E se fosse possível inverter o ciclo? Um verdadeiro plano de resgate, não para os bancos, mas para a própria política enquanto forma de serviço às pessoas.
Muitos dos nossos problemas, particularmente em Portugal, nasceram no tempo em que os estados começaram a concessionar parcelas inteiras das políticas tradicionais do estado à banca. Isto deu-se na saúde, na educação e em muitos outros setores.
Vejamos o exemplo decisivo. Nos tempos do pós-guerra os estados empenhavam-se diretamente na política de habitação e com ela faziam política social e política de ordenamento do território.
Os bancos, principalmente os públicos, eram parte dessas políticas, mas de forma acessória. Mas houve uma altura, a partir dos anos oitenta, em que os bancos passaram de acessórios a instrumentais, e de instrumentais a essenciais. Passado algum tempo, os bancos eram os donos das políticas, donos dos governos, donos dos donos das casas e por último donos de nós todos. O volume total de créditos sobre hipotecas era em 2008 praticamente o equivalente a dois terços do PIB português.
Os resultados foram agradáveis no início e desagradáveis no fim. Os estados podiam estimular a compra de casa própria. O indivíduos e as famílias poderiam, como no poema de Ruy Belo, amar as casas, os recantos das casas, visitar casas, apalpar casas, pois “só as casas explicam que exista / uma palavra como intimidade” (Oh as casas as casas as casas, de 1973). Foi pelas casas que os bancos nos conquistaram.
O governo central e os municípios deixavam fazer casas, os construtores faziam casas, os bancos emprestavam-nos dinheiro para casas e nós às vezes comprávamos as casas. Ou talvez elas ficassem vazias a olhar para a paisagem cada vez mais cheia de outras casas e, de longe, para os centros das cidades onde estavam agora as casas antigas vazias de gente e caindo aos pedaços.
Depois veio a crise e os bancos hipertrofiados precisavam de ser salvos pelos estados, que eram financiados pelos contribuintes, que eram também devedores de empréstimos aos bancos para poderem pagar as suas casas. Aumentou o incumprimento e os estados continuaram a financiar os bancos, que despejaram as pessoas, que deixaram as casas vazias. E o ciclo vicioso reforçou-se.
E se fosse possível inverter o ciclo? Um verdadeiro plano de resgate, não para os bancos, mas para a própria política enquanto forma de serviço às pessoas, passaria por ajudar a aliviar a dívida hipotecária de indivíduos e famílias ao mesmo tempo que os libertaria dos bancos e iniciaria um plano de reabilitação das cidades e de ordenamento do território. Um tal plano teria de ser suficientemente abrangente para possibilitar um regresso do governo da comunidade a esta parcela essencial das nossas vidas. Mas é preciso começar por algum lado.
Um bom exemplo vem da Islândia, onde o governo apresentou no fim do ano passado um plano para o alívio da dívida hipotecária financiado por um imposto levantado sobre a banca. De caminho, a Islândia é uma boa lição política: após um governo de aliança à esquerda, até um governo de direita tem políticas sociais, e assume como objetivo o pleno emprego (o desemprego está em 4%, o governo islandês quer baixar para 2%).
Por aqui, continuamos nas mãos dos bancos dos bancos dos bancos.
(Crónica publicada no jornal Público em 03 de Fevereiro de 2014)
3 thoughts to “Oh os bancos os bancos os bancos”
“Um bom exemplo vem da Islândia, onde o governo apresentou no fim do ano passado um plano para o alívio da dívida hipotecária financiado por um imposto levantado sobre a banca”.
Assim em duas linhas até soa bem. Mas há que explicar um pouco melhor como é que a coisa poderia funcionar. Ou indicar onde procurar as necessárias explicações.
O comum dos mortais tem que acreditar em alguma coisa, no sentido da saída desta situação.
Se aqueles que nos irão pedir votos não nos explicarem as coisas de modo a que lhes possamos dar algum crédito, então como querem que votemos? Só porque nos dizem que são de esquerda e que têm boas intenções?
Peçam-nos para tentar perceber, e já agora para tentar participar, não nos peçam apenas fidelidade.
2014-02-10
carlos
Estou em crer q é isso q o Rui Tavares quer, tb (e ‘quase só’).
Mas absolutamente de acordo com o carlos qd ele diz e exige, está bem de ver, q digam, afinal, como e com quem vão eles operar ‘essas maravilhas’! P’ra gente perceber! [Aí e em mts coisas, o Seguro (os outros ‘n precisam’) é um deastre! Um sinistro, diria mesmo +, como 1ª vizinha e amiga transmontana me ensinou. É o q temos?! Mas, e até esta gente, toma-nos por completos totós…?!!! Caramba! Até tu, Brutus!]
Como enfrentar e trabalhar as reais possibilidades e dificuldades do q temos pela frente, as ‘maneiras’ de lá ir chegando, o diálogo, o ouvir e ‘atender’ o outro, ‘abrindo portas’, sem deixar, peremptoriamente, os ideais, propósitos e métodos próprios, sempre em constante e necessária auto-reflexão-crítica-movimento, tentando, efectivamente [mas como homens (e Visão) De Estado, precisadíssimos q estamos deles] a ‘resolver’, nos e para os tempos q nos cabem e vão caber, pensar(e ‘sentir’) nelas, planear, amadurecer, para o AGORA, o Aqui, o Presente e o Futuro [sobretudo sua percepção e visão –e política(s) pour cause], URGENTÍSSIMOS!
D’abord!
E pode-se juntar forças para o q o presente e futuro estão carenciadamente em perigo de tudo! Há coisas a fazer a CURTO e a MÉDIO prazo(s), independentemente de alguns ‘nãos’, + ou menos escatológicos parecem-me, …na hora q é a nossa.
Devo dizer claramente que me vejo como um político à frente da minha era. Fazer política, para mim, significa melhorar o quotidiano das pessoas a todos os níveis pegando na saúde e terminando na recolha do lixo. É verdade: se todos fizermos um pouco a sociedade será mais unida e feliz.