Sigamos em frente!

O progresso é um processo contraditório e tem os seus zigue-zagues, mas às vezes faz-se. Há um ano entreguei à Comissão Parlamentar Especial contra o Crime Organizado, a Corrupção e o Branqueamento de Capitais um documento temático sobre lavagem de dinheiro no qual, entre outras medidas, se pedia um registo público de “beneficiários finais” de ativos, para impedir que os branqueadores de capitais se escondem através de empresas fictícias. Hoje o Parlamento Europeu aprovou quatro relatórios (fui relator-sombra num deles) em que esse registo passou a fazer parte da proposta de lei em curso. Falta convencer os estados-membros. Mas foi dado um bom passo na direção do combate ao dinheiro sujo e à evasão fiscal na Europa. Sigamos em frente!  

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O traumatismo ucraniano

A segunda nota é sobre a resposta da UE e dos EUA. É evidente que Putin quer punir a Ucrânia por esta ter escolhido o “Ocidente”. Como quem diz: podes sair de casa, mas eu fico com o que eu quiser. Do lado ocidental, a escolha é entre uma nova guerra fria — congelar os laços com a Rússia — ou uma nova guerra quente que ninguém quer imaginar.  Não gosto nada quando isto acontece. Na semana passada escrevi uma crónica sobre a Ucrânia, chamei-lhe “Já basta uma tragédia” (a outra é a Síria) e, quando o enviei, fiquei com a sensação de que tinha sido alarmista. Hoje dá a sensação de que afinal pequei por defeito e não por excesso. Três notas sobre o que se está a passar na Crimeia. A primeira é a histórica.

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A dimensão cooperativa

Vivemos num mundo inflamado em competição. Justificou-se essa competição com o argumento de que ao competir todos ficaríamos melhores. Esquecemos que para ser melhores precisamos uns dos outros. Na semana passada, à hora de embarcar para um colóquio universitário sobre democracia, passo pela livraria do aeroporto e vejo um livro que me chama a atenção. O autor é um sociólogo aparentemente bastante conhecido e o assunto do livro é a cooperação, ou melhor, a política e a sociologia da entreajuda. Sento-me na cadeira designada, o avião levanta voo, começo a ler. O primeiro capítulo é sobre questões de cortesia e polidez. O autor descreve como as sociedades contemporâneas se tornaram em muitos casos agressivas e mesmo cruéis, com indivíduos isolados respondendo a estímulos de competição exacerbada. Aquilo que é “bullying”, ou humilhação agressiva, entre crianças e adolescentes, torna-se em “bullying” político e cultural entre adultos, tão conhecido das redes sociais. A falta de cortesia de alguns indivíduos origina o fechamento dos outros e a perda é de nós todos, em incapacidade de auto-realização e de trabalho conjunto das sociedades. Chegado ao colóquio,

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Já basta uma tragédia

Há umas décadas havia o grito revolucionário por “um, dois, três, muitos vietnames”. O mero bom senso nos diz que devemos evitar agora uma, duas ou três novas Sírias. Para a nossa galeria de analogias históricas assustadoras só faltava agora um cheirinho a Guerra da Crimeia — um dos piores conflitos da história europeia, no sentido lato, e que terminou com um período de relativa estabilidade após Napoleão e até ao meio do século XIX. A Crimeia, hoje em território ucraniano mas habitada principalmente por russos, que aí têm umabase militar, está de novo nas notícias porque os seus habitantes se recusam a reconhecer o fim do governo ucraniano pró-russo de Yanukovitch. Seguem-se as habituais reservas: as comparações históricas não podem ser levadas a sério, as épocas são diferentes (e as potências também: a Guerra da Crimeia envolveu os otomanos, os franceses, e mais ainda) e cada caso é um caso. Mas o facto é que qualquer coisa se quebrou na razoabilidade, mesmo que uma razoabilidade desconfiada, com que as potências da nossa parte do mundo encaravam as suas relações. Passámos de uma fase de alguma acomodação entre ambições, envolvendo sempre alguma flexibilidade, para outra de rigidez. E quando os grande poderes entram numa fase de antes quebrar do que torcer, bem, enfim, as coisas quebram. Um primeiro sinal foi dado na Síria.

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Falsa bonança

Estamos a viver uma falsa bonança. A pressão sobre o euro parece ter acalmado, os governantes suspiram de alívio em público, as notícias entraram numa rotina mais normal do que nos últimos anos. E no entanto, no plano de fundo, as más decisões sucedem-se.  Na semana passada foi publicada no blogue “Vias de Facto” uma frase lapidar: “Responsabilizar a democracia direta pelos resultados do referendo suíço é tão demagógico quanto responsabilizar a democracia representativa pela ascensão da família Le Pen”. O seu autor, Zé Nuno Matos, resumiu em poucas palavras o que eu tentei dizer em bastantes mais na minha crónica da semana passada (“Absolutismos”, sobre como decisões erradas, no caso sobre a imigração e o euro, podem ser tomadas tanto em democracia direta na Suíça como pelo “colégio de sábios” do Tribunal Constitucional Alemão). Pode haver aqui uma ironia, porque eu não sei se a frase se referia à minha crónica. Mas eu concordo com o comentário, acho que ele é complementar ao que escrevi, e para ilustração não há melhor do que algumas das reações ao próprio referendo suíço. Em Bruxelas, em concertação com os governos europeus, os burocratas fazem os seus disparates habituais. Os primeiros instrumentos a serem afetados, em resposta ao referendo suíço, foram o programa Erasmus e os intercâmbios de cientistas.

