Eu quero o contrário de uma democracia musculada. Eu quero o contrário de uma amálgama entre os dois maiores partidos. Eu quero o contrário de um acordo negociado sem ninguém ver.

O que se dá a um homem que já tem tudo? Alexandre Soares dos Santos, um dos donos de uma obscura companhia holandesa chamada Francisco Manuel dos Santos BV, que por sua vez recebe os dividendos e mais-valias das companhias portuguesas Jerónimo Martins e Pingo Doce, não tem dúvidas: ele quer um governo do PS e do PSD, “com um acordo a 10 anos”, feito “à mesa, confidencialmente, sem ninguém ver”, no qual “a revisão constitucional é fundamental”. Este é opresente de Natal que Alexandre Soares dos Santos quer no sapatinho pois, como ele diz, “não podemos é estar constantemente a mudar quando há eleições”. Porque a nós, portugueses, faz-nos falta “uma democracia musculada”.

Do alto desta página de jornal, quero agradecer a Alexandre Soares dos Santos a entrevista que deu ao Jornal de Negócios da passada segunda-feira. Estou-lhe muito grato. Coisas destas ajudam a clarificar as ideias. Sendo assim, também eu já sei o que quero para o Natal deste ano, e para os natais dos anos futuros: o contrário do que Alexandre Soares dos Santos quer.

Eu quero o contrário de uma democracia musculada. Eu quero o contrário de uma amálgama entre os dois maiores partidos. Eu quero o contrário de um acordo negociado sem ninguém ver, ainda para mais baseado numa revisão constitucional. Eu quero o contrário de um governo feito à medida dos desejos de Alexandre Soares dos Santos, dedicado a baixar os impostos que ele ainda não paga na Holanda.

Por isso não poderia acolher melhor a expressão dos desejos de Alexandre Soares dos Santos. As palavras dele são comoo famoso “papel de tornassol” que serve para fazer os testes de Ph: se o papel fica vermelho, estamos em presença de umácido; se fica azul, estamos em presença de uma solução alcalina.

A partir de agora, e até à formação de um próximo governo, a política portuguesa passa a ter uma bitola. A cada ação e omissão, a cada tomada de posição, a cada sim ou cada não, é possível questionar: isto aproxima-nos ou afasta-nos dos desejos de Alexandre Soares dos Santos? No primeiro caso, sabemos quem pagará o preço: os eleitores que ainda querem que o seu voto sirva para mudar alguma coisa, os contribuintes que não querem arcar sozinhos com todo o fardo dos impostos, os cidadãos que querem a proteção constitucional. No segundo caso, talvez tenhamos alguma hipótese de reconstruir um país com uma democracia plural, reais escolhas eleitorais, direitos sociais na constituição e uma possibilidade de progresso para as gerações futuras (que não sejam herdeiras de empórios no comércio a retalho).

Isto simplifica o roteiro político para os próximos anos. A quem deseja satisfazer as vontades de Alexandre Soares dos Santos, basta permitir que o PS e o PSD façam um governo de coligação, com dois terços na Assembleia da República. Quem quiser evitar que o país seja dado de presente ao patrão da Jerónimo Martins deve fazer tudo o que for democraticamente possível para evitar que tal governo e tal maioria se possa formar.

Em consequência, que cada cidadão faça a si mesmo, e aos outros, esta pergunta: quem quer dar um presente a AlexandreSoares dos Santos?

(Crónica publicada no jornal Público em 11 de Dezembro de 2013)

 

4 thoughts to “Um presente para Alexandre?

  • rui morais

    PS O PARTIDO DA REVISAO CONSTITUCIONAL

    QUEM VAI FAZER A REVISAO CONSTITUCIONAL VAI SER O P.S. QUANDO FOR GOVERNO , enquanto o governo estiver nas mãos da direita nunca haverá revisão constitucional porque o PS na sua acção de oposição nunca irá juntar-se ao PSD e CDS para formar os 2/3 de deputados necessários à aprovação pois perderia ainda mais intenções de voto nas sondagens para o PCP e BE , mas o dia em que o PS chegar ao poder esqueçam os direitos às reformas e os direitos laborais porque o PS no governo torna-se “credível” e avança para a revisão constitucional à qual a direita adere espontaneamente para que seja o PS a fazer o trabalho sujo e ai sim haverá 2/3 a favor e ai sim os portugueses vão sentir na pele o sofrimento.

  • Laurie

    Olá!

    Também ouviu a canção seguinte na infância?

    L.

    ***
    http://letras.mus.br/ermelinda-duarte/478421/

    Somos Livres
    Ermelinda Duarte

    Ontem apenas
    Fomos a voz sufocada
    Dum povo a dizer não quero;
    Fomos os bobos-do-rei
    Mastigando desespero.

    Ontem apenas
    Fomos o povo a chorar
    Na sarjeta dos que, à força,
    Ultrajaram e venderam
    Esta terra, hoje nossa.

    Uma gaivota voava, voava,
    Asas de vento,
    Coração de mar.
    Como ela, somos livres,
    Somos livres de voar.

    Uma papoila crescia, crescia,
    Grito vermelho
    Num campo qualquer.
    Como ela somos livres,
    Somos livres de crescer.

    Uma criança dizia, dizia
    “quando for grande
    Não vou combater”.
    Como ela, somos livres,
    Somos livres de dizer.

    Somos um povo que cerra fileiras,
    Parte à conquista
    Do pão e da paz.
    Somos livres, somos livres,
    Não voltaremos atrás.

  • José Guilherme Cruz

    No meu entender não temos uma verdadeira Democracia, mas antes, uma partidocracia, onde os deputados representam unicamente a si próprios e principalmente os partidos.
    Gostaria que entrasse no meu blog: http://blogmudarportugal.wordpress.com/ onde expresso mais detalhadamente como entendo que deveria funcionar uma Democracia.
    Aproveito para pedir que me enviei informação sobre o Partido Livre, porque creio ser já aquilo que proponho que seja criado no meu blog.

  • jo

    Estamos a ficar saturados de tantos «jornalistas»que naõ dão notícias e se são «opiniões» dá ideia de serem bem pagas.é assim tão dificil de vêr a rialidade Portuguesa que obviamente não poderá ser muito diferente da verdadeira Europa.Até a critica nececita ser inteligente o que não é o caso, pois o P C nunca foi nem será um partido democrático mas sim de pobres coitados.

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