Há palavras a menos na política portuguesa

Sejamos honestos, Cavaco Silva se pudesse sufocaria estas eleições no berço porque, simplesmente, é o que lhe dá mais jeito. Faltam palavras na política portuguesa. Por exemplo, palavras como “sonso”. E falta utilizar essas palavras quando Cavaco Silva, atual presidente da República e candidato à sua própria sucessão, diz que “há palavras a mais na nossa vida pública”. Cavaco Silva está a matar, devagarinho, qualquer hipótese de termos uma campanha presidencial esclarecedora. Fá-lo porque nunca entendeu o valor do confronto de ideias; Cavaco Silva não é, essencialmente, um pluralista. Sempre insistiu que duas pessoas confrontadas com os mesmos dados têm a mesma opinião. Isto significa que não entende porque têm os outros outra uma opinião diferente da dele; essa é uma realidade que ele aceita (se aceitar) a custo, e que portanto não se percebe como pode prezar. Adicionalmente, sempre atacou a retórica, ou seja, o lado público e discursivo da política, que é o alicerce da democracia.

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Já valeu a pena

Quero falar-vos das bolsas que anunciei pela primeira vez numa crónica destas, e tenho uma boa e uma má notícia. E uma ideia nova. A boa notícia é que o valor das bolsas duplicou, graças a três amigos cujos nomes são Ricardo, Miguel e Zé Diogo — e aos quais agradeço terem aceitado descredibilizar-se com um gajo que agora é “político”. Graças a esse pequeno sacrifício, durante o próximo ano teremos 3000 euros para bolsas todos os meses (em vez dos 1500 inicialmente previstos). A má notícia é que, mesmo assim, não conseguimos apoiar todos as candidaturas que são interessantes e/ou necessárias. Nem sequer metade delas. É aqui que entra a ideia nova, que por sua vez nasce desta pergunta: o que fazer para juntar os dois lados desta equação, ou seja, projetos que merecem ser apoiados e pessoas dispostas a apoiar esses projetos?

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Bolsas -– os resultados

O processo de selecção das bolsas para o período 2010/2011 chegou ao fim. Aqui estão os nomes dos seleccionados (por ordem alfabética): – Diana Cassandra Guedes Ferreira – Guilhermina Isabel dos Santos Duarte – Johannes Gabriel Schubert – Luís Miguel da Silva Moreira – Marcos André Ferrreira Santos – Raquel Sofia Zé Senhor Mesquita – Tânia Isabel Guimarães Madureira (Vejam a descrição pormenorizada dos projectos apoiados no fim deste post.)
 Vários outros projectos mereceram séria ponderação e certamente teriam recebido apoio se não houvesse limitação orçamental. Com os sete seleccionados procurou-se abranger uma diversidade de áreas essenciais. Estes são projectos que se destacaram de acordo com os critérios anunciados aquando do lançamento das bolsas: ideias nos campos da ciência, humanidades, política e arte. Adicionalmente este projectos tinham cabimento orçamental que permitiam maximizar a distribuição das bolsas.

Um novo concurso regressará daqui a um ano e com isto queremos dizer algo muito importante: encorajamos todos a voltar a concorrer. Todas as candidaturas – sem excepção – serviram-nos de valiosa experiência para reflectir e melhorar este projecto de bolsas e lançar as bases de uma “plataforma inter-bolsas” que, assim o desejamos no futuro, associe este a outros apoios, expandindo a capacidade financeira.

Sugerimos que fiquem atentos a este site onde, daqui a poucos meses, uma área mais desenvolvida apresentará alternativas semelhantes a esta bolsa, de outras entidades e instituições.

Mais uma vez queremos agradecer a participação de todos – participação que deu e continuará a dar sentido a esta experiência.

