No último Câmara Clara (canal 2:, sextas, 22h30), o crítico e professor Abel Barros Baptista contou uma história sobre um taxista (português) que se tinha queixado a um escritor (brasileiro) da contaminação de brasileirismos no português europeu. A palavra que levantava problemas era “gostoso” que também já em tempos a Bomba Inteligente colocara na sua lista de palavras a abater. A implicação é a de que “gostoso” não pertence à língua de Camões. Chegou pois o momento de resolver o assunto em duas penadas: uma) Já que nesta gostosa vaidade Tanto enlevas a leve fantasia, Já que à bruta crueza e feridade Puseste nome esforço e valentia… duas) Mil vezes perguntava e mil ouvia As gostosas batalhas que ali via. Os Lusíadas, caríssimos. Respectivamente, estrofe 99 do canto IV e 43 do VIII. Nas Rimas e no teatro do glorioso zarolho também não faltarão exemplos. Fica então claro que aquilo que muitos decretam que seja “a língua de Camões” não tem nada a ver com a língua do Camões propriamente dito. Resta acrescentar que “gostoso” não tem nada de brasileirismo (e se tivesse?). No Norte de Portugal é palavra perfeitamente comum, e sempre foi. Arriscaria a hipótese, aliás, de que foram os nortenhos a implantá-la com tanto sucesso no Brasil. O problema é que, para muita gente, tudo o que por acaso ou contigência deixou de se usar no dialecto lisboeta deixou de ter direito a ser “português de Portugal”. O exemplo mais claro é o do gerúndio, que supostamente os portugueses não utilizariam. E depois fazem um esgar de estranheza quando ouvem os brasileiros (ou os portugueses que não imitam os lisboetas) falar português que até pode ser do mais castiço. Camoniano. E gostoso.