Lá vamos nós

Sobre a suposta suspensão de fundos, as eventuais sanções e a possível ida ao Tribunal de Justiça da UE – Hoje no Público – Lá vamos nós “E assim chegamos ao ponto em que a batata quente já foi passada demasiadas vezes entre Comissão e Conselho. De qualquer das formas, o mal já está feito, em mais uma vitória para os irresponsáveis políticos na Europa. A haver anúncio de sanções poderia ao menos retirar-se como boa conclusão desta história o recurso do governo ao Tribunal de Justiça da UE. Não apenas contra as sanções, mas como ocasião de expor (como defendo aqui há anos) a fundamental incompatibilidade das políticas da troika com os tratados europeus. Algum governo teria um dia coragem de o fazer. Que seja o português, agora.”  

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O frio na espinha

  Esta madrugada Trump fez o seu grande discurso, e o resultado foi ainda mais assustador do que eu esperava. Fiquei acordado até às cinco da manhã e pensava: isto parece uma experiência para obrigar até o historiador mais renitente a dizer “sim, é fascismo”. Sim, é nacionalismo autoritário, racista e xenófobo. Todo o discurso foi sobre medo, vitimização e ódio, com Trump repetindo que ele era a única solução (nunca explicando como) e o público à beira do delírio violento. Se o mundo quer ter um bocadinho mais de paz e sanidade, tudo deve ser feito para ajudar os EUA a derrotarem este homem. Meço as palavras: não há pessoa de bem, de direita esquerda ou centro, para quem a democracia e o estado de direito sejam importantes, e que não possa estar chocada com o que Trump está a fazer, se for sincera consigo mesma. Já se ouvem, é claro, as desculpabilizações do costume. Que Trump faz isto só para ganhar, mas que se moderará depois. Que é “evidente” que ao chegar à Casa Branca não poderá fazer o que quer. Enfim, escuso de dar mais exemplos: são as justificativas que sempre se ouviram em relação a todos os ditadores e demagogos antes de chegarem ao poder. E não me digam que a democracia americana é suficientemente forte para resistir a isto: a democracia americana está debilitada há muitos anos, é confusa e corrompida, e não resistirá a uma avalanche de votos em Trump. Se ele ganhar, claro que terá mandato para fazer o que quiser, a começar por nomear juízes do Supremo que interpretem a Constituição à sua maneira. Já era de madrugada quando me perguntei porque, exatamente, estava a ver aquilo. Duas respostas possíveis: para ficar aliviado se Trump perder. Ou para dizer aos miúdos, no futuro, entre as ruínas, que sim, eu estava lá quando Trump subiu ao poder e o ouvi na TV, como há pais e avós que nos dizem ter ouvido Mussolini e Hitler na rádio, e isso nos dá um frio na espinha. Ontem tive esse frio na espinha. Quem acha que é exagero anda distraído.

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Atenção: isto não é um teste

Atenção: isto não é um teste – A minha crónica de hoje no Público. “O único problema é que isto não é um ensaio de incêndio do qual se sai com um suspiro de alívio e um pouco mais de preparação para qualquer eventualidade. Esta é a vida real de milhões de pessoas, à beira do abismo. Este não é um teste de história para ver quem fica bem aos olhos da posteridade, mas uma questão de moralidade e decência para com o presente da humanidade concreta. O passado serve apenas para nos iluminar contra os erros presentes. Quem justifica o renascimento do nacionalismo hoje não terá como deter os excessos do egoísmo nacional amanhã. Essa justificação terá, como sempre, consequências: não dá para sair do comboio quando a viagem se tornar desagradável.”

