Oh os bancos os bancos os bancos

E se fosse possível inverter o ciclo? Um verdadeiro plano de resgate, não para os bancos, mas para a própria política enquanto forma de serviço às pessoas. Muitos dos nossos problemas, particularmente em Portugal, nasceram no tempo em que os estados começaram a concessionar parcelas inteiras das políticas tradicionais do estado à banca. Isto deu-se na saúde, na educação e em muitos outros setores. Vejamos o exemplo decisivo. Nos tempos do pós-guerra os estados empenhavam-se diretamente na política de habitação e com ela faziam política social e política de ordenamento do território. Os bancos, principalmente os públicos, eram parte dessas políticas, mas de forma acessória. Mas houve uma altura, a partir dos anos oitenta, em que os bancos passaram de acessórios a instrumentais, e de instrumentais a essenciais. Passado algum tempo, os bancos eram os donos das políticas, donos dos governos, donos dos donos das casas e por último donos de nós todos. O volume total de créditos sobre hipotecas era em 2008 praticamente o equivalente a dois terços do PIB português. Os resultados foram agradáveis no início e desagradáveis no fim. Os estados podiam estimular a compra de casa própria. O indivíduos e as famílias poderiam, como no poema de Ruy Belo, amar as casas, os recantos das casas, visitar casas, apalpar casas, pois “só as casas explicam que exista / uma palavra como intimidade” (Oh as casas as casas as casas, de 1973). Foi pelas casas que os bancos nos conquistaram.

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O otimista trágico

E é uma questão difícil. Por mais voltas que dê, se nada mudar nas tendências atuais, só vejo os resultados que dei na última crónica. Claro que a expressão operativa é “se nada mudar”. Num país em que tudo se desmanchava — o estado de direito, os direitos fundamentais, a própria democracia — conheci um dia um filósofo que mantinha um sentido de humor notável. Sabendo de como ele era muitas vezes pessoalmente atacado como traidor à pátria quando era, pelo contrário, alguém que amava o seu país e sofria com tudo o que lhe acontecia, perguntei-lhe como era capaz de continuar com aquele ânimo todo. A resposta dele foi: enquanto eu não estiver parado, não me deprimo. Já experimentei baixar os braços. Foi horrível. A partir daí comecei a fazer todos os dias qualquer coisa e nunca mais olhei para trás. Notem agora uma coisa: isto não fazia dele um otimista. Pelo contrário,

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O que está em causa

E sabem que mais? Se olharmos para as tendências das sondagens, o cenário medonho é o mais provável. Vou dar-vos o cenário mau, o cenário péssimo e o cenário medonho, para que depois se possa ver o que verdadeiramente está em causa para o futuro próximo em Portugal. O cenário mau: em 2015 o Partido Socialista ganha as eleições, mas sem maioria absoluta. Para constituir governo precisará do apoio do PSD, ou do CDS, ou de ambos. O Presidente da República, é sabido, tem grande preferência pela solução de Bloco Central para governar o país, no que aliás será apoiado por boa parte da elite económica e da opinião publicada. O problema: para aceitar fazer parte do governo, o PSD porá em cima da mesa a revisão constitucional para diminuir o nível de proteção dos direitos económicos e sociais. António José Seguro já disse que não fará revisões da Constituição antes de eleições, mas não se sabe o que fará depois — e pode ser que não tenha outra hipótese. E mesmo sem alteração da Constituição, as medidas de um tal governo passarão a ter uma aprovação de dois terços do Parlamento — uma maioria “paraconstitucional”, que talvez o Tribunal Constitucional decida valorar como tal: não é tão fácil chumbar uma medida aprovada por uma maioria que poderia mudar a Constituição. Cenário péssimo:

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Atacaram o Portugal futuro

Este governo, decididamente, está a deixar obra para lá do seu mandato. Não quer só destruir o país agora. Quer deixá-lo sem possibilidades de se reconstruir depois. Este governo, decididamente, está a deixar obra para lá do seu mandato. Não quer só destruir o país agora. Quer deixá-lo sem possibilidades de se reconstruir depois. Em três anos, deve haver poucas coisas que escapem à sanha empobrecedora deste governo. Àquelas a que o memorando da troika não obriga lá chegarão eles certamente. É essa a diferença entre um governo de incompetentes e um governo de fanáticos. E que jeito nos dava agora um governo que fosse só de incompetentes. É pois perfeitamente adequado que a última vítima do governo tenha sido o investimento em ciência. Porque não? Uma das poucas coisas que se poderia atravessar no caminho da estratégia do governo seria a possibilidade de uma economia portuguesa mais especializada, produzindo mais valor, fixando mais conhecimento e exportando melhor. Não é isso que o governo quer. Vou até mais longe. O governo quer o contrário disso: o governo quer uma economia de baixos salários, comprimidos pelo desemprego alto, e produzindo barato para exportar mais (mas não melhor), um país a meio-gás para recursos a meio-gás, e tudo isto complementado por serviços públicos a quem se apertou o torniquete.

