Se acham que isto é mau, pensem que ao menos não temos o quarto cenário: o nuclear. A Ucrânia tinha o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, herdade da URSS, mas devolveu-o em troca da sua integridade territorial.
Quais são as opções daqui para a frente?
Um primeiro cenário é relativamente curto e benigno. Não chega a haver derramamento de sangue entre russos e ucranianos na Crimeia, nem invasão em larga escala de território ucraniano. Tanto a Rússia como os EUA e a UE conseguem salvar a face. No caso de Putin, porque as tropas que estão a ocupar a Crimeia não são assumidas diretamente como fazendo parte do exército regular russo. No caso de Obama e dos europeus, porque após esta rápida escalada há um desinvestimento na conflitualidade. Para compor as coisas, o novo governo ucraniano é levado a fazer concessões linguísticas e a conceder mais auto-governo às regiões russófonas. Toda a gente recobra os sentidos e entende que não podemos ter, em pleno século XXI, uma crise típica do século XIX. Para isso terá ajudado o tombo que deram os mercados nos últimos dias e a interdependência entre os líderes da Rússia e da União Europeia. O mundo acorda deste mau pedaço como quem se tivesse embebedado na noite anterior e agora não tenha mais do que encarar a ressaca.
O ponto de partida do segundo cenário é um “conflito congelado”, semelhante aos que existem nas ex-soviéticas Abcázia e Ossétia do Sul, no Nagorno-Karabakh, na Transdnístria. A maioria russa da Crimeia declara a sua independência e pretende continuar a sua vida como normalmente naqueles territórios sem reconhecimento internacional mas sob proteção mais ou menos direta da Rússia. A Ucrânia não reage, não há guerra, e o conflito fica assim: na letra da lei o território continua sendo ucraniano, na prática é governado pelo parlamento local, assistido pela marinha russa.
Só que a Crimeia e a Ucrânia não são a Ossétia do Sul e a Geórgia. Um “conflito congelado” ali arrastará as relações entre a Rússia, a UE e os EUA de novo para uma guerra fria. Do lado ocidental, dir-se-á que para impedir os russos de avançarem sobre outras partes da Ucrânia (a joia da coroa é a cidade de Odessa, já nas portas da União Europeia) é preciso impor sanções. É possível que a Turquia — que já declarou a solidariedade para com os tártaros da Crimeia — se decida, ou seja convencida, a fechar os estreitos do Bósforo e basicamente encerrar a marinha mercante russa no Mar Negro. Qualquer retaliação sobre os turcos é um caso sério, porque a Turquia pertence à NATO.
O terceiro cenário é o de guerra quente, não entre a Rússia e os ocidentais (a única hipótese que parece, e ainda bem, excluída), mas como resposta dos ucranianos aos russos. Toda a gente parece partir do princípio que a superioridade do exército russo é tão grande que uma guerra destas só poderia interessar a Moscovo. É verdade que a Rússia tem seis vezes mais tropas do que a Ucrânia, mas essas tropas precisam de estar em vários sítios de um país vastíssimo; as tropas ucranianas só precisam de estar num lugar, que é a própria Ucrânia, e arrastar a Rússia para uma guerra assimétrica.
Se acham que isto é mau, pensem que ao menos não temos o quarto cenário: o nuclear. A Ucrânia tinha o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, herdade da URSS, mas devolveu-o em troca da sua integridade territorial.
Até por isso, seria bom que na União Europeia (onde ao contrário dos EUA, somos vizinhos da Rússia) todos os esforços se concentrassem em conseguir o primeiro destes cenários.
(Crónica publicada no jornal Público em 05 de Março de 2014)
One thought to “Cenários da crise”
o 2º é a subvenção europeia a uma ucrânia que se desmorona no donetz
e em pequenas cousas que podem acontecer nos gasodutos
basta um maluco para destruir quilómetros como no iraque
ou no cu vaite
o problema maior da ucrânia é ela ser um microcosmos duma europa em secessão,,,,