Muito obrigado a todos.
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 BOLSAS 2010/2011

 Projectos seleccionados para apoio
 Nome: Diana Cassandra Guedes Ferreira Projecto: Estágio. Museologia. Galleria degli Uffizi, Florença, Itália. Estágio de quatro meses numa das mais importantes instituições museológicas do mundo. O período de trabalho corresponde a uma integração nas actividades globais do funcionamento do museu, em tarefas que vão da investigação em história da arte à organização de exposições.
 Valor atribuído: €4600
 Local de desenvolvimento do projecto: Florença, Itália Situação profissional e/ou académica: Professora e formadora do Ensino Secundário, Novas Oportunidades e Ensino Sénior. Mestre em Museologia pela Faculdad de Filosofía y Letras de la Universidad de Valladolid, Espanha. Instituições ligadas ao projecto: Galleria degli Uffizi, Florença, Itália

 _________________________________________ Nome: Guilhermina Isabel dos Santos Duarte Projecto: Doutoramento. Investigação em Biologia Computacional. “Mapping the Evolution of the Mitochondrial Proteome – from its alpha-proteobacterial ancestor to its current state in Man”. Pesquisa científica centrada num ponto particular de uma questão fundamental em biologia: “Como evoluíram os organelos eucariotas?” – estudo da forma como a Selecção Natural moldou a quantidade e qualidade das proteínas presentes em compartimentos intracelulares (organelos) existentes apenas em organismos ditos superiores (eucariotas).
 Valor atribuído: €6708
 Local de desenvolvimento do projecto: Nijmegen, Holanda
 Situação profissional e/ou académica: Doutoranda em Biologia Computacional Instituições ligadas ao projecto: Center for Molecular and Biomolecular Informatics – Radbout Universiteit


 _________________________________________ Nome: Johannes Gabriel Schubert
 Projecto: Doutoramento. Estudos Africanos. “Narrativas de memória e autoridade política em Angola”. O projecto pretende contribuir para o entendimento do funcionamento do Estado em África e ajudar a compreender os processos de reconciliação necessários depois de um conflito, como no caso de Angola. A relação com a memória dos acontecimentos de guerra, a do povo com “o poder”, assim como histórias sobre acontecimentos traumáticos (o 27 de Maio de 1977 ou as eleições de 1992, por exemplo) estão no âmbito da investigação deste projecto. Valor atribuído: €7560
 Local de desenvolvimento do projecto: Edimburgo (Reino Unido), Luanda (Angola)
Situação profissional e/ou académica: Doutorando em Estudos Africanos. Instituições ligadas ao projecto: Social Anthropology & Centre of African Studies – School of Social and Political Sciences, University of Edinburgh, United Kingdom
 _________________________________________ Nome: Luís Miguel da Silva Moreira
 Projecto: Criação artística. Banda-desenhada. “As Aventuras de Fernando Pessoa, Escritor Universal” – reflexão em banda-desenhada (no formato graphic novel) sobre a vida e obra de Fernando Pessoa, sustentada em pormenorizada leitura bio-bibliográfica e com forte componente literária. Mais de metade da obra já está concluída (consultável em www.lmigueldsm.blogspot.com). O autor, único receptor do apoio, é o argumentista e desenhista, em colaboração com a colorista Catarina Verdier. Planeada publicação em livro do projecto, com 300 páginas.
Valor atribuído: €6000
 Local de desenvolvimento do projecto: Cacém
 Situação profissional e/ou académica: Desempregado. Licenciado em Artes Plásticas, Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Instituições ligadas ao projecto: Não aplicável


 _________________________________________ Nome: Marcos André Ferrreira Santos Projecto: Mestrado. Projecto de investigação em desenvolvimento de métodos de diagnósticos mais eficazes e baratos para a doença theileriose bovina, adequados para utilização em laboratórios e países com menores recursos económicos. A Theileriose Bovina é uma doença transmitida ao gado bovino por carraças e tem um impacto económico devastador na produção de gado, principalmente em países mediterrâneos.
 Valor atribuído: €4200
 Local de desenvolvimento do projecto: Lisboa
Situação profissional e/ou académica: Mestrando em Genética Molecular e Biomedicina
 Instituições ligadas ao projecto: Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Nova de Lisboa, Laboratório Nacional de Investigação Veterinária

