Um país macroeconomicamente aborrecido [texto integral]

| Do arquivo Público 31.05.2017 | Contava-me há tempos um ex-correspondente de imprensa em Portugal durante os anos pós-revolucionários que um dia, quando ele estava à beira de terminar aqui o seu trabalho e abandonar o nosso país, o então Primeiro-ministro Mário Soares decidiu convidá-lo a ele e aos confrades da imprensa estrangeira para um almoço. E na altura do brinde, para surpresa de todos, não só Soares elogiou o correspondente de imprensa que partia como lhe disse: “ainda bem que se vai embora”. E acrescentou: “os correspondentes de imprensa gostam de estar onde há desgraças; a sua partida é sinal de que vamos passar a ser um país aborrecido”. Evidentemente, Portugal não iria deixar de ter problemas e os políticos como Mário Soares não iriam deixar de ter matéria com que se entreter. Mas, do ponto de vista da imprensa internacional, sem golpes e contra-golpes de estado, sem tanques nas ruas, sem estar à beira da guerra civil, Portugal perdia a graça. Pior para os correspondentes, melhor para os portugueses. Ouvi esta história e contei-a a uns amigos aqui há um par de meses. E a primeira reação foi a seguinte: “não sei se sabes, mas o Wall Street Journal acabou de retirar o seu correspondente de Portugal”. Ou seja, um dos grandes jornais financeiros do mundo acha que Portugal deixou de ter interesse. Isto é interessante, mas para nós: não quer dizer que Portugal vá deixar de ter problemas económico-financeiros, mas quer dizer que Portugal, do ponto de vista do noticiário económico internacional, perdeu a graça. Passámos a ser um país macroeconomicamente aborrecido. Ainda bem. A saída de um correspondente da imprensa internacional é, pois, um sinal dessa bem-vinda mudança de estatuto. Mas não é o único.

Read more
A Brexitânia vai nua

A crónica de hoje, sobre os insultos de Trump a Sadiq Khan, e o revelador silêncio de Theresa May. “É aí que entra o silêncio, carregado de significado, de Theresa May. Por muito que me esforce não consigo imaginar outra situação em que a chefe de governo de um país se escusasse a defender o autarca da sua capital quando, após um ataque terrorista, este estivesse a ser atacado pelo líder de um estado estrangeiro. Não só porque a ausência de resposta resulta num enfraquecimento da autoridade pública no momento em que a população mais precisa dela, não só porque essa ausência representa uma falta ao dever de defender os poderes públicos do seu país, mas principalmente pelo que tudo isto nos diz sobre as qualidades morais da própria primeira-ministra. O silêncio, numa situação destas, é cobardia.” O resto aqui.

Read more
O Grande Federador [texto integral]

| Do arquivo Público 29.05.2017 | Escreveu Jean Monnet, um dos idealizadores do projeto europeu, que a poucos meses da assinatura do Tratado de Roma corria no seu círculo de amigos a ideia de fazer uma estátua ao “Grande Federador da Europa”. Só que o homenageado não seria Churchill, nem Schuman, nem Adenauer. Essa honra caberia antes a Gamal Abdel Nasser, o líder egípcio que uns meses antes, ao nacionalizar o Canal do Suez, dera uma lição ao mundo sobre o fim do ciclo imperial europeu. Com um pedido de desculpas pela injustiça feita a Nasser, os europeus têm agora um outro Grande Federador com muito menos visão mas com bastante mais poder: Donald Trump. Já toda a gente percebeu que Trump não entende, não quer entender, e sobretudo não gosta da Europa. O novo presidente dos EUA sente-se muito mais à vontade sendo bajulado pelos príncipes sauditas, telefonando ao proto-ditador filipino Duterte ou recebendo os sequazes de Putin na Casa Branca. O entendimento que faz da NATO e do seu artigo 5º de defesa mútua, apenas utilizado uma vez na história (e pelos EUA), não anda muito longe da “proteção” como entendida pelos mafiosos: paguem primeiro, e depois logo verei se vos dou garantias de defesa mútua. Quanto ao Acordo de Paris para o combate às alterações climáticas, nem é bom falar.

