No fim da IIª Guerra Mundial, Keynes lutou estrenuamente para que os países devedores pudessem suspender pagamentos a países que tenham excedentes. Os primeiros teriam um alívio num momento em que os outros não precisam imediatamente do dinheiro. Uma medida simples que funcionaria a contento de todos, e que ainda hoje permitiria a um país como Portugal respirar fundo para poder recuperar sem, no fundo, prejudicar ninguém.
Se por acaso está a ler este jornal às onze da manhã, talvez não seja despropositado dedicar um minuto à reflexão de que há 95 anos cessou finalmente uma das mortandades mais estúpidas e inúteis (de entre todas as mortandades estúpidas e inúteis) da história da humanidade. Na madrugada do dia onze de novembro de 1918, numa carruagem de comboio, foi finalmente assinado o armistício entre as partes beligerantes da Iª Guerra Mundial. O acordo estipulava que as armas se calariam às onze horas da manhã do mesmo dia, o que de facto aconteceu. Só depois dessa hora as populações foram avisadas de que tinha acabado a guerra que as martirizava desde há pouco mais de quatro anos. O momento ficou na memória coletiva como “as 11 do 11 do 11” — as onze horas do dia 11 de novembro. E até há quem lhe acrescente ao conto um ponto de imaginação, dizendo que a paz chegou onze minutos depois, para dar o dia 11/11, às 11:11.
A paz, porém, não chegou onze minutos depois. Ainda demoraria alguns meses. Quando se assinou o armistício, os aliados não conheciam ainda o real estado das forças inimigas, em particular das tropas do império germânico, que estavam muito mais exangues do que se pensava. Também na retaguarda política e social alemã tudo se desmanchava. O kaiser tinha fugido para a Holanda poucos dias antes, e o novo chanceler, o grande social-democrata alemão Friedrich Ebert, desejava assinar a paz o mais depressa possível.
Vendo que a Alemanha não tinha condições para regressar à guerra, os políticos dos países aliados quiseram uma vitória incondicional. Reunidos em Versalhes para negociar a paz, extraíram condições duríssimas, incomportáveis, de derrotados como a Alemanha, a Áustria, a Hungria e a Turquia.
Neste momento, a minha memória volta-se para um jovem britânico que estava em Versalhes, e que viria a ser um dos grandes economistas do século, talvez mesmo o maior: John Maynard Keynes. No livro que escreveu meses depois dessa experiência, «As consequências económicas da paz», Keynes explica como as condições exigidas pelos aliados iriam certamente impossibilitar a recuperação harmónica do continente e provavelmente levar a novas guerras, como aconteceu vinte anos depois. As exigências à Alemanha impossibilitaram o estado social de direito com que sonhava Friedrich Ebert; em vez disso veio a inflação galopante, o desemprego e o nazismo.
A vida de Keynes foi marcada por este novo erro estúpido e passada a tentar corrigi-lo. No excelente blogue onde escreve o economista António Figueiredo (“Interesse privado, ação pública”), leio como no fim da IIª Guerra Mundial, Keynes lutou estrenuamente para que os países devedores pudessem suspender pagamentos a países que tenham excedentes. Os primeiros teriam um alívio num momento em que os outros não precisam imediatamente do dinheiro. Uma medida simples que funcionaria a contento de todos, e que ainda hoje permitiria a um país como Portugal respirar fundo para poder recuperar sem, no fundo, prejudicar ninguém. Keynes morreu exausto no fim da IIª Guerra Mundial, deixando apesar de tudo como legado uma necessária correção ao devastador poder da instabilidade financeira.
E, de caminho, o seu exemplo lembra-nos como a Europa não aprendeu ainda completamente a lição das onze do onze do onze.
(Crónica publicada no jornal Público em 11.11.2013)
2 thoughts to “Às 11 do 11 do 11”
Não percebi uma coisa. A suspensão que Keynes defendia, era apenas temporária ou vitalícia?
A suspenção foi definitiva. O perdão da dívida Alemã passou dos 675% em 1939 para os 12% nos anos 50.
Isto não foi mera benesse. Foi decisão económica. É que este problema da Divida, não é um problema moral, como muitos apregoam e nos querem fazer crer. A divida de um País é um problema fundamentalmente económico e não moral. Nenhum pais consegue sobreviver, com dividas deste calibre, ainda por cima porque normalmente essas dividas lhe foram impostas do exterior, por decisão politica ou por mera expeculação. Quase nunca as dividas são provocadas pelos povos, mas sim por imposições externas, essas é que são verdadeiramente impagaveis e só existe uma solução, que foi sempre a mesma. A decisão politica de renogociar a divida a niveis que tornem exequivel o seu pagamento.No fundo pervalece sempre o bom senso…ou a Guerra. Foi o caso que sucedeu com o resultado da divida na Alemanha da 1ª guerra, que conduziu ao Nazismo e deu lugar à 2ª guerra Mundial, como se diz no texto 11 – 11 – 11.