| Do arquivo Público 07.07.2017 | Quer começar uma guerra? Experimente o seguinte truque: “o ultimato impossível de aceitar”. Escolha a sua vítima, de dimensão comparativamente reduzida, encontre um pretexto para lhe impor condições extremas e espere. Se a sua vítima aceitar, a guerra está ganha sem disparar um tiro. Se a sua vítima não aceitar, aí tem a sua oportunidade para passar à ação. Há milénios que isto funciona. Costuma dizer-se que a Iª Guerra Mundial começou por causa do assassinato de um arquiduque austríaco por um sérvio, em Sarajevo. Sim, e não. O motivo imediato da guerra foi a rejeição de um ultimato-impossível-de-aceitar que a seguir a esse assassinato a Áustria-Hungria (com o apoio tácito da Alemanha) quis impôr à Sérvia. Mas há um porém. Se a vítima do ultimato-impossível-de-aceitar tiver aliados, e se esses aliados tiverem aliados, e se todos esses aliados (diretos e indiretos) perceberem que a guerra contra a vítima é, na realidade, uma guerra contra o poder e a influência dos aliados da vítima, as coisas podem começar a correr mal. E aí o mundo muda. Há cento e poucos anos, as coisas correram mal. Cem anos depois há uma série de países que conhecem bem essa história — foi assim que nasceram, aproveitando a derrocada do Império Otomano na Iª Guerra Mundial — e que estão a reencenar a peça. Esta semana, a Arábia Saudita, o Egito e mais uma série de aliados deram um prazo ao Qatar para aceitar um clássico ultimato-impossível-de-aceitar (entre outras condições, impondo que o Qatar feche a estação televisiva Al-Jazira). O prazo acabou na quarta-feira, foi prolongado mais uns dias, e não produziu para já grandes efeitos. Mas há dois elementos a ter em conta.