Read more
Uma ideia superior a qualquer profecia

“Apesar das radicais diferenças, há uma coisa em que um historiador pode compreender a mentalidade destes fanáticos religiosos: no recurso ao passado. O passado é, simplesmente, o grande repositório das ideias que a humanidade foi tendo enquanto tentava compreender as coisas. Ideias sempre distorcidas, adulteradas, simplificadas ou acrescentadas. O tolinho que sonha com uma “guerra de religião” pretende ir buscar ao passado a solução para as suas dificuldades em enfrentar o futuro. Só que o passado não é para apressados.” No Público de hoje.

Read more
Um país macroeconomicamente aborrecido

Hoje no Público pergunto o que acontece se Portugal passar a ser um país macroeconomicamente aborrecido. “Um dos grandes jornais financeiros do mundo acha que Portugal deixou de ter interesse. Isto é interessante, mas para nós: não quer dizer que Portugal vá deixar de ter problemas económico-financeiros, mas quer dizer que Portugal, do ponto de vista do noticiário económico internacional, perdeu a graça. Passámos a ser um país macroeconomicamente aborrecido. Ainda bem. “

Read more
Habituem-se [texto integral]

| Do arquivo Público 15.05.2017 |  Salvador Sobral recebeu o troféu da sua vitória no festival Eurovisão da Canção e, passado uns segundos, pôs a taça em cima da cabeça. “Como é que eu meto na cabeça que ganhei o prémio, sem deixar que o prémio me suba à cabeça?”, foi o que achei que aquilo queria dizer. A partir daí eu tinha a metáfora para esta crónica. No curtíssimo discurso de vitória, a resposta que ele deu foi sucinta e clara: criticar um mundo de música descartável e apelar a que nos lembremos que a música é conteúdo e sentimento. Como uns dias antes tinha sabido o que dizer sobre a tragédia dos refugiados: se somos humanos, temos que saber ser humanitários. Em três passos nítidos, como em toda a sua apenas aparente simplicidade, Salvador Sobral demonstrou a capacidade artística que tem para se deixar surpreender sem se deslumbrar e para logo encontrar de imediato, intuitivamente, a expressão adequada a essa surpresa. Como meter na cabeça que se ganhou, sem deixar que ganhar nos suba à cabeça? Essa é uma pergunta que começa a ser necessário responder em Portugal, tal o ineditismo de começar a ganhar em eventos artísticos e desportivos europeus daqueles com que sonhávamos desde que os víamos na televisão a preto-e-branco. Quem pensa que estas coisas tocam em milhões de pessoas para depois não terem significado nenhum está apenas a encenar a sua própria cerebralidade. A verdade é esta: para uma geração de portugueses de hoje, ganhar em dois anos seguidos um europeu de futebol e um festival Eurovisão é tão natural quanto era antes irrealista pensá-lo. Se situações semelhantes encheram de força a França, a Espanha ou Grã-Bretanha, como imaginar que não tenham para Portugal uma importância que exceda o mero acontecimento? E qual importância será essa? A resposta tem três partes.

Read more
Os partidos morrem. E o socialismo?

A crónica de ontem tem por título “Os partidos morrem. E o socialismo?”. “Tudo no que vemos à nossa volta, da automação do trabalho à revolução na medicina, das alterações climáticas à crise global dos direitos humanos, nos impele a procurar mais solidariedade universal e não menos. Mas tal como a cedência ideológica à desregulação dos mercados não resolveu, antes agravou, os nossos problemas de desigualdade, também a cedência ao fechamento nacional não contribuirá para mais do que nos deixar à beira do precipício autoritário. Ambas as derivas prolongam a situação de dependência e dominação em que muita gente vive quotidianamente e com isso impedem ou atrasam a emancipação humana. A esquerda não pode perder mais outra década sem apresentar o seu modelo para a globalização, modelo esse que não poderá deixar de passar pela Europa.”  

