|Do arquivo Público 15.04.2019| Há duas maneiras de noticiar as eleições finlandesas de ontem. A primeira é dizer quem ganhou: o Partido Social-Democrata, de centro-esquerda, ficou em primeiro lugar e deve poder formar governo. A segunda é salientar que o partido Finlandeses, de extrema-direita nacional-populista e herdeiro do antigo partido Verdadeiros Finlandeses, ficou em segundo lugar a poucas décimas apenas dos sociais-democratas. Conforme o jornal ou o jornalista, haverá tendência para optar pela notícia mais seca e sucinta, que é a primeira, ou para intensificar o pânico em que se vive desde 2016, sempre à espera da próxima vitória da extrema-direita algures no mundo.

Curiosamente, nenhuma das formas atrás descritas nos informa muito. Quanto à primeira, ela tem apesar de tudo o mérito de nos dizer que um voto no Conselho Europeu vai mudar de cor política, dos liberais para os socialistas. Quanto à segunda, ela tem o demérito de nos ocultar as tendências mais estruturais do voto, não só na Finlândia, mas em muitas sociedades europeias.Porquê? O que falta então? Falta saber os números. O que é impressionante é que, ficasse quem ficasse em primeiro lugar, nenhum partido na Finlândia poderia sonhar com ter o apoio de mais de um quinto do eleitorado. Na verdade, há cinco-partidos-cinco que têm resultados entre os dez e os vinte por cento. Juntos, eles formam uma paleta quase completa do espectro político (e cultural) de uma sociedade complexa: entre esses cincos partidos estão os sociais-democratas (17,8% – números provisórios), a extrema-direita (17,6%), a direita conservadora (16,7%), os liberais (14,1%) e os Verdes (11,3%), a que se poderia ainda acrescentar a esquerda radical, que não anda longe dos dois dígitos, com 8,3%.Isto significa que a tradicional dicotomia esquerda-direita se mantém, ao contrário do que muitos previam aqui há uns anos. Mas significa também que ela se desdobra e combina com outros eixos sócio-culturais: para além do também tradicional libertário-autoritário temos o nacionalista-cosmopolita. Quando todos esses eixos se intersectam, a política fica dividida não em duas metades nem quatro quadrantes, mas seis ou mais áreas políticas. Pode ser-se de esquerda libertária e cosmopolita, ou de direita autoritária e nacionalista, mas há várias outras permutações também. O que se passa na Finlândia não é, portanto, fora do normal. O mesmo ocorre nos Países Baixos, ou na Alemanha, ou até na Espanha que se começa a habituar ao penta-partidismo. Em muitos destes países a tão propalada subida da extrema-direita tem de ser vista neste contexto: são sim partidos que sobem, ao mesmo tempo que os partidos clássicos do centro-esquerda e do centro-direita descem, mas no caso destes países a extrema-direita não ultrapassa um quinto do eleitorado e só chega ao poder quando a direita tradicional lhe dá a mão.Desta realidade procede uma segunda conclusão: a de que toda a política atual é política de alianças. Ao contrário do que sucedia há umas décadas, é hoje impossível governar sozinho como social-democrata ou democrata-cristão, e é indesejável governar a dois, em “grande coligação” entre o centro-esquerda e o centro-direita, o que só esvazia a alternativa da política e dá azo ao crescimento dos extremismos. O que se pode passar na Finlândia — e é positivo — é os sociais-democratas liderarem uma coligação com os Verdes e a esquerda radical, precisando talvez ainda do apoio de um partido liberal. Se assim for, a diferença em relação à “geringonça” portuguesa residirá no maior grau de formalização de uma tal solução governativa, com a ocupação de cargos ministeriais por parte dos partidos aliados.E aí chegamos a uma terceira conclusão que veremos em poucos jornais no mundo. É que na verdade quem mais cresce na Finlândia não são os vitoriosos sociais-democratas, nem a extrema-direita, mas sim o partido de quem não se fala: os Verdes. E este não é caso único. São os Verdes que mais crescem na Alemanha também, a ponto de não ser completamente impossível que o sucessor da Chanceler Merkel venha a ser um (ou uma) chanceler ecologista. E porquê? Porque os Verdes europeus não hesitaram nunca na defesa dos valores cosmopolitas, pró-imigração e europeístas. Quando outros recuaram com medo da extrema-direita ou, pior ainda, com a extrema-direita tentaram encontrar-se a meio do caminho, os Verdes fizeram uma escolha arriscada: não procurar no curto prazo converter o eleitorado da extrema-direita mas sim conquistar um novo eleitorado para o futuro. A resposta está em que mais uma vez os jovens votaram massivamente nos Verdes finlandeses e um número considerável deles quer ver uma mulher política verde a ocupar a Presidência da República do país.Não espero ver este tipo de análises a fazer manchetes nos próximos tempos na imprensa internacional. Mas a verdade é que enquanto anda tudo a correr atrás dos sucessos da extrema-direita em anos passados (Brexit, Trump, Bolsonaro) há um caminho que se abre para a esquerda, os progressistas e os ecologistas que não se esqueceram dos seus valores e não abandonaram o cosmopolitismo e o projeto europeu.

(Crónica publicada no jornal Público em 15 de abril de 2019)

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