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Disciplina vergonhosa

Um deputado que admite dar mais peso à escolha do seu nome para a próxima lista do que aos direitos dos cidadãos que representa não está a fazer nada no parlamento. Não venham dizer que o sistema os obriga a votar contra a sua consciência. Ninguém está obrigado a ter medo de perder o lugar na lista. É esse medo que faz dos representantes meros funcionários e que deixa a democracia portuguesa subdesenvolvida. Desta vez o cerne do problema político português ficou à vista de todos e não há como o negar. Como escrevi aqui muitas vezes, o partidismo está asfixiar o parlamentarismo. Com fita de seda. Mas falta pouco para o matar. A Assembleia da República aprovou um referendo iníquo que porá a maioria a decidir sobre os direitos de uma minoria. Pode acontecer: não temos de concordar sempre com todas as decisões do parlamento. Mas o que aconteceu na passada sexta-feira é que a Assembleia da República aprovou esse referendo quando a maioria dos seus deputados estavam contra: de acordo com as suas declarações de votos, a proposta do referendo teria sido derrotada facilmente. Lamento dizer isto, mas os deputados que votaram contra a sua consciência fizeram-no apenas para manter um lugar nas listas de deputados. É uma evidência desagradável, mas uma evidência. E, ao fazê-lo, foram maus deputados. Um deputado que vota contra a sua consciência, numa questão de direitos dos cidadãos, para não desagradar à direção partidária que fará as próximas listas de deputados é um deputado que subverte o espírito da democracia parlamentar. Pode ser um militante leal do partido, mas é um mau representante dos cidadãos.

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Oh França, o teu café pirou-se

Se a França se tomasse simplesmente como um país da União, entre outros, teria muito mais poder. Em muitas ocasiões conseguiria coordenar a posição de todos os que não são a Alemanha. Mas de cada vez que a França pretende mandar na União como “casal franco-alemão”, a realidade foge-lhe da vista mais depressa do que o café se pirava da cafeteira de Luís XV. No tempo em que a França tinha reis e em que os reis de França tinham amantes, Luís XV foi seduzido pela beleza de uma plebeia de nascença chamada Jeanne Bécu, a quem um casamento forjado dera o título nobiliárquico de madame la Comtesse du Barry, e cuja reputação foi fixada por folhetos clandestinos que se vendiam aos milhares por toda a Europa, e que causavam escândalo pelo tom supostamente informal com que a condessa tratava o rei na intimidade. A história que ficou na memória coletiva é a de quando o rei ia visitar a amante aos seus aposentos e se divertia com uma coisa tão prosaica quanto preparar o seu próprio café. Foi num desses dias que, ao ver que o rei se distraía e o café extravasava da cafeteira, a Condessa du Barry lhe lançou um alerta que ficou na história: “Hé, la France: ton café fout le camp!”. O problema não estava só a insinuação de que a amante trataria o rei simplesmente como “o França”, mas também a interpretação que logo se adicionou ao episódio de que ela zombaria do rei pela perda das colónias francesas no fim da Guerra dos Sete Anos. E foi assim que dizer “oh França, o teu café pirou-se” se tornou na forma mais fácil de resumir a ideia de que, enquanto os poderosos de França estão distraídos, a realidade à sua volta muda. ***

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Um presente para Alexandre?

Eu quero o contrário de uma democracia musculada. Eu quero o contrário de uma amálgama entre os dois maiores partidos. Eu quero o contrário de um acordo negociado sem ninguém ver. O que se dá a um homem que já tem tudo? Alexandre Soares dos Santos, um dos donos de uma obscura companhia holandesa chamada Francisco Manuel dos Santos BV, que por sua vez recebe os dividendos e mais-valias das companhias portuguesas Jerónimo Martins e Pingo Doce, não tem dúvidas: ele quer um governo do PS e do PSD, “com um acordo a 10 anos”, feito “à mesa, confidencialmente, sem ninguém ver”, no qual “a revisão constitucional é fundamental”. Este é opresente de Natal que Alexandre Soares dos Santos quer no sapatinho pois, como ele diz, “não podemos é estar constantemente a mudar quando há eleições”. Porque a nós, portugueses, faz-nos falta “uma democracia musculada”. Do alto desta página de jornal, quero agradecer a Alexandre Soares dos Santos a entrevista que deu ao Jornal de Negócios da passada segunda-feira. Estou-lhe muito grato. Coisas destas ajudam a clarificar as ideias. Sendo assim, também eu já sei o que quero para o Natal deste ano, e para os natais dos anos futuros: o contrário do que Alexandre Soares dos Santos quer.

