Imaginação, mas não tanta

Se nascem da impotência e da desinformação os rumores, as ilusões coletivas e as imposturas puras e simples, é no desespero que eles ganham o seu potencial de contaminação. No início da Iª Guerra Mundial, com a França em pânico e a Inglaterra receosa, começou a espalhar-se o rumor de que estavam para chegar milhares de reforços russos, vindos pelo Mar do Norte, ou se calhar pelo Mediterrâneo. Havia quem garantisse tê-los visto desembarcar na Escócia, e havia quem garantisse tê-los visto desembarcar em Marselha. A esperança era a de que a Rússia, reservatório inesgotável de homens, viesse in extremis salvar a França das tropas alemãs. Era no tempo em que se achava que a Guerra acabaria pelo Natal.

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Detenham esta catástrofe

O julgamento da posteridade não atrapalha Pedro Passos Coelho porque ele não tem consciência da gravidade do que faz e, se o tem, não parece importar-se com isso. A troika, já se percebeu, é um mero pretexto. Pedro Passos Coelho não se sente preso pelo memorando nem limitado pela Constituição, perante a qual desenvolveu uma estranha técnica: ele diz, propõe ou avança e, se for contrário à Constituição, alguém lho há-de dizer. Ler a lei fundamental propriamente dita, ou pedir a alguém que lha leia antes de abrir a boca, dá demasiado trabalho. E não faz parte do seu modus operandi. A ignorância não é um problema para Pedro Passos Coelho. Ele não sabe, logo não existe. E assim nos encontramos à beira de um novo ano para que os portugueses olham já como se fosse um precipício. Janeiro vai ser o início da rampa; a partir daí, é sempre a cair. Os primeiros recibos dos vencimentos com os respetivos cortes. O brutal aumento de impostos. A amputação de serviços públicos. As privatizações ao desbarato. E os números da execução orçamental, periodicamente, a não baterem certo. Também isto não deterá Pedro Passos Coelho porque, no meio dos escombros, ele tem um plano.

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Albert Otto Hirschman

Há poucos anos descobri mais sobre Albert O. Hirschman. E só então entendi que ele não foi apenas um grande intelectual, mas também um discreto herói da humanidade e um homem justo. Há muitos anos, num fim de tarde numa biblioteca, pedi um livro chamado “As Paixões e os Interesses”, de um economista que dava pelo nome de Albert O. Hirschman, por ter visto numa qualquer nota de rodapé a referência de que ali se encontrava algo relacionado com o meu próprio tema de estudo, ideias sobre política e cultura no século XVIII. Li as primeiras páginas e fiquei agarrado. Como era possível que um economista, que pouco trabalho documental tinha feito, conseguisse ter ideias tão claras — e tão boas — em temas nos quais eu tinha lido dezenas de historiadores de que pouco se conseguia guardar? A resposta estava na clareza e lucidez com que Hirschman conseguia pensar, escrever e relacionar as suas ideias. Depois de ler Hirschman, é difícil “des-pensar” as suas ideias.

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Grandes perguntas

Eu preferiria, para bem do meu país e continente, que a Europa conseguisse encontrar repostas a estas perguntas. Mas se forem outros continentes e países, o que interessa é que se entenda uma coisa: que as respostas que procuramos não as encontraremos sozinhos. O mundo atual está confrontado com grandes perguntas. A primeira delas tem a ver com a democracia, ou seja, com o melhor mecanismo que criámos até agora para encontrar respostas. A democracia não é a solução para tudo, mas é a melhor forma que temos para encontrar soluções. A pergunta é: será a democracia capaz de encontrar respostas para as outras grandes perguntas que a atualidade nos faz? Se a resposta fosse não, seria escusado continuar. Outra das perguntas tem a ver com o próprio planeta.

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Depois é nunca

Na semana passada José Manuel Durão Barroso apresentou um “Plano para uma profunda e genuína União Económica e Monetária” que teve muito destaque na imprensa internacional e alguns elogios inesperados por prever a emissão dos eurobonds que tantos observadores têm declarado como a única possibilidade para estabilizar a zona euro. (Eu vou mais longe: sem eurobonds, desde que entendidos como dívida federal europeia e não dívida mutualizada, o euro não tem futuro.) Que propõe então Durão Barroso?

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Necessidade ou imaginação?

Em geral, o que um humano consegue fazer, outro consegue fazer melhor, ou refazer diferente, ou desfazer para fazer de novo. A tradição que um humano cria, outro quebra. Da prisão que um humano concebe, outro descobre como escapar.  As coisas têm de ser assim, dizem-nos, porque têm de ser assim. Ouvimo-lo quando éramos crianças; quando somos adultos dizemo-lo nós. Antes não o percebíamos, e agora percebemos bem demais: o mundo está cheio de coisas sobre as quais não temos controlo. Mas as coisas têm de ser assim, como? Inventamos teorias: teológicas ou políticas, de esquerda ou de direita. Tem de ser assim porque está escrito neste livro, A Bíblia, ou descrito naquele livro, O Capital. Há diferenças, claro, entre o fatalismo e o determinismo. Mas há também grandes semelhanças. Já repararam como há estirpes de pró-capitalismo e de anti-capitalismo que são praticamente iguais? Para uns o mercado tem sempre toda a razão, para outros o mercado tem sempre todo o poder. Para ambos, o mercado é impessoal, automático, indiferente e indivisível. E assim chegamos à presente crise.

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Da caducidade

Nos últimos dias, a maioria na Assembleia da República fez pior: esvaziou o seu próprio mandato. As instituições não acabam no momento em que desaparecem. Vão acabando à medida em que as pessoas se forem convencendo que elas são inúteis. Esta ideia poderia bem ser considerada pelo nosso parlamento. Ontem, a maioria na Assembleia da República aprovou um orçamento irrealista — baseado em previsões económicas nas quais ninguém acredita —, injusto — punindo especialmente os trabalhadores, os pensionistas, o cidadão comum e, em particular, os mais vulneráveis —, e iníquo — estabelecendo objetivos de desvalorização interna e, em última análise, empobrecimento, que a maioria dos portugueses recusa. Mas, nos últimos dias, a maioria na Assembleia da República fez pior: esvaziou o seu próprio mandato.

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À beira de um ataque de nervos

Um par de anos antes da independência da Eslovénia não havia praticamente eslovenos que a defendessem ou julgassem possível. Entre dezembro de 1990 e junho de 1991, porém, a independência aconteceu, após um referendo realizado contra a opinião do Tribunal Constitucional jugoslavo. Lá foi a Eslovénia, e depois toda a Jugoslávia, da maneira que sabemos, como um fósforo. A Eslovénia era a Catalunha da Jugoslávia — mais rica, fronteiriça, mais próxima do centro europeu. E até há uns meses poucos julgavam que a independência da Catalunha fosse para levar a sério.

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