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Leituras do dia 22.07

1 – Ur-Fascism (Umberto Eco) Fascism became an all-purpose term because one can eliminate from a fascist regime one or more features, and it will still be recognizable as fascist. Take away imperialism from fascism and you still have Franco and Salazar. Take away colonialism and you still have the Balkan fascism of the Ustashes. Add to the Italian fascism a radical anti-capitalism (which never much fascinated Mussolini) and you have Ezra Pound. Add a cult of Celtic mythology and the Grail mysticism (completely alien to official fascism) and you have one of the most respected fascist gurus, Julius Evola. But in spite of this fuzziness, I think it is possible to outline a list of features that are typical of what I would like to call Ur-Fascism, or Eternal Fascism. These features cannot be organized into a system; many of them contradict each other, and are also typical of other kinds of despotism or fanaticism. But it is enough that one of them be present to allow fascism to coagulate around it. 2 – How a Trump presidency could destabilize Europe (Anne Applebaum) Russia is clearly participating in the Trump campaign. The theft of material from the Democratic National Committee a few weeks ago was the work of Russian hackers. Russian state media and social media, together with a host of fake websites and Twitter accounts with Russian origins, actively support Trump and are contributing to some of the hysteria on the Internet. I’m not arguing that any of this has been decisive. But whatever resources Putin wagered on Trump, they are paying off. 3 – Putin’s Puppet (Franklin Foer) Donald Trump is like the Kremlin’s favored candidates, only more so. He celebrated the United Kingdom’s exit from the EU. He denounces NATO with feeling. He is also a great admirer of Vladimir Putin. Trump’s devotion to the Russian president has been portrayed as buffoonish enthusiasm for a fellow macho strongman. But Trump’s statements of praise amount to something closer to slavish devotion. In 2007, he praised Putin for “rebuilding Russia.” A year later he added, “He does his work well. Much better than our Bush.” When Putin ripped American exceptionalism in a New York Times op-ed in 2013, Trump called it “a masterpiece.” Despite ample evidence, Trump denies that Putin has assassinated his opponents: “In all fairness to Putin, you’re saying he killed people. I haven’t seen that.” In the event that such killings have transpired, they can be forgiven: “At least he’s a leader.” And not just any old head of state: “I will tell you that, in terms of leadership, he’s getting an A.” 4 – Report: Trump campaign pays female staff much less (Reena Flores) Trump’s campaign, meanwhile, has faced scrutiny before over its pay practices. One former employee in Iowa blamed her firing on sexual discrimination by the Trump campaign, charging that men were getting paid more for the same jobs women had. *** Vale a pena notar que a foto acima é, com o benefício da dúvida, um resultado do acaso: Laura Ingraham começou por saudar a multidão no comício de Trump com o braço esticado e a meio parece ter-se lembrado de que não podia fazer esse gesto e mudou para um aceno mais inocente. Vale a pena ver o vídeo abaixo que é, dadas as circunstâncias, mais divertido do que assustador. Mas uma coisa é certa, quando se joga com a cenografia fascista tanto quanto os republicanos fizeram nesta convenção, o que não falta são imagens com ar fascista. Quem diria? 

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A mentira sai barata

  A minha crónica de ontem no Público. “A mentira funciona, pelo menos no curto prazo. A campanha no referendo britânico foi ganha pelos brexiteers com um número falso (“damos 350 milhões de libras por semana à UE…”) que antecedia uma promessa que nunca tiveram intenção de cumprir (“…vamos antes financiar o Sistema Nacional de Saúde”). Depois da vitória estar no papo, que lhes interessou a desonra? Não adianta alegar que sempre houve mentira e desonestidade em política. A novidade não está na mentira, está no preço que deixou de se pagar quando ela é descoberta. Onde antes carreiras eram destruídas, basta agora um encolher de ombros e esperar que chegue outro assunto. Esta cultura, iniciada ou pelo menos legitimada pela grande mentira que foi a Guerra do Iraque, foi inevitavelmente aproveitada por aqueles a que se chama “populistas”. Se os políticos “sérios” usufruem, por que não eles também?” Mais em A mentira sai barata

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A sanidade é patriótica

É déjà vu outra vez. Ontem, segundo a quase totalidade da imprensa (que não o Público, justiça seja feita), Portugal viu confirmada as sanções por incumprimento do défice em 2013-15. Quais sanções? Aquelas que foram decididas a semana passada. Quais? As da semana antes dessa. As do mês passado. E as do outro mês antes desse. A acreditar nessa imprensa, Portugal já foi sancionado e já viu confirmadas as sanções umas cinco vezes. A seleção de futebol chegou ao campeonato europeu, passou a fase de grupos, passou as eliminatórias, sagrou-se campeã — e todas as semanas parece que as sanções acabaram de ser decididas. Só que não é verdade. O que decidiu ontem a reunião de ministros das finanças do Conselho, também conhecida por Ecofin? É muito fácil saber. Até podemos citar na íntegra: a decisão propriamente dita tem apenas dois artigos: Artigo 1. Portugal não tomou medidas eficazes em resposta à recomendação do Conselho de 2013. Artigo 2. Desta decisão informa-se a República Portuguesa. Podemos achar tudo o que quisermos acerca desta decisão, com duas exceções. Não se pode alegar que a decisão seja sobre o futuro e não sobre o passado (a recomendação referida foi para os anos 2013-15, ou seja, para o governo de Passos Coelho). E não se pode dizer que a decisão confirme sanções: não só porque não há nenhuma referência a sanções, mas principalmente porque não as poderia confirmar, uma vez que a comunicação da semana passada (da Comissão) também não recomendava ou determinava a aplicação de sanções. Continuam a aplicar-se a cautelas da ordem. Isto pode querer dizer que vai haver sanções mais à frente — ou talvez não. As sanções podem ser simbólicas, efetivas, suspensas ou canceladas — simplesmente não sabemos. Nada é automático. Como seria de esperar, o debate entre governos nacionais foi mais duro do que com as instituições comunitárias, mas ninguém chegou a testar a correlação de forças com uma proposta de sanções. Como escrevi aqui na semana passada, este é um jogo que vai a prolongamento e a penáltis. Pode perceber-se que este continuado alarmismo interesse a uma imprensa em crise, a uma direita europeia que pretende pressionar o governo português, e até a alguns políticos portugueses de vários quadrantes que (ilusoriamente ou não) vêem num descarrilar da geringonça a sua oportunidade de “disputa da hegemonia”. Mas não se consegue perceber como ajudará à posição de Portugal este antecipar da proclamação das (eventuais) sanções. Eu sei que é fácil, nestes tempos em que se usa o patriotismo na lapela, fazer mal ao país e usar o patriotismo como justificação. Mas é o sentido das proporções, mais do que o inflamar das emoções, que é o dever do verdadeiro patriota. Caso contrário, não haveria maiores patriotas do que aqueles que aconselharam Dom Sebastião a ir lutar para Marrocos. São tempos sôfregos, mas às vezes é preciso lembrar que a sanidade também é patriótica. (Crónica saída no Público a dia 13 de julho de 2016)

