Infinita Plasticidade

Jacob Burckhardt — um historiador da arte, de nacionalidade suiça, que viveu durante o século XIX — lamentou-se uma vez escrevendo que “o mundo está submerso em falso ceticismo”, acrescentando logo depois “já que do verdadeiro ceticismo nunca pode haver demasiado”. Não é fácil interpretar isto, mas vale a pena tentar.

Read more
A geração parva

Há mais ou menos dezoito anos, um editorial deste jornal teve a ideia de chamar “geração rasca” aos jovens que na altura tinham mais ou menos dezoito anos. A geração — essa geração, a minha — nunca mais conseguiu esquecer. Com toda a ambiguidade, levámos o nome a peito: ficámos ofendidos com ele, um pouco envergonhados sim, muito irritados também, mas fizémo-lo nosso sobretudo, tentando dar-lhe a volta (a “geração à rasca”) às vezes. Recusámo-nos sempre, sabe-se lá porquê — porque era injusto, digo eu —, a largá-lo.

Read more
Jogo Alto

A história acelera; as respostas chegam quase antes de termos imaginação para fazer as perguntas. Qual é a próxima Tunísia? O Egito. Quanto tempo demorou? Menos de duas semanas. Ainda estávamos a considerar a hipótese de uma revolta civil num país árabe e já Ben Ali tinha apanhado o avião. Ainda os comentadores ocidentais se entretinham com a eventualidade de o exemplo tunisino ser seguido e já havia levantamentos na Jordânia, no Iémen, e no Egito. E agora eis-nos seguindo pela Al-Jazira um vasto movimento de desobediência civil neste último país. E já o líder da oposição, Mohamed el Baradei, fala aos cairotas: não vamos voltar para trás.

Read more
Solilóquio do perdedor

Afinal, as eleições presidenciais provam que é um disparate a esquerda tentar entender-se? Para António Vitorino, sim. Como disse logo na noite eleitoral, “às vezes, há plataformas que subtraem”, disse ele, referindo-se ao duplo apoio partidário — BE e PS — que Manuel Alegre teve. Esta opinião fez logo escola, mas António Vitorino não está tão certo assim.

Read more
‘Não resolvemos nada’

Terminou um ciclo. Estamos tão bloqueados quanto antes. É como se o país estivesse tomado de pânico. Vê o abismo mas não tem vigor para mudar de caminho nem imaginação para inventar um. Sendo eu de esquerda, e agora político, e apoiante de Alegre, sou hoje triplamente derrotado. Entregaremos agora o país à recessão, ao FMI e (talvez em breve) a um prolongado governo de direita, com a esquerda dividida e deprimida. Espero que Alegre use a sua autoridade moral para continuar a acrescentar tolerância à esquerda. Em 2006: que vai fazer Alegre com os seus votos? Em 2011: que vai fazer Nobre? Um palpite arriscado: deve estar neste momento a pensar fundar um partido. Coelho teve 40% na Madeira! Merece exclamação, porque prova que os madeirenses estão fartos de Jardim e descrentes de uma oposição sem vigor contra Jardim. Cavaco. O mito acabou. As notícias sobre a sua casa são graves e demonstram uma desonestidade estrutural que nem eu lhe imaginava. Passou a ser um Sócrates, mas em sonso. Como vai o país aguentar dois assim? Publicado no Jornal Público no dia 24 de Janeiro de 2011

Read more
‘Pequenos milagres democráticos’

O meu pai nasceu em 1929, já em ditadura. Cresceu numa aldeia do Ribatejo, ditadura. Veio a Guerra Civil de Espanha, havia refugiados do país vizinho pelos campos, “comiam até o musgo das paredes, com a fome que tinham” dizia-me ele de vez em quando. Depois a IIª Guerra Mundial, o racionamento, e as irmãs dele — minhas tias — adoeceram gravemente — “entuberculisaram”, como se diz na Arrifana. O pai do meu pai morreu, e era ainda ditadura. O meu pai namorou e desfez-se o namoro, casou e teve filhos e enviuvou, e casou de novo com a primeira namorada e teve mais filhos e, em todo este tempo, era sempre, sempre, sempre a mesma ditadura. (Talvez eu já tenha contado aqui esta história; honestamente não estou certo se o fiz ou não. Para mim é como uma oração familiar.) Só quando o meu pai tinha já cinco filhos e quarenta e cinco anos que viu a democracia pela primeira vez. Poucos depois do 25 de abril viu em Lisboa, numa manifestação, um velhinho que chorava copiosamente num dos passeios da Almirante Reis, enquanto via a multidão subir a avenida. “Achei que já não chegava a ver este dia”, disse-lhe o homem. Um ano depois o meu pai, e espero que aquele homem também, votaram pela primeira vez numas eleições livres e justas.

Read more
O candidato Cavaco tem de nascer outra vez

Dizer que Cavaco é menos sério do que ele pensa parecer é falhar o alvo por baixo. Cavaco é, como revelado pelas últimas semanas, ainda menos sério do que aquilo que eu pensava que ele era — e Cavaco nunca me enganou. Os casos do BPN e da casa na Urbanização da Coelha já são suficientemente graves. Em qualquer país do mundo estes casos seriam escrutinados até ao fim. O BPN, em particular, arrisca-se a custar ao país aquilo que cada cidadãos tem de sacrificar através de dolorosos cortes nos salários e aumentos de impostos. Não me parece que se possa dispensar de explicações qualquer pessoa que tenha tido com este banco, sem pestanejar, lucros que estão para lá dos mais deliciosos sonhos dos clientes de Madoff.

Read more
‘Wikileaks 1 – NATO 0’

A “sabedoria convencional” — noção tão útil quanto saborosa concebida pelo economista John Kenneth Galbraith — necessita daquele adjetivo por esta razão: é principalmente convencional e não sabedoria. Se fosse sabedoria diríamos dela apenas que é sábia. Ao qualificá-la de convencional explicamos que ela parece sabedoria pelo seu aspecto formal, admitido e, em certa medida insincero ou até mesmo fajuto: pseudo-sabedoria.

Read more
Alegre

Os cartazes de Manuel Alegre nas ruas, há cinco anos, tinham apenas as palavras “Livre, justo, fraterno” — a descrição idealizada do país, tal como aparece desejada no preâmbulo da Constituição — redigido pelo próprio Manuel Alegre. Esta escolha era puro Manuel Alegre. Pelo gosto de palavras que eram belas, mas não apenas isso; concretas e mobilizadores. E sobretudo por que nenhum marqueteiro, nenhum diretor de campanha, o aconselharia jamais a fazer um cartaz assim, tão desformatado dos códigos publicitários. Manuel Alegre acreditava na palavra livre, na palavra justo, e na palavra fraterno — não um acreditar de fé, mas um acreditar de conhecer aquelas palavras por dentro e saber o que elas podem fazer. Teimosamente, insistiu. Teve vinte por cento.

Read more
Cavaco

A principal — talvez única — proclamação política de Cavaco Silva para esta campanha foi considerar que Portugal deveria abster-se de comentários sobre a situação política na Europa e a crise do Euro. Segundo ele, tais comentários seriam entendidos como “insultos” pelos investidores internacionais e deixar-nos-iam à mercê da retaliações destes — com juros mais altos sobre a nossa dívida. Silêncio contra segurança — eis o que nos propõe Cavaco.

Read more
Skip to content