 _________________________________________ Nome: Raquel Sofia Zé Senhor Mesquita 
Projecto: Doutoramento. Ciência Política. “Candidaturas independentes: do actual condicionamento dos sistema às novas formas de interacção”. Trata-se de uma análise da importância das candidaturas independentes no sistema político português (relativa, nomeadamente, às eleições autárquicas de 2001, 2005 e 2009), ou seja, o modo como o fenómeno pode influenciar ou determinar a participação política dos demais cidadãos. O projecto procura concluir até que ponto os partidos com assento na Assembleia da República estarão reticentes em actual lei eleitoral, de modo a possibilitar que candidaturas independentes possam concorrer ao órgão de soberania. Valor atribuído: €4000
 Local de desenvolvimento do projecto: Coimbra, Lisboa Situação profissional e/ou académica: Doutoranda em Ciências Sociais, especialidade Ciência Política
 Instituições ligadas ao projecto: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa

 _________________________________________ Nome: Tânia Isabel Guimarães Madureira Projecto: Investigação etnográfica. “Saberes di Barro: um estudo etnográfico da ‘olaria de mulheres’ de Trás di Munti, Cabo Verde”. Segunda fase do projecto – pesquisa de terreno na ilha de Santiago. O projecto corresponde à possibilidade de desenvolver investigação na área dos estudos africanos e, por conseguinte, contribuir para

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A morsa e o carpinteiro

Cai na real, Portugal. Nos próximos tempos tu só vais ser notícia quando fores má notícia. E vais ser notícia muitas vezes. Quando vivi fora de Portugal pela primeira vez ficava magoado por muito raramente aparecer o meu país na imprensa internacional. Hoje passa-se o contrário: ficaria mais satisfeito se não encontrasse tantas notícias sobre Portugal e agradeceria que nos achassem mais irrelevantes. Eu gosto do meu país; também gosto de ler o Financial Times todos os dias. O que dá frio na barriga é ler sobre o meu país no Financial Times. Cai na real, Portugal. Nos próximos tempos tu só vais ser notícia quando fores má notícia. E vais ser notícia muitas vezes. Não se vê nenhum milagre que consiga impedir esta sequência: medidas de austeridade insustentáveis, subida dos juros da dívida soberana, pedido de ajuda ao FMI e à União Europeia, reescalonamento da dívida (ou “bancarrota”, para os corações de pedra) e depois? Depois, resta-nos sair do euro. E não julguem que me agrada escrever isto: é tão deprimente que nunca devo ter demorado tanto para alinhavar dois parágrafos de crónica. Mas e o orçamento? A austeridade? Os cortes? Mas-mas-mas nada. Tudo isso é insustentável e, portanto, irrealista.

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Em dívida

Os “mártires de Tiananmen”, como lhes chama o Nobel Liu Xiaobo, pediam apenas aquilo que a nenhum cidadão pode ser negado: liberdade de associação, de manifestação, de expressão e de informação. Isso faz deles património não só do povo chinês mas da humanidade inteira. No tempo das manifestações na Praça Tiananmen, em junho de 1989, quase ninguém sabia o que era a internet. O email era também praticamente desconhecido; ainda não havia web, muito menos twitter ou facebook. Raras pessoas tinham visto um telemóvel, e ninguém adivinharia que enviar mensagens de texto viria a ser um dos seus usos mais populares. Mesmo a televisão de notícias, com o seu ciclo de 24 horas por dia, estava apenas a começar. Era muito mais fácil encerrar um país e fazer com que as notícias pingassem a intervalos cada vez mais reduzidos. Mesmo assim, seguimos os acontecimentos na China com invulgar intensidade, primeiro, e ansiedade depois. Muitos talvez — como eu — pela rádio, nos noticiários de hora a hora — ou já seriam de meia em meia-hora? — enquanto uma minoria talvez tivesse televisão por satélite e canais internacionais. A informação não era contínua; era aos soluços, intermitente, e escassa. Irão ser tolerados os manifestantes? Não estarão eles demasiado audaciosos? Conseguirão vergar o regime? O que explicará este compasso de espera? O que fará o exército? Está confirmado que já há tanques nas avenidas? Foram chegando então as notícias, cada vez mais seguras, de que tinha havido um massacre na praça. O movimento foi, porém, mais vasto do que os acontecimentos daqueles dias.

