Claro que entretanto toda a gente já proclama que a troika foi uma solução ad hoc, e que não deve ser repetida. Mas não podemos ficar por aqui. Danos injustos e desproporcionados foram causados a milhões de pessoas. Alguém tem de pagar. Onde houve um dano deve haver uma compensação.
Desde as crónicas em que primeiro mencionei a possibilidade de ilegalidade da troika, e depois tentei demonstrá-la, que o processo às políticas de austeridade se tem vindo a acumular. Realizaram-se as visitas da delegação da Comissão de Economia do Parlamento Europeu aos países da crise e os seus co-relatores fizeram já uma crítica muito sólida dos mecanismos usados pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Indo mais longe até do que eu pensava que iriam, não foram só os erros de previsão económica e outras questões técnicas que ocuparam os relatores. Eles pronunciaram-se também sobre a questão de fundo, a saber: que a troika não tem cabimento nos tratados europeus, por possuir poderes de decisão que não lhe foram outorgados, e por albergar uma instituição extra-União (o FMI) com o qual não há nenhum tipo de acordo, que necessariamente teria de ser ratificado pelo Parlamento Europeu, para cooperação entre esta instituição e a zona euro.
Claro que os artífices da troika, tal como certos estados-membros e o comissário Olli Rehn, tentam tapar o sol com a proverbial peneira. Alegam que a troika não manda nada, que a troika não toma decisões, que a troika, no fundo, nunca existiu. Mas os relatores do Parlamento Europeu estabeleceram bem que a troika toma decisões e, em muitos casos, impõem essas decisões aos estados que do seu assédio são vítimas.
Agora há mais: um novo estudo encomendado pela União Europeia dos Sindicatos a um professor da Universidade de Bremen, Andreas Fischer-Lescano, defende que a ação da troika viola a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. O professor Fischer-Lescano critica mesmo o inquérito do Parlamento Europeu por “quase não ter olhado para a dimensão de direitos humanos” que foi posta em causa pela troika quando, por exemplo, esta forçou países a baixarem os seus salários. “A estabilidade financeira”, diz ele, “foi posta acima de todas as outras considerações”, mesmo as que são essenciais à própria estabilidade financeira (como a estabilidade social). E, embora os próprios países tenham tomado a decisão soberana de assinar os memorandos de entendimento, alega o jurista que “há limites para o que se pode pôr num memorando” sobretudo quando a alternativa do país é a bancarrota. Como para os indivíduos, para quem a escravatura por dívidas foi abolida, também para os estados há de se chegar à conclusão de quem nem tudo é possível fazer com um país endividado.
A Carta dos Direitos Fundamentais é um documento admirável, muito mais abrangente do que os poucos artigos dos tratados sobre os valores e os objetivos da União que eu tenho usado nestas crónicas, exceto por um defeito: o seu artigo 51 que limita a aplicação da própria Carta, não a deixando penetrar na ordem interna dos estados.
É essa a maravilha da análise do professor de Bremen: a cláusula de limitação da Carta dos Direitos Fundamentais aplica-se aos estados, mas não às instituições da União. E a troika tem duas delas — a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu — que, se justiça fosse feita, deveriam estar agora em apuros.
Claro que entretanto toda a gente já proclama que a troika foi uma solução ad hoc, e que não deve ser repetida. Mas não podemos ficar por aqui. Danos injustos e desproporcionados foram causados a milhões de pessoas. Alguém tem de pagar. Onde houve um dano deve haver uma compensação.
(Crónica publicada no jornal Público em 05 de Fevereiro de 2014)
5 thoughts to “Constrói-se um caso”
Boa noite, gostaria de saber se me pode indicar onde posso encontrar o estudo, traduzido para inglês, do Professor Andreas Fisher-Lescano.
Seria extremamente importante na ajuda da elaboração de uma tese.
Ontem escrevi, longamente, sobre o q (se) poderia falar (coisa q devem ter feito, n fui ao hotel Borges e já é tarde, concedo), suas ponderações, interrogações e ‘decisões’ (q são + e decorrem da ‘visão’) sobre a Europa.
Não vou explanar todas, mas apenas lembrar ‘o fundamental da coisa’, a sua correcta, ‘rigorosa’ (palavra prestada a tão maus préstimos), adulta, consciente e séria posição e atitude q, a meu ver, seria bom a Europa ser, ter, tomar e consciencializar-SE! (está quase tão ‘limpeza Omo’ como a América…enfim, esta já teve melhores dias) a saber, mt sucintamente:
1- Dados os dados da questão, seja a nível económico, social e político, n só em toda a Europa, com custos elevadíssimos para os PIGS [n só millhões de pessoas, como famílias (ainda o último reduto) e empregos, COMO tb PAÍSES estão a ser destruídos!!!
No coração da Europa (não há como manter a tradição…!)].
2- Urgente se torna:
2.1- Alguém dizer Q O REI VAI NU, reflectir sobre o status quo e o descaramento de + 1 das aparências ‘económico-classistas’ e ‘legalista'(e doa a quem doer) QD E SÓ dá jeito ‘à Europa’ e de q ela é fértil, se não é (e só) isso mesmo ‘o q a rege’…!
2.2- Refiro-me ao dernier cri (arroto?) ‘da Europa’: Portugal, como bom menino e eles de boa tuteria, N PODE sair … ‘à Irlanda (-eza)’, Zeus credo!
Q nós (Europa) portámo-nos mt bem, as continhas e as acções estavam todas certas e q tal e q tal e coisa(s)…!
Agora o menino, o portugalinho, tem de crescer e ser autónomo! Agora q o pusémos, verdadeiramente, na bancarrota (da qual esperamos bastos lucros), agora faça-se à estrada! Ai, ai!
Tá a ouvir…?!
2.3- Como já foi ‘aventado’ por Rui Tavares, é de toda a pertinência e urgência ‘técnico-científica’, económica, social e política, os PIGS, real, jurídica, questionadora e legalmente, JUNTAREM-SE ”numa mesma unidade de consciência, razoabilidade, interessese e danos”, de igual para igual, PONHAM (e exijam) AS CARTAS NA MESA…!!!
E desmascarar a HIPOCRISIA (e os subjacentes -mesmo qd inconscientes- ‘modelos mentais’ e ‘práticas’), o ABSURDO e os DANOS q estão a fazer-se NA NOSSA PRÓPRIA CASA !!!
…europeia (a casa), está bem de ver.
…do ABSURDO e da VERGONHA de q se tinge a cara (e telf, não havidos) da Europa, MAU GRADO TODAS as suas vestes, coroas, cultura, verniz e mito DE q ainda vive, a atrai e atrai…!!!
O rei (nem isso) vai verdadeiramente andrajoso…!
Melhor nu.
Caro Rui, gostaria de saber qual seria a sua solução em 2011. É que a única alternativa seria abandonar o Euro. Concorda com a saída de Portugal do Euro? Renegociação da dívida (que é o que suponho que defende) arruinaria os 4 maiores bancos Portugueses, obrigando a recorrer ao fundo do Banco do Portugal, que não tem dinheiro para cobrir os depósitos, basicamente levando à bancarrota imediata não só do estado mas também de todas as empresas e particulares. Também levaria à falência do fundo de pensões da SS.
A alternativa foi o mal menor: pedir dinheiro emprestado a juros aceitáveis (média abaixo dos 4%). Claro que quem empresta impõe condições.
O “mal feito a milhões” de que fala tem outros culpados e no dia em que Portugal recebeu a troika o mal já estava feito.