A cidade transforma qualquer coligação de minorias em gente que está junta no mesmo barco.
Escrevi várias vezes que Obama ganhou as eleições com uma coligação de minorias (dos negros aos latinos aos jovens e aos brancos com formação universitária) que se tornou uma maioria plural. Mas há outra forma de olhar para o mesmo universo de pessoas e concluir têm uma coisa importante em comum: a maioria vive em cidades.
Isto não tem nada de surpreendente. Uma vez que a maior parte da população humana vive agora em cidades, não se pode pensar em ganhar eleições sem ganhar uma grande proporção destes votos.
Surpreendente é ver como o discurso político se dedica pouco aos problemas urbanos (que, para os efeitos desta crónica, incluem os subúrbios). As grandes generalizações de que falam os políticos, da globalização à crise e ao clima, concretizam-se nas cidades à frente dos olhos das pessoas. A cidade é o grande nó dos nossos problemas. Ao mesmo tempo, é na cidade que mesmo uma pequena solução para desatar um pequeno problema causa rapidamente o maior alívio para o maior número de pessoas.
A cidade transforma qualquer coligação de minorias em gente que está junta no mesmo barco. Se o centro da cidade voltar a ter mais habitantes, morando mais próximo do local de trabalho, isso é um alívio até para quem chega dos subúrbios. Se os transportes públicos melhoram e servem mais gente, todos respiram um ar melhor. E por aí adiante, para o bem e para o mal: é nas cidades que teremos de nos preparar para a escassez, se a crise for mais prolongada e profunda do que desejamos.
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Tem faltado à política este nível concreto, onde uma pequena mudança faz a diferença. Não estou a falar da tampa de esgoto reparada, embora isso não seja mau, mas de uma perspectiva transversal, comum a qualquer cidade. Nela há dois problemas fundamentais: habitação e transportes. Onde morar e como ir de um lugar para outro.
Na habitação, deixámos que o valor social da casa, o benefício colectivo da sua função essencial (que é ter gente a viver nela) fosse completamente excedido pelo seu papel instrumental na bolha especulativa do momento. Como resultado, temos casas a mais nos lugares errados, construção antiga em ruínas nos lugares certos e (nos piores casos) uma distribuição neo-medieval das populações por bairros sociais e condomínios de luxo.
Nos transportes, darei o exemplo português do PSD, um partido completamente dessintonizado das cidades, e logo do nosso tempo — e logo, um exemplo de como não falar sobre o assunto.
Eu aplaudiria se Manuela Ferreira Leite me dissesse que não quer investir no TGV para optar por uma completa renovação dos transportes públicos dentro de cada uma das nossas cidades. Mas ela não me diz isso, nem nada sobre transportes, excepto uma tirada ignorante sobre a construção do TGV ir dar trabalho a imigrantes (como se isso fosse mau — os imigrantes pagam segurança social e impostos — e esquecendo que quando o TGV servirá uma comunidade de quadros que trabalhará para clientes em Lisboa e Madrid).
Ao nível local em Lisboa, o PSD prepara-se para chumbar uma rede de bicicletas interligada à rede de transportes públicos sob o argumento de que é “um absurdo investir cinco milhões de euros anuais” potencialmente recuperáveis nesta medida. É uma posição que, por si só, é um escândalo de lesa-cidade, o que já nem surpreende. Mas custa a crer que o PSD queira apresentar-se assim ao eleitorado jovem e educado da capital, ou ao eleitorado urbano do país. De caminho, ajuda a explicar por que não consegue ganhar eleições.
[do Público]
One thought to “Nó de problemas, nó de soluções”
“Mas há outra forma de olhar para o mesmo universo de pessoas e concluir têm uma coisa importante em comum: a maioria vive em cidades.”
Exactamente. Ou por outra: o Bush, a Palin, são da província. Hei-de desenvolver este assunto um dia.