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Amigo da humanidade

Mandela preferiu ser amado a ser temido. Teve o poder absoluto, e não foi minimamente corrompido por ele. Foi aquilo que era. Toda a gente sabe porque gosta de Mandela. Mas, mesmo que fosse possível ler os milhares de textos que sobre ele se escreveram nos últimos dias, seria difícil entender o porquê do porquê. A minha hipótese: Mandela violava as principais regras da cultura política dominante. Por isso, mais do admirá-lo enquanto político que conseguiu coisas boas, adorámo-lo como algo mais do que isso. Curiosamente, este é um daqueles casos em que as banalidades se aproximam muito mais de nos conseguir explicar qualquer coisa do que os contrariadores de banalidades. Vocês sabem do que eu estou a falar. É natural, em ocasiões destas, que se digam muitos lugares-comuns. E é natural, depois, que apareça gente rezigando com os lugares-comuns. Vasco Pulido Valente, nestas páginas, protestava com o facto de não se ter dito que Mandela era advogado ou que pouco se tenha falado do contexto da queda do Muro de Berlim, “trivialidades que, parecendo que não”, etc.. Ora, parecendo que sim, essas trivialidades acrescentam mas não aprofundam. Quantos políticos foram ou são advogados? Quantos viveram durante a queda do Muro de Berlim? Tenho impressão que noventa e nove por cento de todos os políticos atuais.

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Aprender com a experiência

Espero que os resultados do PISA possam ensinar duas coisas ao atual ministro da Educação. A primeira: deve educar-se para os alunos reais, e não para os preconceitos dos pais. A segunda: é preciso aprender com os erros, e corrigir. Em Portugal há muita gente que acredita que se deve educar para os pais, e não para os filhos. Se o pai fez exame da quarta classe, deve fazer-se exame da quarta classe; se a mãe não usava calculadora, o filho não deve usar calculadora; se a avó decorava o dia todo, a neta deve decorar o dia todo. Durante algum tempo, as pessoas que assim pensam dominaram o debate público. Com este governo, chegaram ao poder. E agora está na altura de ver como se têm saído. Uma bitola importante para estas coisas é a avaliação internacional PISA — sigla em inglês do Programa para a Avaliação Internacional de Estudantes — que de três em três anos avalia o desempenho de alunos de vários países em matemática, ciências e leitura. Apesar de todas as dificuldades inerentes aos estudos comparativos, o PISA está bem desenhado e tem reforçado a sua credibilidade de edição para edição. Quando saem os resultados é como se os países tivessem ido à escola, e de certa forma é verdade: no fundo, são os governos ou as políticas educativas que passam ou chumbam nestes testes. Não por acaso, o novo resultado do PISA, que foi divulgado ontem, foi notícia em jornais de todo o mundo. Portugal não foi exceção.

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Isto depende de nós

Não há razão para supor que à escala europeia as conquistas fossem dádivas caídas do céu. Isto depende de nós, muito mais do que se julga. A formação de um governo alemão de “grande coligação” deu azo a uma série de declarações de óbito às pretensões da esquerda sobre a crise do euro e da União Europeia. Deixemos então uma coisa clara: a direita ganhou as eleições alemãs. O governo alemão vai ser chefiado por uma chanceler de direita, com um ministro das finanças de direita, e com políticas maioritariamente de direita. Angela Merkel ganhou as eleições porque foi vista, pelo seu eleitorado, como defendendo os interesses do seu país sobre os interesses gerais europeus. Desde então não seria crível que o essencial da política alemã mudasse, e os parcos ganhos para os interesses dos países periféricos seriam sempre marginais: o desaparecimento dos anteriores parceiros de coligação, os liberais, ainda mais adversários da regulação da banca e de políticas monetárias expansionistas, e a imposição social-democrata de um salário mínimo alemão, o que permitirá o aumento do consumo e indiretamente de importações a partir da periferia. As eleições alemãs poderiam ter ajudado qualquer coisa, mas vão ajudar pouco ou nada. Ponhamos, porém, as coisas nos seus verdadeiros termos:

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