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A lição de Lula e o teste de Obama

Como se desenrascaria Obama no teste do necessário-possível-impossível desenhado por Lula? É cedo para dizer. Há uns meses, no Rio de Janeiro, ouvi Lula explicar como entendia ele ser de esquerda, ou por outras palavras, como entendia ele a sua esquerda: “é fazer primeiro o necessário, começando pelo mais simples; depois é fazer o possível; logo, logo, o impossível vai estar acontecendo”. Lula defendia que esse modus operandi o distinguia da esquerda de “à europeia”, que se caracteriza por aceitar as estruturas de poder como elas estão, mas também da esquerda “Chico Alencar”, do nome de um político brasileiro que saiu do PT para fundar o Partido Socialismo e Liberdade, que deseja chegar ao socialismo “de uma vez só” (na descrição de Lula, que talvez não fosse a dos sujeitos em causa). Lula ia pontuando a sua explicação com exemplos adequados a qualquer pessoa e platéia. Fazer o necessário era começar pelos mais pobres;

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Noturno

Escrever é agora para mim um exercício de ouvido. O cérebro procura lembrar-se de como a língua pronuncia aquela palavra, tenta ouvi-la dentro da cabeça, para depois a poder escrever. Eu digo aquele “c” em espectador e aquele “p” em conceptual? Naquele tempo era sempre festa. Bastava sair de casa e atravessar a rua para ficar como louco, e era tudo tão belo, especialmente de noite, que regressando mortos de cansaço esperava-se ainda que qualquer coisa acontecesse, que começasse um incêndio, que nascesse uma criança em casa, ou então que o dia nascesse de repente e toda a gente viesse para a rua e se pudesse continuar a andar a andar até aos campos e depois por detrás das colinas. — Sois sãos, sois jovens, — diziam eles, — sois rapazes, não tendes consciência, bem se vê —. E uma deles, aquela Tina que tinha saído manca do hospital e que não tinha de comer em casa, ainda assim ria por tudo e por nada, e uma noite, caminhando atrás dos outros, tinha parado de repente e pôs-se a chorar porque dormir era uma estupidez que roubava tempo à alegria. [Cesare Pavese, La bella estate, 1940-49] Num dia do verão de 1952, um pianista de concerto interpretou pela primeira vez a peça de John Cage que consiste em quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio. Ou seja, o pianista sentou-se em frente ao piano e não tocou nenhuma nota durante aquele tempo. A meio da peça começou a chover, e as gotas grossas batendo no telhado eram tudo o que se ouvia. No fim da peça houve gente que abandonou a sala e deixou claro o seu desagrado, vociferando contra o compositor, o intérprete, e o estado das coisas em geral. Achavam aqueles espectadores que aquilo a que tinham acabado de assistir era uma provocação, em mau (“uma merda”). Muitos críticos de arte acharam o mesmo, mas em bom (“conceptual”). Recentemente li outra explicação, mais simples: os quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio de John Cage ensinavam que não havia silêncio — havia as gotas de chuva, os protestos do público — e eram como uma janela para o que estava por detrás. Escrever é agora para mim um exercício de ouvido.

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Tinha de acontecer

O desfazer do consenso de 1755 está diante de nós, é ingénuo, mas é mortífero. Há 255 anos, talvez na hora em que está a ler estas palavras, Lisboa foi sacudida por um dos mais violentos abalos sísmicos já documentados. Depois foi varrida por um tsunami. Finalmente, os fogos que arderam durante os dias seguintes destruíram o que restava do centro da cidade. Isto é bem conhecido, como é conhecida a expressão atribuida a Sebastião José de Carvalho após o terramoto — embora talvez não tenha sido proferida por ele — “enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Aquilo que de poucas vezes nos damos conta é que essa não era a única opção. Quem acreditasse que o terramoto era um castigo divino defendia que o arrependimento e a oração eram o caminho a seguir — e muitos defenderam-no. Isto quer dizer que o caminho aberto pelo terramoto de Lisboa — “a primeira catástrofe moderna”, como já lhe chamaram — não é evidente, nem permanente. Trata-se de um consenso em torno de ideias simples — de que as políticas públicas devem preparar as cidades e as populações para as catástrofes, de que o estado deve gastar dinheiro hoje para poupar vidas depois, em suma, de que para a próxima nos vamos sair melhor. Como todos os consensos, está sujeito a revisões e a sua manutenção depende de todos nós. Para o constatar,