Read more
Cabarés em chamas

“O que se passa no Brasil e o que se passa nos Estados Unidos não tem só em comum o continente americano e um sistema presidencialista quase passado a papel químico. Há algo de mais profundo a unir a farsa sul-americana com a farsa norte-americana: ambos os presidentes chegaram ao poder montados num movimento que apresentava como bandeira exatamente o contrário daquilo que eles eram. Temer e Trump são o símbolo do que acontece quando a frustração popular é cavalgada pela retórica nacional-populista. Estava muito claro desde o princípio, como aqui então escrevi, que o impeachment de Dilma Rousseff não era o culminar de um movimento para combater a corrupção no Brasil. O movimento pelo impeachment de Dilma era um movimento a favor da preservação da corrupção, cavalgado pelos maiores corruptos do Brasil, sentados em cima das esperanças de muitos brasileiros. Não por acaso esse movimento se concentrou em atacar a única pessoa que, ocupando lugares de mais alto poder na política brasileira, nunca teve contra si a mínima suspeita de corrupção, Dilma Rousseff (já Lula da Silva levará sempre consigo a mácula de bastante ter feito para promover o corrupto sistema de compra de votos no Congresso).” Aqui podem ler mais do texto de ontem no Público:

Read more
Os artigos de fé dos euro-apocalípticos [texto integral]

|Do arquivo Público 10.05.2017| Está para lá de qualquer dúvida: nesta ocidental praia lusitana, os pessimistas levam uma vantagem quilométrica no debate público. O pessimismo não é só o equivalente opinativo ao “com um simples vestido preto eu nunca me comprometo” popularizado pela saudosa Ivone Silva. O pessimismo é uma obrigação, uma missão e uma devoção. A qualquer pergunta, abanar pesarosamente a cabeça e dizer “estou francamente pessimista” dá sempre pontos extra. Em Portugal só há uma coisa que dá mais caução instantânea do que estar pessimista: é estar pessimista sobre a Europa. Sobre a Europa, aliás, não há apenas que estar pessimista. É preciso estar apocalíptico e aderir aos seguintes artigos de fé: isto é insustentável, logo não há solução. Se houver solução é insustentável também. Pode não ser insustentável, mas não vai funcionar. Não vai funcionar porque não pode funcionar. Se funcionasse, era uma desgraça. Se funcionar e não for uma desgraça, nunca vai ser implementado porque a Alemanha não quer. E, de qualquer forma, é insustentável.

Read more
Segunda oportunidade para a França, última para a Europa?

|Do arquivo Público – 08.05.2017 | Por que venceu Emmanuel Macron as eleições francesas? Por uma intuição muito simples, mas muito arriscada: a de que era preciso opor a Marine Le Pen valores diametralmente opostos aos que ela representava. Isso, lamento, não estava feito nem era evidente. Durante quinze anos, desde que Jean-Marie Le Pen passou à segunda volta das eleições presidenciais de 2002, a política francesa viveu dominada pelo fantasma da Frente Nacional. Dominada pelo medo, e portanto paralisada. Todos tentaram contornar o problema de forma tática: ora tentando roubar o discurso à extrema-direita, ora tentando roubar-lhe os temas, ora as razões de queixa. De cada vez que o faziam, mais submetidos à dominação da extrema-direita ficavam. Um exemplo claro é o de Sarkozy e os refugiados. Com medo de perder a eleição de 2012 — que perdeu na mesma — Sarkozy bloqueou tanto quanto lhe foi possível um programa europeu de reinstalação para, naquela época, cem mil refugiados prioritários. Após a guerra na Síria o número de refugiados aumentou quinze vezes quando foi preciso receber ordeiramente um milhão e meio de refugiados ninguém estava preparado. Quem ganhou com o caos e a impreparação? Marine Le Pen e a Frente Nacional. O mesmo se poderia dizer, de outras formas, de todos os presidentes e de uma grande parte dos atores políticos franceses. Durante quinze anos, entre 2002 e 2017, nada de significativo mudou em França. O sistema político continuou

Read more
Skip to content