E é uma questão difícil. Por mais voltas que dê, se nada mudar nas tendências atuais, só vejo os resultados que dei na última crónica. Claro que a expressão operativa é “se nada mudar”.
Num país em que tudo se desmanchava — o estado de direito, os direitos fundamentais, a própria democracia — conheci um dia um filósofo que mantinha um sentido de humor notável. Sabendo de como ele era muitas vezes pessoalmente atacado como traidor à pátria quando era, pelo contrário, alguém que amava o seu país e sofria com tudo o que lhe acontecia, perguntei-lhe como era capaz de continuar com aquele ânimo todo.
A resposta dele foi: enquanto eu não estiver parado, não me deprimo. Já experimentei baixar os braços. Foi horrível. A partir daí comecei a fazer todos os dias qualquer coisa e nunca mais olhei para trás.
Notem agora uma coisa: isto não fazia dele um otimista. Pelo contrário, era alguém que sabia que a situação do seu país era desesperada e que não se viam tendências de mudança. Nesse sentido, transportava em si um certo sentido trágico. Mas era no absurdo da sua situação, e do seu país, que ele ia encontrando razões para uma provocação aqui, uma piada ali, um artigo bem escrito ao fim do dia, uma iniciativa com meia dúzia de amigos ao fim do mês. Fazia o que podia — o que sabia fazer.
Outros fariam outras coisas. Há quem escreva artigos, há quem tenha jeito para reunir amigos, há quem cozinha jantares, há quem goste de conspirar, há quem saiba defender um réu em tribunal, há quem possa desenhar um cartaz. Mais uma provocação aqui, uma piada ali, uma iniciativa sem hipóteses de sucesso agora, outra depois, e quando damos por isso as coisas começaram a mudar onde mais importa: dentro de nós.
Conto esta história porque a minha última crónica, “O que está em causa”, era de tal forma deprimente que recebi uma mensagem de um psicólogo preocupado com o estado de ânimo dos leitores.
Não era para menos. O meu texto definia três cenários para os próximos anos — o mau, o péssimo e o medonho — e chegava à conclusão de que o medonho é que estava a ganhar.
Para memória, o cenário mau era um governo PS/PSD a partir de 2015, o cenário péssimo era uma nova vitória do atual governo e o cenário medonho era uma vitória por maioria relativa do PSD e do CDS seguida de um governo de coligação em que o PS fosse o parceiro menor. Como evitar nesta segunda crónica que o leitor desanime de vez? Esta é a questão.
E é uma questão difícil. Por mais voltas que dê, se nada mudar nas tendências atuais, só vejo os resultados que dei na última crónica. Claro que a expressão operativa é “se nada mudar”. Mas também a possibilidade de mudança precisa de uma tendência própria e essa não se verifica agora.
Portanto a única maneira de ajudar é com a história do filósofo no país em que tudo ia pelo cano — mais ainda do que em Portugal. Enquanto não baixarmos os braços, não nos deprimiremos. Cada gesto, desde que seja consequente, acrescenta qualquer coisa ao precedente.
No fundo é como a lição política de Luís Inácio Lula da Silva: deve começar-se por fazer o necessário; depois deve fazer-se o que for possível; e logo, logo, estaremos conseguindo o impossível.
Não sei se é verdade. Mas sei que baixar os braços é muito pior.
E, com isto, não sei se respondi ao pedido do nosso psicólogo.
(Crónica publicada no jornal Público em 29 de Janeiro de 2014)
3 thoughts to “O otimista trágico”
Acrescentaria, apenas, ao oportuníssimo e esclarecedor (se ainda fosse preciso) artigo de Rui Tavares, no Público de 5.02.14, ”Constrói-se um caso”.
Infelizmente (e já chegava) não é só a pessoas ”Danos injustos e desproporcionados foram causados a milhões de pessoas”, mas a famílias (recompostas, empobrecidas e quase auto-suficientes na protecção de filhos e netos, desempregados, além do roubo das suas reformas): na feira de horrores em q se tornou a Europa, ESTÃO A DESTRUIR-SE PAÍSES…!!!, pobres de séculos, mas tendo conquistado, realmente, ‘uma maior justiça e justeza social’, estruturas vitais, como a da saúde [antes, tínhamos das maiores percentagens de mortes por parto (abortos) e nascimentos e, agora (ainda?) estamos ao nível da excelência (a verdadeira, não a q eles apregoam e destroem) dos cuidados materno-infantis e neo-natais(?) do mundo! ”– Ai é?, toca a destruir!” ESTÃO/estamos a destruir países, as suas estruturas básicas e sociais, de solidariedade ”adequada” [aqui, pobrezinhos q somos e em q nos tornámos outra vez, convém-nos mais (precisamos!) ser ‘católicos’ do q ‘protestantes’, ou seja, não podemos, tão facilmente, descurar ‘o estado/ir ficando colectivo’ (e cada um teu o seu), mais de metade dos desempregados –oficiais– já e agora, SEM qq protecção do estado] ao cheiro da IN-decência e do dinheirinho!)!!!
Tanta manha europeia (e mundial), os altos valores de q ainda vergonhozamente se imputa, para o caixote do lixo da discriminação, do garrote e lucro(-zinho), com q merceeirara e castigadoramente TRATA OS SEUS, NA SUA CASA…!
Que a paz chegue aos vossos corpos na tumba inquietíssimos, fundadores da Europa…!!!
Que a paz desça sobre os vossos ossos inquetíssimos, ó fundadores da Europa!
Subscrevo na íntegra, a crónica(?) de Rui Tavares, ”o optimista trágico”.