Chegou o momento de todos os poderes na Europa reconhecerem o óbvio: cinco anos desta insanidade política e económica na União criaram um eleitorado firmemente anti-austeridade, mais ainda nos países que mais sofreram. Esse eleitorados não são anti-euro nem anti-europeus. Pelo contrário, são cidadãos que querem um modelo dedesenvolvimento para os seus países que passe pela valorização, e não pela desvalorização.
Como os revolucionários franceses, que começaram um calendário novo a partir do ano Iº da República, em 1792, poderíamos dizer que estamos no ano Vº da Austeridade.
Quando os gregos forem às urnas, no próximo dia 25 de janeiro, estaremos a quase cinco anos da aprovação do primeiro pacote de austeridade, nos inícios de fevereiro de 2010. Foi o primeiro ato de uma política coordenada entre todos os governos da zona euro e centralmente implementada, sem descanso e sem piedade, nos países periféricos, através da troika.
Foi também um enorme fracasso:
a economia grega contraiu 25%, a dívida pública, que se pretendia conter, duplicou, e o desemprego triplicou, atingindo bem mais de metade dos jovens gregos (que ainda restam no país). Um quinto do país vive abaixo do limiar da pobreza. A implementação desta política estava dependente de um sistema político viciado e incapaz de reformar-se, minado pela corrupção e deslegitimado pela fuga aos impostos, e que agora foi incapaz de eleger um novo presidente da república. A Grécia era um país cheio de problemas; a austeridade deixou-a à beira de ser um estado falhado.
Mas pelo menos, ao falhar, o sistema deixou a porta aberta a eleições. E pela primeira vez pode haver uma oposição eficaz à austeridade. O já célebre partido Syriza, de esquerda radical, parece partir em primeiro e, embora seja difícil conquistar uma maioria absoluta ou mesmo até segurar a vantagem indicada pelas sondagens, não está sozinho: a oposição à austeridade é claramente majoritária na Grécia. Por isso será de esperar um mês dechantagens e pressões para que os gregos mudem de ideias e reconduzam um governo austeritário ao poder. Além dos suspeitos do costume — o governo alemão, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional — o primeiro-ministro em fim de mandato, Antonis Samaras, já disse que as próximas eleições decidirão se a Grécia continua na União Europeia e no euro.
Esta última ideia não é só uma chantagem — é um absurdo que há que recusar. A Grécia não pode ser expulsa da União Europeia, e sem isso tampouco pode ser expulsa — ou sair unilateralmente — do euro. Além disso, mais deoitenta por cento dos gregos pretendem que o seu país continue na moeda comum e a opinião favorável à saída da União é meramente residual. Os gregos têm todo o direito a fazer as suas escolhas eleitorais, e o próximo governo grego, desde que seja democrático e defenda o estado de direito, não estará a violar os pilares fundamentais da União.
Chegou o momento de todos os poderes na Europa reconhecerem o óbvio: cinco anos desta insanidade política e económica na União criaram um eleitorado firmemente anti-austeridade, mais ainda nos países que mais sofreram. Esse eleitorados não são anti-euro nem anti-europeus. Pelo contrário, são cidadãos que querem um modelo dedesenvolvimento para os seus países que passe pela valorização, e não pela desvalorização, seja ela externa (saída do euro) ou interna (compressão salarial).
As próximas eleições na Grécia, como as que virão em Portugal e na Espanha, darão naturalmente voz — e talvez poder de decisão, através dos governos nacionais — a estes eleitorados. Chegou a vez de essas vozes chegarem ao Conselho Europeu. Habituem-se.
(Crónica publicada no jornal Público em 31 de Dezembro de 2014)
3 thoughts to “Tudo em aberto”
A austeridade falhou como era previsivel que falhasse, falhou com estrondo, até o artigo que se basearam para aplicar a austeridade foi desmentido. Mas os 10% mais ricos ficaram ainda mais ricos, podem contratar os publicitários e politicos que quiserem.
Caro amigo Rui Tavares
Nesta Europa despida de valores, desorientada, encoberta numa nuvem negra, que poucos vislumbram e acreditam. Vamos ter muito que suar para mantê-la unida e fraterna.
Nos tempos que correm temos que enfrentar os fundamentalistas religiosos, os corruptos legais, os capitalistas exacerbados, os políticos sem ética, os países egoístas a olhar para o seu umbigo.
Para uma mudança radical teremos que apoiar os povos mulçumanos a ter uma vida digna na sua terra, sem necessitar de correr riscos de vida. Temos que passar a não dar cobertura a actos que hoje são legais, mas que no fundo, são actos que prejudicam estados e seus povos. Temos que ter uma sociedade mais controlada, onde um centimo tem valor. Por isso a fuga de capitais possa ser controlada com eficácia suficiênte para o infractor seja logo apanhado. O políticos deviam ser escolhidos e mais do que ninguém controlados para que não tivessem tempo de pensar em corrupeção.
Em termos de países, temos a Alemanha, que gostou de ser ajudada no pós guerra, mas que, quando ajuda na actualidade pensa nos dividendos que vai alcançar. Sim, Alemanhã que não pensa, que caso os outros países da Europa lhe fechassem a porta aos automóveis produzidos no seu país, o que seria da Alemanha?
Por tudo isto, temos Todos que questionar do que queremos da Europa.
Caro Rui,
Não sei se já foi à Grécia, mas se foi e se teve contactos no mundo de negócios pôde facilmente perceber que, apesar de ter a mesma população de Portugal, era um país 20 anos atrasado em relação a Portugal embora tivesse um PIB 50% maior.
O problema era que esse PIB era completamente falso, criado por 15 anos de aldrabices contabilísticas. Por isso quando estourou, claro que ia “contrair 25%”.