Interrompemos a programação…

Hoje no Público escrevo sobre os meritórios apelos de Salvador Sobral na Eurovisão relativos à nossa incapacidade em lidar com uma das maiores calamidades humanitárias do nosso tempo. “As declarações de Salvador Sobral e o instantâneo efeito de propagação que elas tiveram são mesmo a melhor prova de algo com que eu desejaria concluir a série de três artigos desta semana: há na população europeia uma incompreensão (aliás perfeitamente compreensível) com a incapacidade do projeto europeu em sair do seu umbigo e transformar-se em algo de muito mais ambicioso em termos de valores humanos.”

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Os artigos de fé dos euro-apocalípticos

Se há estereótipo cujo cultivo e exibição é recomendado para dar caução intelectual instantânea no nosso país é o do pessimismo. Com especial destaque para o pessimismo sobre a Europa, atualmente tão em voga. Ontem escrevi no Público sobre como esse pessimismo automático e derrotista pode ser fatal para os interesses de Portugal. “Já seria tempo de pensarmos, por exemplo, se o problema não estará na sofreguidão com que nos colocamos a questão da “última” oportunidade. Noutras paragens até o maior revés na luta pelo progresso social (um exemplo: esta semana, Trump deu um passo de gigante para cortar o acesso à saúde a 24 milhões de cidadãos) é entendido como uma etapa da luta política que um dia poderá ser vencida. Na Europa, pelo contrário, qualquer luta pelo progresso social está condicionada há demasiados anos pela questão de saber se a UE sobrevive. Aqueles que acham que o apocalipse está para breve escusam-se a lutar pela Europa e arriscam-se a cometer o mesmo erro do Brexit: alguns políticos britânicos consideraram que estavam a jogar por antecipação em relação ao fim da UE e arriscam-se agora a ficar isolados se mais ninguém os seguir.”

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Segunda oportunidade para a França, última para a Europa?

Primeiro, as más notícias. A extrema-direita cresceu em França porque durante os últimos quinze anos a liderança política em França deixou tudo na mesma entre 2002 e 2017, entre o pai Le Pen e a sua filha. Depois, aquilo que alguns não querem encarar: não se chega à presidência de França como Macron chegou sem ter acertado em qualquer coisa. Sobre esses dois temas escrevi a crónica de ontem no Público. “A vitória de Macron, sem frente republicana, face ao taticismo e sectarismo de alguns — que aliás só se aperceberão do seu erro moral quando ele se transformar em erro tático nas legislativas — e com números avassaladores tendo em conta as circunstâncias, tem dois momentos reveladores. O primeiro é a sua assunção das bandeiras da União Europeia — em sentido literal. Quando Macron pede aos seus apoiantes para trazerem bandeiras da UE para os comícios, ele não está só a apelar a uma demonstração de europeísmo: está, acima de tudo, a apelar a uma rejeição do assédio cultural com que a extrema-direita francesa tinha conseguido fazer a política francesa envergonhar-se mesmo do mais tímido dos europeísmos. O segundo momento foi quando, ao contrário de Chirac, Macron decidiu debater com Marine Le Pen, acabando a hipocrisia que fazia com que a extrema-direita dominasse a vida política francesa sem que a política francesa a confrontasse olhos nos olhos. Macron aceitou colocar-se projeto-contra-projeto face a Le Pen. Foi feio, foi agressivo, foi brutal, mas foi eficaz: finalmente alguém disse umas verdades à extrema-direita eurofóbica.”

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“Fascismo nunca mais!” é para levar a sério

Há quinze anos Jean-Marie Le Pen passou à segunda volta das eleições francesas contra Jacques Chirac, um presidente e candidato de tal forma embrulhado em casos suspeitos que a esquerda francesa, que o detestava, o chamava comumente de “escroque”. Nessa segunda volta, para fazer barragem a Le Pen, o lema informal da esquerda francesa teve mesmo de ser “votem no escroque contra o fascista”. Faz hoje exatamente quinze anos, Jean-Luc Mélenchon, o candidato da “França Insubmissa” que teve uma magnífica votação no passado domingo, escreveu então uma coluna de opinião para o Le Monde na qual criticava quem pudesse sequer duvidar da necessidade de votar em Chirac para fazer barragem a Le Pen. “Que consciência de esquerda poderia alguma vez aceitar que se endossasse a terceiros a missão de salvaguardar aquilo que é essencial, a pretexto de que esse esforço fosse indigno de nós? Não cumprir com o nosso dever republicano por causa das náuseas que nos dá o meio de ação a usar é sujeitar-nos a um risco coletivo fora de qualquer proporção com o inconveniente individual” que seria votar Chirac contra Le Pen. Como facilmente se imagina, seria possível a milhões de franceses de esquerda evitarem votar por um candidato que detestavam por saberem que a sua vitória estaria, em princípio, garantida: “eu não preciso de fazer nada, porque outros se encarregarão de o eleger”. Contra essa ideia, a argumentação de Jean-Luc Mélenchon em 2002 baseia-se no núcleo central das ideias de esquerda e do próprio ideal republicano: responsabilidade individual contra risco coletivo. Recusar agir em defesa da democracia esperando que os outros o façam por nós não é só indigno: é perigoso.

