|Do arquivo Público 12.01.2018| Numa visão piedosa, seria bom que o PSD revelasse ser outra coisa que não aquilo que nos mostrou nas últimas semanas. Seria bom para o PSD e seria bom para o país. Seria até bom para o governo e a maioria parlamentar que teriam de dar o seu melhor para responder a uma oposição renovada, cheia de ideias e bem liderada.
Essa visão piedosa depende, porém, de o PSD realmente existente ser substancialmente diferente do PSD que a gente vê. E para melhor. Caso contrário, que será então melhor para o país? Ter ilusões sobre o que representa o maior partido da oposição? Fazer votos para que um dia apareça outro PSD sem que tenha que haver uma profunda mudança de cultura no partido? Disfarçar perante a miséria que esteve à vista de todos durante semanas? Definitivamente não.
O PSD apresentou-nos duas versões do vazio. As análises dos debates entre Rui Rio e Santana Lopes foram unânimes: os candidatos passaram mais tempo falando do passado do que do futuro, mais tempo falando das quezílias do que das propostas, mais tempo falando daquilo que fariam quando perdessem em 2019 do que aquilo que fariam se por acaso ganhassem as próximas eleições.
Sendo assim, a versão piedosa não é boa para ninguém. Não é boa para o país, não é boa para o PSD, não é sequer boa para o governo e a maioria. Fingir que temos pela frente um PSD com mais conteúdo do que aquilo que vimos nas últimas semanas seria participar numa fantochada.
Rui Rio, que se apresentou na corrida à liderança com uma imagem de coerência nas atitudes e intolerância com a más práticas partidárias, começou logo por se contrariar em elementos básicos do seu discurso (veja-se a maneira como ele atacou Maria Luís Albuquerque durante o governo Passos Coelho e a forma como a bajulou quando achou que poderia ganhar o seu apoio numa apresentação de candidatura perante o grupo parlamentar) e acabou por escolher para seus operacionais alguns dos elementos mais manhosos da concelhia do PSD em Lisboa.
Santana Lopes não é famoso pela sua coerência. Mas paradoxalemente, Santana Lopes é coerente numa coisa. Santana Lopes é sempre Santana Lopes — e nesta campanha foi o mesmo Santana Lopes de sempre. Abusando dos truques nos debates, das rasteiras retóricas e da obsessão em não ver na sua passagem pelo governo aquilo que toda a gente viu. O Santana Lopes de 2005 não merece uma segunda oportunidade em 2019. E no entanto, se eu tivesse de apostar, diria que é ele que ganha o partido — porque no jogo jogado foi ele que forçou Rui Rio a cometer mais erros políticos durante a campanha.
Poderia dizer-se que estou a ser injusto. E estou. Estou a ser demasiado generoso. Poderia dizer-se que o partido não se resume a estas duas figuras. É verdade. Mas a verdade é que este é o partido que em 2019, no pós-troika e no tempo da geringonça, só deu estas duas opções ao país. E, suprema desconsideração, é este o partido que na ponta final da corrida pela liderança nos apresentou como homem-de-estado… Miguel Relvas. E este é o partido que, sob a capa de ser um partido de governo e de largo espectro acha que é sustentável continuar a não se definir ideologicamente. É consensual que os debates tiveram pouco ou nenhum conteúdo. Mais notável ainda é que, no pouco conteúdo que ainda caridosamente se pode tentar descortinar, há zero de social-democracia.
Sei que há gente no PSD que gostaria que isto não fosse assim. Quero crer que há gente no PSD que teria capacidades para que isto não fosse assim. Então porque não se apresentaram a estas eleições? Para esperarem que o próximo líder perca e que só então possam avançar? A liderança do maior partido da oposição não é interessante neste momento porque os números das sondagens ainda não são bons? Pobre país.
(Crónica publicada no jornal Público em 12 de janeiro de 2018)