na mão, que John McCain era um candidato fabuloso, que Sarah Palin foi uma escolha brilhante (e que a Guerra do Iraque ia durar pouco, e que a bolha financeira não ia alastrar para a economia real, e, e — a lista poderia continuar). Como têm acertado muitas vezes nos últimos anos, tentarão convencer-nos de que a opinião convencional é a opinião “responsável”, que Obama ganhou ao centro, que pouca coisa vai mudar, e de que o que sucedeu não obriga a nenhum repensar do panorama político. De passagem, farão a concessão de que foi um dia histórico, principalmente por causa da cor de pele de Obama. Infelizmente, trata-se de gente que não reconheceriam um dia histórico nem que este lhes caísse em cima da cabeça. O mundo da opinião convencional é como uma bolha, feita de triangulações e bissectrizes e medianas, como se fosse preciso dar a mesma credibilidade a um discurso absurdo como a um discurso articulado, ao irrealismo como ao realismo, à mentira como à verdade. Foi (por exemplo) neste mundo, nesta bolha do pensamento convencional, que Sarah Palin foi levada a sério. Mas a realidade não é 50/50. E este dia foi histórico por muito mais razões do que pela cor de pele de Obama. Dou dois exemplos. Esta eleição marca o momento em que o eleitorado americano basculou. Os republicanos têm uma base homogénea, que se tornou minoritária, e vão passar por uma enorme travessia no deserto para arranjar maneira de crescer a partir daí, uma vez que alienaram tudo o que tinham à volta da sua própria bolha branca e conservadora. A coligação de minorias dos democratas (minorias étnicas e raciais, pobres e universitários, gays e operários, gente sem seguro de saúde e empresários de Sillicon Valley) tornou-se uma maioria. Como se tornou uma maioria? Através de uma coisa que vemos raramente em política. Barack Obama conseguiu convencer essas várias minorias, através de um novo discurso político que tivesse em conta os imperativos morais do progressismo americano clássico, que estavam todos juntos no mesmo barco. A raiz do seu talento político está aí. Segundo ponto: é preciso distinguir “ganhar o centro” de “ganhar ao centro”. Sem ganhar o centro não se ganham eleições. Mas a estratégia não tem de ser forçosamente jogando ao centro. (sem mais bateria no computador, voltarei a este ponto mais tarde).

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Os miúdos do bairro

  Eis o memorial a que me refiro na crónica de hoje, no Público, relembrando os jovens assassinados por guerras de gangues, balas perdidas e uso generalizado de armas de fogo nas wild-wild hundreds do South SIde de Chicago.

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A coisa é assim

Parece-me que Obama tem neste momento 195 votos eleitorais.  Com a Califórnia, chega a 250. Com o Washington state, Oregon, New Mexico e carqueja, está decidido. Obama ganha.

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Sr. South Side ou Dr. Hyde Park

  As pessoas aqui estão saturadas, impacientes e desconfiadas. É o que me dizem. Mas não as ouço dizer que estão optimistas. Saturadas de eleições e política, sim. Há dois anos que isto dura e há vários meses que não se fala de outra coisa. Impacientes, também. As eleições são já amanhã, para o melhor ou o pior. E há uma porção demasiado grande de gente desconfiada que pensa que as duas últimas presidenciais foram fraudulentas, e que lhes vão roubar esta eleição também, e que ainda antes do seu candidato ganhar já há provavelmente um maluco, ou mais do que um, que pensa assassiná-lo. Os menos paranóicos sabem, mesmo assim, que o próximo presidente tem um país de rastos para governar: entrando numa recessão, sempre com uma guerra ainda por ganhar e a outra já perdida, e pouco respeitado pelo mundo fora. Tanta gente desconfiada não pode ser saudável para uma democracia.   Agora, optimistas — não. Ninguém o admite. Pelas boas regras do jornalismo, tentei e não consegui que me confessassem o optimismo deles. Não tenho nenhuma fonte, nem uma citação, mas eu sei. Eles estão optimistas. O mais próximo a que cheguei foi conversando com o mecânico da Avenida Halstead, esquina com a rua 100, na empobrecida Zona Sul de Chicago. “Não estou optimista”, disse com um ar sério mas sabendo que estava a mentir: “eu não acho que o Obama deve ganhar — acho que ele TEM de ganhar!”

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