Vocês decidam-se, pá. Ou Obama é um político de plástico, ou Obama é demasiado radical. Ou Obama não quer saber da Europa, como diz Vasco Pulido Valtente, ou Obama cometeu um crime de lesa-pátria ao discursar para 200 mil pessoas em Berlim, como diz a direita americana. Ou Obama é um risco demasiado grande num mundo perigoso, ou não há risco, porque nenhum presidente consegue mudar a política internacional dos EUA (e como se explica Bush?). Ou Obama é um intervencionista ou um isolacionista (nenhuma das duas: em política internacional parece ser mais institucionalista e multilateralista do que é comum nos EUA). Ou o pessoal vota em Obama só por ser negro, ou por ele ser um intelectual com ideias a mais. Ou a esquerda europeia é cega no seu antiamericanismo, ou a esquerda europeia está cega na sua paixão por Obama. Não pode ser tudo verdade ao mesmo tempo.
Mas provavelmente a explicação para as contradições está nisto mesmo: a preocupação não é com o que está a acontecer, mas em reagir à reacção da esquerda europeia. É uma lástima, porque o que está a acontecer é mais interessante.
Obama é mais do que um candidato histórico por ser negro. O que ele fez na semana passada foi propor a reinvenção de uma tradição política: a do progressismo americano.
Mesmo neste curto espaço, sou forçado a precisar um pouco a terminologia. Na Europa, “progressista” significou em tempos um comunista que não queria dizer que era comunista. Não é disso que estamos a falar. No panorama americano o “progressivism” é uma tradição que tenta superar a polarização habitual em duas famílias: conservadores mais à direita e liberais mais à esquerda, com claríssimo ascendente dos primeiros na última geração.
O domínio ideológico conservador, que vem dos tempos de Reagan, trouxe consigo o triunfo da “trickle-down economics”: cuidar do topo da pirâmide onde estão as grandes empresas e os ricos e esperar que os seus investimentos acabem por “pingar” para quem está em baixo. Só que em tempos de crise não pinga nada, e a ideologia dominante diz que tudo o que o governo fizer para ajudar quem está em baixo é pernicioso. É o momento para virar esta narrativa do avesso.
Nenhum candidato presidencial democrata da última geração foi tão claro, como Obama na semana passada, ao denunciar a “sociedade de proprietários” (ownership society) como não passando da sociedade do “desenrasca-te a ti próprio” e ao defender que uma sociedade com justiça social resiste melhor às crises e as supera mais depressa. Coisa curiosa: o trecho onde ele expôs o seu ataque veio de um discurso feito há mais de três anos numa universidade americana, muito antes de ser candidato. Não o digo para lhe elogiar a coerência, mas para notar uma coisa muito mais importante. Ele acredita, com razão, que este discurso pode ganhar.
O entusiasmo da esquerda europeia explica-se então facilmente. Há muito tempo que ela vê os buracos na narrativa liberal-financeira dominante; mas não tem nada para propor em troca (a prestação de Ségolène Royal em França foi uma espécie de apogeu do vácuo). Pessoalmente, nem tudo me agrada no “novo progressismo” de Obama, a começar pelo seu genuíno paternalismo; digo também, desde a primeira crónica do ano, que nenhuma das suas propostas se concretizará sem forte oposição dos beneficiários da política dominante.
Mas confesso: é uma beleza ver surgir um discurso claro à esquerda, com o qual teremos muito a aprender na Europa. E uma beleza maior ainda ver que os seus adversários só lhe sabem reagir, mas não lhe conseguem dar resposta.
01.09.2008, Rui Tavares
One thought to “O que é o “novo progressismo””
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