Parece-me que Obama tem neste momento 195 votos eleitorais. Com a Califórnia, chega a 250. Com o Washington state, Oregon, New Mexico e carqueja, está decidido. Obama ganha.
Parece-me que Obama tem neste momento 195 votos eleitorais. Com a Califórnia, chega a 250. Com o Washington state, Oregon, New Mexico e carqueja, está decidido. Obama ganha.
As pessoas aqui estão saturadas, impacientes e desconfiadas. É o que me dizem. Mas não as ouço dizer que estão optimistas. Saturadas de eleições e política, sim. Há dois anos que isto dura e há vários meses que não se fala de outra coisa. Impacientes, também. As eleições são já amanhã, para o melhor ou o pior. E há uma porção demasiado grande de gente desconfiada que pensa que as duas últimas presidenciais foram fraudulentas, e que lhes vão roubar esta eleição também, e que ainda antes do seu candidato ganhar já há provavelmente um maluco, ou mais do que um, que pensa assassiná-lo. Os menos paranóicos sabem, mesmo assim, que o próximo presidente tem um país de rastos para governar: entrando numa recessão, sempre com uma guerra ainda por ganhar e a outra já perdida, e pouco respeitado pelo mundo fora. Tanta gente desconfiada não pode ser saudável para uma democracia. Agora, optimistas — não. Ninguém o admite. Pelas boas regras do jornalismo, tentei e não consegui que me confessassem o optimismo deles. Não tenho nenhuma fonte, nem uma citação, mas eu sei. Eles estão optimistas. O mais próximo a que cheguei foi conversando com o mecânico da Avenida Halstead, esquina com a rua 100, na empobrecida Zona Sul de Chicago. “Não estou optimista”, disse com um ar sério mas sabendo que estava a mentir: “eu não acho que o Obama deve ganhar — acho que ele TEM de ganhar!”
Ligaram-me de Portugal para dizer que a avó de Obama tinha morrido. Encontrei-me com uma amiga às portas do Art Institue of Chicago. Disse-lhe que a avó de Obama tinha morrido. As pessoas à nossa volta pediram-me para repetir. Horas depois, no autocarro, em conversa com uma pessoa que já trabalhou para a campanha de Obama, fui eu que lhe dei a notícia. E agora estou aqui a escrever sobre o assunto, horas depois de todos os jornalistas e bloggers em Portugal já terem escrito sobre isto. A pessoa que está mais perto da notícia já não é a que está mais perto da notícia — só a pessoa que está no lugar da notícia o é. Isto quer dizer que algumas coisas vão ter de mudar em relação à cobertura noticiosa de acontecimentos a milhares de quilómetros de distância. Para a imprensa escrita, tenho as minhas ideias, e tentei levá-las à prática nos dois textos que saíram no público de hoje. É que continua a valer a pena viajar milhares de quilómetros para observar um acontecimento. Mas não é, por assim dizer, por causa das notícias. É mais por causa das não-notícias. É preciso uma atenção especial para as não-notícias.
Nas zonas pobres, vêem-se as casas entaipadas das pessoas que não conseguiram pagar a hipoteca. São uma ou duas por rua, como dentes cariados numa boca saudável, a parte visível de um mar de problemas. Chicago. — Mesmo numa crise, há pessoas sentadas em cafés e casais passeando pelas ruas (a mulher grávida de sete meses) e velhinhas dando de comer aos gatos. Mesmo em recessão há dias bonitos e sol e toda a gente parece feliz. A história é que nos engana, com o tempo, e acabaremos por atribuir a cada época traços de personalidade bem definidos, como se fossem personagens num romance. As fotografias a preto e branco fazem o resto: para nós os anos trinta foram de filas para a sopa dos pobres. Mas nos anos trinta também havia festas e jazz e gente que namorava ou frequentava os restaurantes.
Bernardo Pires de Lima diz que os europeus adoram Obama mas não é certo que Obama adore os europeus. E daí? Uma resposta possível seria o que aqui diz Ivan Nunes: O que se tem notado menos é que esta simpatia dos europeus por Obama, este encantamento, esta mania, revela muita vontade de gostar da América. Porque Obama, seja lá aquilo que venha a ser, é americano – como indivíduo, como personalidade, como imagem, como história de vida. Não é nem podia ser europeu. Se é amor, não é narcisista. Ora, é muita vontade de gostar da América, depois de anos maus. Mas aqueles mesmos que andaram a distribuir acusações de antiamericanismo («primário», sempre «primário») são os que agora fustigam a credulidade da esquerda e o seu entusiasmo em relação a Obama. Ou seja: afinal os europeus eram muito mais anti-Bush (ou, em alguns casos, “anti-imperalistas”) do que anti-americanos. Foi o que a esquerda andou a dizer desde, pelo menos, a Guerra do Iraque. Tínhamos razão. Quando há razões para gostar da América, os europeus rendem-se. Eu acho normal.