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Sim, Le Pen pode ganhar

 A poucos dias do termo das eleições francesas, escrevo no Público de hoje incrédulo com uma possível vitória da extrema-direita. Sim, Le Pen pode ganhar. “Marine Le Pen não tem forçosamente de chegar a Presidente para ganhar: o seu objetivo é dominar a política francesa nos próximos anos. E para tal é evidentemente diferente ser derrotada por 80 contra 20 por cento, como o seu pai, ou poder ficar acima dos 40 por cento como agora parece possível. Se isso acontecer, a Frente Nacional pode passar a ser, para todos os efeitos práticos, a oposição em França. Confesso que nunca imaginei que ela fosse ser objetivamente ajudada nesse desígnio — custa escrever isto — por Jean-Luc Mélenchon. Não só porque sempre acreditei que o núcleo da ideologia de Mélenchon fosse o republicanismo e não o sectarismo de esquerda, mas também porque a esquerda será a maior prejudicada por um resultado que parta a França em duas metades quase iguais de que a esquerda não faça parte.”

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Dia do Presidente

A minha crónica de ontem no Público. Leia o texto completo aqui. “Ninguém pode ter a certeza, nem sequer seguir a história até ao fim, nem talvez lembrar-se dela durante muito tempo. Se há efeito que Trump tem é o equivalente a uma doença na memória coletiva. Sem memória, a distinção entre verdade e mentira torna-se irrelevante. Sem memória, a democracia torna-se impossível. A certa altura, milhões de cidadãos vão ter de decidir o que fazer com as suas vidas se não quiserem viver permanentemente na cabeça de Trump. A revolta é uma possibilidade. Mas a apatia e a indiferença são probabilidades maiores. Entretanto, diz-nos muita coisa sobre a criatura que atualmente têm o dedo no botão do maior arsenal nuclear do mundo que as nossas melhores esperanças sobre ele possam ser apenas que ele seja muito venal, muito corrupto, muito incompetente, muitíssimo vaidoso — e não mais do que isso.”

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Almaraz e a soberania

 A crónica de hoje é sobre Almaraz e como não se pode defender nos dias pares uma noção compartimentada da soberania contra a UE, e nos dias ímpares criticar a UE por não ser suficientemente veloz e eficaz a violar a soberania espanhola. Leitura integral no Público. Alguns excertos: “Mas a verdade é que Almaraz se encontra teimosamente em território espanhol, no qual mandam os espanhóis. Para quem acredita na soberania nacional como o regime em que cada país é um compartimento estanque (e há muitos, aparentemente cada vez mais, que nisso acreditam) nada se poderá fazer até ao momento em que o primeiro átomo atravesse a fronteira. E depois ninguém vai pedir o passaporte ao átomo. A soberania do tempo das carroças não é a soberania do tempo das centrais nucleares. No tempo das carroças poderíamos viver bem com uma soberania compartimentada; no tempo das centrais nucleares é difícil entender como poderá a soberania não ser partilhada.” Leia mais aqui.

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Os utópicos são sempre os outros