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O cenário de pesadelo começa na Turquia

O cenário de pesadelo começa na Turquia – hoje no Público. “E na sexta-feira, de repente, começámos a receber alertas de que há um golpe em curso na Turquia. Passado um par de horas, o golpe parecia triunfante. Outro par de horas, derrotado. E enquanto discutíamos se o golpe era real ou apenas encenado, Erdogan já aproveitava aquilo a que chamou um “presente de Deus”. Em poucas horas, mais de dois mil juízes foram demitidos. O Exército vai sofrer uma limpeza semelhante, e os partidos da oposição (que condenaram o golpe) estão fora de jogo num parlamento que foi bombardeado. A pena de morte, segundo as últimas notícias, será restabelecida. Tanto um colapso da Turquia como um reforço ditatorial de Erdogan são assustadores. A UE deve começar por traçar uma linha vermelha: com a reintrodução da pena de morte todas as negociações de adesão da Turquia à UE serão canceladas. Quanto aos governos europeus, preparem-se para um programa de reinstalação a sério. Não só o indecente acordo que fizeram com Erdogan não pode durar como os primeiros requerentes de asilo turcos já chegaram ao território europeu.”

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Novas da Brexitânia

Novas da Brexitânia – a minha crónica no Público, escrita no dia 14.07, e infelizmente logo ultrapassada pelos acontecimentos subsequentes. “O terceiro passo é o mais revelador. Depois de passarem toda uma campanha a dizerem, com certa razão, que não desejam ser governado por burocratas não-eleitos, os britânicos passaram a ser governados por uma primeira-ministra que até na única eleição em que deveria participar (no seu partido) venceu por falta de comparência da adversária. A nova chefe de governo, Theresa May, é o que passa por “moderada” na política brexitânica: no seu currículo apenas constam os painéis publicitários montados em carrinhas dizendo aos imigrantes “vá para casa!” e a vontade sempre reafirmada de sair da Convenção Europeia de Direitos Humanos. E isso sem chegarmos ao novo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Brexitânia, conhecido por ter insultado Barack Obama e Hillary Clinton e que já foi vaiado na sua primeira aparição oficial — na embaixada francesa, ao comemorar o Dia da Bastilha.”

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O Outro Lado – 12 de julho

Para quem não viu a transmissão do programa O Outro Lado exibido ontem na RTP3, aqui têm a gravação integral.  

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A sanidade é patriótica

A minha crónica de hoje no Público – A sanidade é patriótica “Pode perceber-se que este continuado alarmismo interesse a uma imprensa em crise, a uma direita europeia que pretende pressionar o governo português, e até a alguns políticos portugueses de vários quadrantes que (ilusoriamente ou não) vêem num descarrilar da geringonça a sua oportunidade de “disputa da hegemonia”. Mas não se consegue perceber como ajudará à posição de Portugal este antecipar da proclamação das (eventuais) sanções. Eu sei que é fácil, nestes tempos em que se usa o patriotismo na lapela, fazer mal ao país e usar o patriotismo como justificação. Mas é o sentido das proporções, mais do que o inflamar das emoções, que é o dever do verdadeiro patriota. Caso contrário, não haveria maiores patriotas do que aqueles que aconselharam Dom Sebastião a ir lutar para Marrocos.”  

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