A crónica de hoje no Público (que estará aqui mais tarde) é parcialmente dedicada a um tema muito glosado pela direita nos últimos tempos: a hipotética frustração que sentirão os apoiantes de Obama um dia, quando ele fizer alguma coisa que não nos agrade. Devo dizer que é um pensamento com que posso viver muito bem, e se esse é o melhor consolo que se pode dar aos apoiantes de Bush/McCain agora, pois sirvam-se à vontade. Mas isto relaciona-se com um aspecto geral da política, e até da vida. Vamos sempre arrepender-nos de algo. Se apoiarmos Obama e ele ganhar, claro. Com as coisas que ele fizer, certo. Mas, uma vez que somos apoiantes de Obama, arrepender-nos-íamos mesmo era se McCain ganhasse. Com o tempo, essa diferença há-de ir-se esbatendo, mas para sabermos que ela existe e é importante basta pensarmos nos resultados de 2000, se Gore tivesse sido presidente em vez de Bush. Para os adversários de Bush os oitos anos que passaram foram de recontagem mental, hipóteses e verbos no condicional — e se isto, e se aquilo, etc. Se pelo menos se desfez a ideia de que quase não havia diferenças entre os dois resultados, não existe maneira de provar como não teria sido. Muita gente sugere que Al Gore, mais coisa menos coisa, teria vivido os mesmos acontecimentos — o 11 de Setembro, o furacão Katrina — e que talvez não tivesse reagido de forma muito dissemelhante à de Bush. Devo conceder que se Al Gore não tivesse invadido, torturado e espiado os seus próprios cidadãos teria certamente feito algo que desagradaria ao resto do mundo, até porque o resto do mundo não tem forçosamente de gostar de tudo o que uma super-potência faz. Mas este é o problema que se coloca à acção política em geral. O que está em avaliação é o que acontece e raramente o que não aconteceu e poderia ter acontecido. Só em ocasiões muito singulares uma comparação permite enfatizar o que não ocorreu — por exemplo, quando a moeda de um país vizinho está em queda livre e a nossa não. Na maioria dos casos as coisas não são assim. Quando um furacão chega e os diques aguentam, isso é mera gestão competente. Não se diz que o governante foi um génio ou salvou a cidade. Se a inspecção alimentar é cuidadosa, ninguém conta as intoxicações que não ocorreram. É mais fácil apontar casos de excesso de burocracia e regulações absurdas do que fazer uma notícia com acidentes de trabalho que não aconteceram. Uma dezena de jovens muçulmanos que põe uma bomba em Londres tem mais importância do que cem mil que entram para a faculdade, conseguem um emprego ou arranjam namorada. O que não aconteceu em geral não nos ocupa. O que acontece frequentemente ocupa-nos todos os dias individualmente mas não é detectado pelo radar colectivo. Vivemos assim num estado de excepção jornalística permanente — mas isto já é outra história.
Dos comentários: “continua a boa reportagem, mas fazia falta um guiãozinho para os vídeos: então Chicago é a capital do Illinois?… Isso seria Springfield, a cidade do Lincoln (!) e onde Obama lançou a sua campanha “on a cold February morning”… Só mais um reparo: dizer que Chicago é das cidades com maior percentagem de negros, bom, vê-se que andaste a passear pelo south side. Podem parecer muitos, mas só põem chicago em 46. lugar na lista de maiores aglomerados afro-americanos (http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_U.S._cities_with_large_African-American_populations). Vai a Gary Indiana, hometown dos Jackson 5, ou às cidades do sul, aí sim. E visita a casa do Obama (Greenwood & 51st, em Hyde Park), bem perto da do Farrakhan!” É isso, nos vídeos não dá para corrigir erros. Chicago é a maior cidade do Illinois, mas não a capital, e tem uma percentagem de negros acima da média, mas não das mais altas dos EUA. E pior ainda, eu sabia disso e nem me apercebi que tinha feito os erros ao falar. Quanto à casa do Obama; passei lá perto mas não o vi nem a ele nem ao Farrakhan. Mas o ambiente era simpático e o pessoal parecia entusiasmado com a carreira do vizinho.
O governo socialista vai nacionalizar um banco?!
No South Side from Rui Tavares on Vimeo. algumas imagens de South Side, Chicago.
Em primeiro lugar, agradecimento ao meu amigo Zé Nuno, que é um habitual mago das coisas informáticas e gajo tão mas tão porreiro que está sempre a ser cravado pelos amigos para ajudar nos blogues e nos sites caseiros, ele que tem de ganhar a vida com isto. Tem sido ele a dar-me aqui uma mãozada preciosa neste blogue, que ainda não está como queremos mas mais vem a caminho. Foi ele que postou o primeiro vídeo desta viagem a Chicago, e em princípio será ele a postar os próximos, portanto um abraço Zé Nuno. A propósito de vídeos, só uma coisinha: eu sou um bocado nabo nisto. Texto, desenrasco-me. Fotografias, gosto de as fazer. Agora video — nem por isso. Tolerem portanto as imperfeições que isto vai sendo afinado com os tempos. Hoje o dia foi passado no South Side de Chicago, e meteu música, basebol e conversas avulsas. Tenho de tomar nota disto tudo para o texto do Público, antes que me esqueça, e já venho aqui contar. Entretanto, há novas fotos aqui, incluindo já o South Side (são as últimas vinte ou assim). Vão lá dar uma olhada.