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Projecto Bolsas – ponto da situação

Em primeiro lugar quero agradecer terem enviado as candidaturas. A vossa participação dá sentido a esta experiência. Em segundo lugar quero dizer-vos como está neste momento o processo das bolsas, fazer um pequeno balanço e explicar-vos o que vai acontecer a seguir. As candidaturas estão neste momento a ser analisadas caso a caso. Foram enviadas 71 candidaturas subscritas por 77 pessoas (três das candidaturas são de grupos). Esta resposta foi muito encorajadora. Estamos empenhados em ler atentamente os vossos projectos. A nossa análise dos projectos é muito detalhada. Tentaremos também ver como eles se coadunam com os nossos recursos, que evidentemente são muito mais escassos do que gostaríamos. Os resultados desta análise serão apresentados o mais tardar dia 15 de Novembro de 2010 no site www.ruitavares.net. Se possível – mas nada podemos garantir neste momento – anteciparemos a divulgação dos resultados. E daqui para a frente? Eu gostaria que isto viesse a ser o embrião de qualquer coisa mais séria. Dentro de um ano, provavelmente, reabrirei candidaturas, em particular com um projecto em mente: a criação de uma plataforma inter-bolsas que permita juntar os dois lados da equação, isto é, projectos que precisam de ser apoiados e pessoas com vontade de apoiar esses projectos. A base desta plataforma estaria na Internet mas o seu enquadramento jurídico, o seu funcionamento logístico e a sua concretização financeira precisam ainda de ser definidos. A experiência agora acumulada pode ajudar-nos a isso. Por enquanto é só uma ideia mas pode ser que venha a nascer e a ser-vos útil. Muito obrigado a todas e a todos.

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Abrir a caixa de Pandora

Errei. A minha atual previsão é de que o tratado vai ser alterado mais cedo do que eu pensava. Primeiro, um pouco de gabarolice. Há menos de um ano o Tratado de Lisboa entrou em vigor e toda a gente — com Barroso e Sócrates à cabeça — afirmou que este era “o tratado para uma geração”, não só por considerarem que ele era adequado como por ser quase impossível reformá-lo. Profetizei que o tratado iria ser alterado mais cedo do que eles pensavam. Errei. A minha atual previsão é de que o tratado vai ser alterado mais cedo do que eu pensava. Porque acontece isto? Em primeiro lugar: se os leitores desejarem ter uma visão do que será a União Europeia dentro de uma geração, não perguntem a Sócrates, Sarkozy ou Merkel — não perguntem a nenhum chefe de governo e se puderem fujam da opinião deles como da peste. O poder deles em cada uma das suas unidades territoriais depende de não entenderem a União e, até, de a entravarem. Por isso o Conselho — que reúne os governos — é neste momento a mais regressiva das instituições da União, atrás da Comissão e a anos-luz do Parlamento. Mas também não peçam a resposta a Barroso, não porque ele não saiba, mas porque não vo-la dará. O poder dele depende dos outros 27. E assim o Presidente da Comissão se viu ultrapassado na semana passada por uma conversa entre Sarkozy e Merkel, que querem rever um tratado com menos de um ano de vida para acomodar um capricho da Alemanha, ainda por cima perigoso — tirar direitos de voto aos países que tenham défices excessivos. Esta gente não entende nada de democracia e parece apostada em retirar qualquer sentido à palavra. Já imaginaram se fosse possível retirar o direito de voto a uma pessoa com dívidas? Se imaginam como se sentiria essa pessoa, querem pensar por um momento como seria isso se acontecesse com um país? Pois. Na verdade, — e admitindo que a atual crise só se resolve à escala europeia, o que aliás torna grande parte do nosso debate caseiro irrelevante e pueril — vejo duas saídas decentes para a União Europeia. Ambas são institucionais, porque é aí que os nossos outros problemas — a começar pelo económico — não se resolvem primeiro e, atrofiando, acabam por se agravar. E ambas exigem, sim, de uma alteração dos tratados. A primeira solução:

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