|Do arquivo Público 15.01.2018| Quando acerto numa previsão sinto-me no direito de o dizer aqui, porque isso permite aos leitores acompanhar os pressupostos de que se fazem estas crónicas e perceber a prazo se estão certos ou não. Quando erro numa previsão, é o mesmo mas ao contrário: sinto-me na obrigação de o anunciar.
É o caso hoje. Na última crónica escrevi que, “se tivesse que apostar” diria que Santana Lopes iria ganhar as eleições no PSD porque foi aquele que obrigou o seu adversário, Rui Rio, a mais erros políticos não forçados. Foi mais um bitaite que uma profecia. Ainda assim, estava errado. Ora, tal como quando se acerta, o mais interessante é perceber os pressupostos que levaram ao erro.
Quando escrevi que Rui Rio cometeu “erros políticos não forçados” estava a pensar sobretudo na sua admissão de que poderia apoiar um governo minoritário do PS. Como é fácil de perceber, esta posição pode ter bons argumentos de politica nacional a favor, mas como posição de política partidária assemelhou-se a um tropeção. Em primeiro lugar, espera-se do candidato à liderança de um dos dois maiores partidos portugueses que diga o que fazer quando vai ganhar e não quando o outro partido ganhar. Mas isto é o menos. O mais importante é que seria de esperar que os militantes do PSD, no pós-geringonça, queiram tudo menos viabilizar um governo do PS. A análise de Rui Rio é fria, mas as emoções dos militantes do PSD ainda estão a quente. O meu pressuposto era: é taticamente errado ir contra essas emoções.
Ora, o facto é que Rui Rio ganhou. Se a sua posição estava taticamente errada ou não pouco importa agora. O que importa é que ela não o impediu de ganhar. E portanto passou a haver um líder no PSD que parece encarar o PS como o verdadeiro pivot da política portuguesa, o qual seria necessário atrair para que ele não fuja para os braços da esquerda. E a primeira parte deste raciocínio não é mentira. O PS é, de facto, um partido-pivot da política portuguesa. Muito lamentei eu que, durante anos, a esquerda se tivesse recusado a tirar disso consequências e não aceitasse entender que de cada vez que enjeitava trabalhar com o PS estava a atirar a política portuguesa para os braços da direita (sim: não só o próprio PS mas toda a política portuguesa para os braços da direita, enviesada que ela ficava pelo facto de não haver nunca convergências à esquerda).
Isso, finalmente, mudou. As eleições de 2015 e a formação da chamada “geringonça” representaram um momento-chave da modernização política de Portugal, ao possibilitar equilibrar finalmente o sistema político português. Em Portugal governa a esquerda quando tiver maioria e a direita quando tiver maioria, como é normal e saudável. Há alternativas claras.
A chegada de Rui Rio à liderança do PSD poderia hipoteticamente beneficiar o PS — ao dar-lhe mais escolhas de caminhos para chegar ao poder — e prejudicar o CDS, que se tornaria mais dispensável para maiorias com o PSD. E estas possibilidades aguçariam o apetite dos centristas no PS mas também daqueles que, à esquerda do PS, nunca estiveram confortáveis com a participação na governação e assim veriam uma oportunidade para entregar o poder ao seu alegado pior inimigo — o bloco central — enquanto fariam dele o melhor aliado para uma estratégia de crescimento a partir da oposição.
As primeiras impressões são, no entanto, enganadoras. O PS não sairia beneficiado por “ter mais escolha”, porque ceder ao canto da sereia de um suposto apoio de Rio a um governo minoritário do PS significaria fazer a política portuguesa voltar para trás, tornar o PS refém da direita, devolver ao BE e ao PCP a carta de alforria para o sectarismo e acrescentar Portugal à lista de países em que uma mudança de governo não muda coisa nenhuma.
Para não turvar as águas, creio que é ao PS que convirá agora clarificar: se bem que o diálogo sobre matérias estruturantes faça em geral sentido, nada na cultura política, na visão ideológica ou na maneira de entender o estado aconselha aproximar governativamente um partido da esquerda, ou mesmo do centro-esquerda, de um PSD liderado por Rui Rio. Dê-se as boas vindas ao novo líder do PSD, mas nada de confusões. Em 2019, a direita que obtenha a maioria se quiser governar, e a esquerda que nem pense em desresponsabilizar-se de governar se tiver a maioria.
(Crónica publicada no jornal Público em 15 de janeiro de 2018)