Podemos combater as alterações climáticas ou a evasão fiscal, regular a globalização ou responder à tragédia dos refugiados no Mediterrâneo sem um modelo de cooperação internacional acompanhado por uma construção europeia? Se não, como? Se sim, qual? Estas são as perguntas que não podem deixar de ter respostas. O José Gusmão escreveu uma resposta ao meu texto sobre o nacional-populismo (aqui) intitulada “O Europeísmo Utópico” (aqui). Começa, portanto, logo bem: como Engels dividia os socialistas em científicos (ele e o Marx) e utópicos (os outros todos), o Zé diagnostica-me um caso de europeísmo utópico e procede a explicar que, por causa de um “triplo não” — não há democracia na UE, não é possível haver democracia na UE e não é possível proteger a democracia no estado-nação com a UE — teremos de optar pelo nacionalismo, resta saber se científico. Estou esclarecido e remeto-me já ao meu lugar: o da esquerda internacionalista. Que não só sempre acreditou que a democracia tinha de ser construída dentro das nações e para lá das nações, como fez da construção de uma Europa unida e democrática (desde primeiros socialistas aos “patriotas dos direitos humanos” de Victor Hugo e, sim, até Rosa Luxemburgo) a sua missão prática. Como ainda — e mais importante — percebeu que sem cosmopolitismo é impossível fazer face aos desafios que toda a humanidade enfrenta. Como podemos combater as alterações climáticas sem um modelo de cooperação internacional? Como podemos regular a globalização sem juntar as vozes de 500 milhões de cidadãos europeus? Como podemos preservar as pequenas e médias nações europeias — e à escala global, são todas pequenas ou na melhor das hipóteses medianas — da pressão que quotidianamente lhes vão imprimir líderes como Trump e Putin? A isto não é dada resposta. O “triplo não” do José Gusmão não nos explica qual é o modelo de cooperação internacional que serviria para enfrentar estes problemas e muitos outros, como a tragédia dos refugiados no mediterrâneo. Qual é pois o modelo? O dos acordos bilaterais, propostos por Donald Trump, e negociados em cada caso por uma super-potência contra um estado em necessidade? Veremos a atenção que vai ser dada às proteções ambientais ou laborais no futuro acordo entre Trump e Theresa May. Será então o dos acordos multilaterais, como o do GATT e outros, com as suas cláusulas arbitrais a favor das multinacionais? Será o da ONU, com um conselho de segurança fixado na IIª Guerra Mundial e dando poder de veto a cinco países sobre todos os outros? Ou vamos então distribuir o direito de veto por todos os países? Mas esse então é o modelo da Organização Mundial do Comércio, e não consta que tenha contribuído para uma globalização mais justa, precisamente porque só os países poderosos alguma vez usam o direito de veto, estando os restantes dependentes deles. Qual será então o modelo? Podemos pensar num modelo em que os estados estejam representados, mas os cidadãos também, através de eleições para um parlamento comum. Em que os cidadãos possam meter em tribunal internacional tanto as multinacionais como as próprias instituições comunitárias. Em que os estados também possam levar outros estados a um tribunal comum por coisas como, sei lá, um dos estados querer construir um armazém de resíduos nucleares ao pé da fronteira com um estado que decidiu não ter centrais nucleares. Podemos pensar num modelo em que haja fundos estruturais, por exemplo, para fazer alguma redistribuição entre estados. Podemos ir mais longe e pensar num modelo em que haja alguma recolha de impostos (sobre tarifas alfandegárias ou transações financeiras, por exemplo) para utilização em fundos conjuntos na área da investigação científica ou das políticas de juventude, por exemplo. Será um modelo com defeitos, mas não se percebe porque não pode ser melhorado e democratizado. É certamente superior aos anteriores e bastante superior ao modelo dos estados-nações compartimentados, à moda do século XIX, no qual também havia credores e devedores e as dívidas eram cobradas à canhoneira. Ou o modelo colonial, que felizmente já não está em cima da mesa. Em todas as possibilidades de modelo descritas acima, já existe na União Europeia algo de semelhante em funcionamento — o que põe em dúvida a ideia de que é impossível construir algo que, no fundo, existe parcialmente, e que não foi provado que não possa ser melhorado. O meu combate é melhorar muito esse modelo, democratizá-lo e dotá-lo de recursos para ter um pilar social reforçado. A questão, para quem não quer esta estratégia, é outra: que ganharíamos nós em desmantelar o que já construímos na Europa? E mais: que ganharíamos nós em destruir o que construímos quando Donald Trump e Vladimir Putin estão mesmo a pedi-lo? Seria preciso responder quais seriam as vantagens de desmantelar a União Europeia neste contexto. Uma vez que se o José Gusmão considera — através do seu “triplo não” — que ela não é, não pode ser, e não é compatível com a democracia, só pode defender sair dela. Ou não? A tempo: nem vou responder à insinuação de que discutir estes temas é contribuir para criar clivagens na convergência à esquerda. É que eu ainda sou do tempo em que defender a convergência à esquerda significava ser chamado de traidor por “aceitar a política europeia do PS, incluindo o Tratado Orçamental”. Se algumas pessoas evoluíram agora para uma posição em que apoiam o PS enquanto este faz por cumprir o Tratado Orçamental, convinha também que evoluíssem para abandonar os velhos anátemas sobre a inconveniência de certas discussões.

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A pasokização do PSD

Crónica de ontem no Público: “A pasokização do PSD”. Ou será a passos-coelhização? Começa assim: “Há um par de anos, um espectro rondava a política portuguesa: era a “pasokização” do PS. Para quem não se lembra, o termo tinha origens no ex-grande partido socialista grego PASOK, que implodiu depois da sua participação em governos de austeridade, tendo sido ultrapassado à esquerda pelo Syriza. No PS, o medo da pasokização foi grande e era por vezes mencionado por dirigentes socialistas como uma das razões para evitar uma solução de bloco central no governo português. Os tempos mudaram, as modas políticas também, e a “geringonça” veio para reinar no palco político onde antes a “pasokização” desempenhara um interessante papel secundário. Isso não quer dizer que o risco de pasokização tenha desaparecido completamente. Às vezes penso que foi simplesmente bater na porta ao lado. Hoje não é o PS, mas o PSD, que se arrisca a entrar numa espiral descendente. Alguns dirão que esta previsão é absurda. O PSD ainda é o partido com o maior grupo parlamentar. O PSD ainda é um partido com uma enorme influência autárquica. O PSD ainda tem cerca de 30% nas sondagens. A palavra operativa em todas estas frases é, contudo, “ainda”. Ora, o PSD está sobretudo ainda em estado de negação: tem pelo menos três problemas que ignora como resolver e faz mesmo por ignorar que existem.”

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