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Absolutismos

O problema é que vivemos num tempo de absolutismos. E os absolutismos nunca fizeram bem à democracia. Um dos debates mais estéreis na política é aquele que opõe adeptos de um tipo de democracia contra outros tipos de democracias como se um tipo de democracia devesse substituir todos os outros. Alguns adeptos da democracia direta querem acabar de vez com a democracia representativa; há adeptos da democracia constitucional que não gostam nem de ouvir falar em democracia direta, etc. Este debate é estéril porque: a democracia serve para estruturar o pluralismo. E não há, nem pode haver, uma única forma de estruturar o pluralismo. Só pode haver uma pluralidade de métodos, todos eles imperfeitos, todos eles aproximativos, a utilizar ou a evitar caso a caso, conforme a sua adequação à falta de melhor ou a sua inadequação completa. Um método pode ser superior a outro num determinado caso, mas nunca será superior em todos os casos. Acontece que esta semana temos dois exemplos que deveriam dar que pensar a quem é adepto de um método contra todos os outros. Na Suíça

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Juntos vencemos; divididos perdemos

A esquerda é, e será sempre, uma aliança. Em democracia, os governos transformadores da esquerda passaram sempre — da construção da social-democracia escandinava à Frente Popular em França, do New Deal de Roosevelt ao Brasil de Lula e, mais recentemente, à Islândia após a crise — pelo trabalho conjunto entre a esquerda e centro-esquerda. Esse é o debate que é necessário fazer em Portugal, e que põe em causa o imobilismo e o conservadorismo de tantos. Ao sétimo dirigente do Bloco de Esquerda que tenta associar-me à aprovação do Tratado Orçamental e do “visto prévio” sobre os orçamentos nacionais, — contei, além dos coordenadores, Fernando Rosas, José Manuel Pureza, João Teixeira Lopes e Francisco Louçã, um pouco por todo o lado — creio que se compreenderá que eu reponha a verdade dos factos. A mais recente tentativa é de Jorge Costa, num artigo no esquerda.net que merece uma resposta mais abrangente pelo debate de conteúdo que traz. Ora, estes autores não são apenas dirigentes políticos que fazem o seu combate contra quem vêem, infelizmente, como adversários (mais sobre isto no fim deste texto). São pessoas com responsabilidades no debate intelectual e político. Esperar-se-ia que estas responsabilidades, e a necessidade de fidedignidade no difícil momento por que passa o país, levassem a melhor sobre a vontade de combater supostos adversários que não o são. Comecemos pelo Tratado Orçamental.

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Papéis no bolso

E não me venham dizer isto é apenas o primeiro passo, que é preciso “começar por algum lado”. Tudo isto é o contrário do que deveria ser feito. Não é com a fatura do café da esquina que se combate a evasão fiscal legal que as nossas 20 maiores empresas praticam impunemente todos os dias para as suas sedes fictícias na Holanda. A Praça do Comércio tem desde há uns tempos um urinol de luxo, desenhado por uma marca de papel higiénico conhecida. A utilização custou 50 cêntimos, se bem me lembro, da única vez que tive de o usar. À saída, perguntaram-me: “quer fatura com número de contribuinte”? O utilizador fica com a bexiga mais aliviada, e com mais um papel no bolso. Saí dali a pensar qual seria a reação de um turista de um desses países onde se paga tanto ou mais impostos do que em Portugal, não há os mesmos problemas de evasão fiscal e, no entanto, ninguém está sempre a pedir e a entregar faturas. Nesses países raramente se dá o número de contribuinte, a não ser para compras de montantes elevados. Comprar o jornal e o café resulta, se tanto, na emissão de um recibo de caixa. Pagar impostos em alguns destes países é quase invisível — embora não seja indolor. O exemplo costumeiro é o da Suécia,

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Constrói-se um caso

Claro que entretanto toda a gente já proclama que a troika foi uma solução ad hoc, e que não deve ser repetida. Mas não podemos ficar por aqui. Danos injustos e desproporcionados foram causados a milhões de pessoas. Alguém tem de pagar. Onde houve um dano deve haver uma compensação. Desde as crónicas em que primeiro mencionei a possibilidade de ilegalidade da troika, e depois  tentei demonstrá-la, que o processo às políticas de austeridade se tem vindo a acumular. Realizaram-se as visitas da delegação da Comissão de Economia do Parlamento Europeu aos países da crise e os seus co-relatores fizeram já uma crítica muito sólida dos mecanismos usados pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Indo mais longe até do que eu pensava que iriam, não foram só os erros de previsão económica e outras questões técnicas que ocuparam os relatores. Eles pronunciaram-se também sobre a questão de fundo, a saber: que a troika não tem cabimento nos tratados europeus, por possuir poderes de decisão que não lhe foram outorgados, e por albergar uma instituição extra-União (o FMI) com o qual não há nenhum tipo de acordo, que necessariamente teria de ser ratificado pelo Parlamento Europeu, para cooperação entre esta instituição e a zona euro. Claro que os artífices da troika, tal como certos estados-membros e o comissário Olli Rehn, tentam tapar o sol com a proverbial peneira. Alegam que a troika não manda nada, que a troika não toma decisões, que a troika, no fundo, nunca existiu. Mas os relatores do Parlamento Europeu estabeleceram bem que a troika toma decisões e, em muitos casos, impõem essas decisões aos estados que do seu assédio são vítimas. Agora há mais:

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