|Do arquivo Público 08.11.2021| Junte-se um grupo de estrangeiros deslocados para Portugal pelas suas companhias, os seus estados, ou pensionistas depois de uma carreira de profissionais altamente qualificados em países ricos, e a descrição que ouviremos de Portugal é quase como de um paraíso na terra. Os diplomatas em início de destacamento começam logo a chorar com o momento em que terão de se ir embora. Os gestores e consultores de topo a inventar desculpas para não sair daqui e já a fazer planos para comprar casa e tirar vantagem do teletrabalho. Os pensionistas aconselham os amigos que deixaram no seu país a fazer o mesmo que eles. As razões são as do costume: a segurança, a paz, a cordialidade, a vida cultural nas áreas metropolitanas, a natureza e a paisagem, a riqueza gastronómica, os cuidados de saúde, a forma como os filhos são tratados e educados, e por aí afora.
Mas o que tem todas estas categorias em comum? É muito simples: auferirem salários ou pensões de países com rendimentos elevados — e em alguns casos, ou já não trabalharem, ou trabalharem em ambientes em que a produtividade vale mais do que as longas horas de trabalho. Assim, a ganhar bem e a trabalhar menos horas, também nós só iríamos para o estrangeiro em férias, em estudo, e pela experiência e a aprendizagem.
Mas não. Portugal para portugueses é uma armadilha de baixos salários; e por isso muitos de nós vêm-se forçados a sair do país e dificilmente conseguirão regressar.
Um estudo do economista Eugénio Rosa publicado ontem caracteriza esta realidade ainda de outra forma: Portugal não é só um país de salários baixos mas está a tornar-se também um país de salários mínimos. O salário minímo, um dos mais baixos da Europa ocidental, tem apesar de tudo aumentado nos últimos anos. Mas o seu aumento não tem sido acompanhado por aumentos nos outros segmentos da escala salarial. Assim sendo, cada vez mais trabalhadores portugueses auferem apenas o salário mínimo, que apesar de ir aumentando é insuficiente para uma vida digna no nosso país, e em particular nas áreas metropolitanas.
A “distorção salarial” no nosso país é ilustrada por Eugénio Rosa com um exemplo alarmante: “No «site» do Instituto de Emprego e Formação Profissional encontram-se 156 ofertas de
emprego para engenheiros civis, eletrotécnicos, mecânicos, agrónomos, etc., cujos salários oferecidos, na sua esmagadora maioria, variam entre 760€ e 1000€. E isto são remunerações brutas, antes de descontar para o IRS e para a Segurança Social. Como é que o país assim pode reter quadros qualificados?”.
A resposta é que não pode. Em particular, os mais jovens não podem. Imaginemos, por exemplo, um casal de enfermeiros: começaram a sua carreira ganhando menos de mil euros; passado uma década, ganham pouco mais do que isso. As horas de trabalho são muitas, as rendas no centro das cidades incomportáveis, as horas no vai-e-vem entre o trabalho e a casa também longas e cansativas. Se for um casal com filhos, as dificuldades multiplicam-se. Mas num contexto de liberdade de circulação, proporcionado pela nossa pertença à União Europeia, há sempre uma solução de recurso: emigrar. Noutro país europeu, os salários serão pelo menos o dobro, a formação frequentemente gratuita, o avanço na carreira garantido.
O resultado é óbvio. Um país que compete com base nos baixos salários, num quadro de liberdade de circulação, acaba a perder boa parte da sua população ativa mais qualificada.
Sair desta armadilha não é fácil: implica um plano a longo prazo com objetivos de aumento de produtividade, um maior grau de especialização na nossa estrutura económica, mais incorporação de conhecimento e tecnologia, a introdução de uma cultura de gestão que favorecesse o trabalho em equipa, a autonomização e a responsabilização dos trabalhadores. Tudo coisas que precisam de ser concretizadas tomando em conta as melhores práticas noutros países e tentando importar, na medida do possível, os modelos de produção mais avançados da atualidade, nomeadamente o da economia do conhecimento. Mas é precisamente porque não é fácil que esta deveria ser a nossa principal prioridade política. E é precisamente porque não é resolúvel a curto prazo que precisa de um grande debate público nacional que produza compromissos políticos duradouros.
E no entanto, o que vemos na política quotidiana portuguesa é estarmos a discutir coisas cada vez mais estreitas e em prazos mais curtos. Assim não vamos lá. E assim, muitos de nós não voltarão para cá.
Se as próximas eleições, decididas em cima da hora pela incapacidade de aprovar um orçamento, conseguirem discutir alguma coisa disto — que é, no fundo, discutir um novo modelo de desenvolvimento para o país — já será um milagre.
(Crónica publicada no jornal Público em 8 de novembro de 2021)