“Não somos obrigados a endossar todos os candidatos para entender que a democracia local dá às pessoas uma oportunidade de sacudirem a canga do aparelho e, sem surpresa, elas fazem-no.”
Ao contrário do que às vezes se pressentiria na redes sociais, são as elites nacionais que quase destruíram estas eleições autárquicas e os movimentos locais que vão fazendo qualquer coisa para as dignificar. As maiores trapalhadas foram feitas pela Assembleia da República, as direções dos partidos, os tribunais e as chefias das redações. Enquanto isso, ao nívellocal, as pessoas fazem e aprendem a fazer democracia. Há cartazes parvos, candidatos desdentados e ideias absurdas? Há.
Mas não há só isso. Há milhares de candidatos pelo país fora, nos partidos e nos movimentos de independentes, dispostos a fazer campanha para depois ter uma carga de trabalhos na Junta de Freguesia local. Isso nunca será suficientemente louvado (que um partido como o PCP, por exemplo, consiga ter candidatos em todo o país, sem ser um partido grande, é um feito logístico, mas também de convicção cívica). Apesar de estar na moda criticar as candidaturas independentes por serem “falsos independentes” (quem decide estas coisas?), o que não se entende é que, mesmo onde o independente é um ex-militante partidário, o que isso revela é muito mais as inadequações da democracia dentro dos partidos do que uma suposta hipocrisia do candidato. Não somos obrigados a endossar todos os candidatos para entender que a democracia local dá às pessoas uma oportunidade de sacudirem a canga do aparelho e, sem surpresa, elas fazem-no.
Nestas eleições apoio duas candidaturas, uma por razões locais, outra por razões gerais.
Em Lisboa, apoio a reeleição de António Costa, que não só é um excelente chefe do executivo da cidade, como alguém que tem mantido abertas as portas do diálogo à esquerda e aos movimentos de cidadãos. No caso destes, que não estão condicionados pelo taticismo nacional, esse diálogo foi correspondido e mantido, e tanto os Cidadãos por Lisboa como a Associação “Lisboa é Muita Gente” permanecem nas listas; nesta última, o trabalho de José Sá Fernandes, que é sempre muito e quase sempre muito bom, merece uma menção especial. Se eu pudesse dar um voto extra a um vereador, era para ele que iria.
Mas ao contrário do que costumo fazer, desta vez apoio também uma candidatura fora da minha cidade. Desde o início que olhei com atenção para o movimento que se gerou em Coimbra, exortando os partidos a encontrarem uma plataforma comum para mudar a governação da cidade, e que acabou por desembocar no movimento Cidadãos por Coimbra. Experiências feitas noutros países demonstram que é possível construir programas locais juntando independentes, movimentos e partidos (no caso, foi o BE que decidiu desistir a favor deste movimento, como fez em Braga com o Cidadania em Movimento), uma vez que os objetivos e as formas da colaboração sejam claras. Em Itália e em França, e agora também em Espanha, esse processos já juntam mais do que um partido e passam pela realização de primárias abertas. Em Portugal, lá chegaremos.
O que é importante é o depois. Na cidade, a política supera em muito a dinâmica oposição-governo. É preciso que estes movimentos saibam empenhar-se na governação da cidade preservando os valores que os trouxeram à candidatura: inclusão, abrangência e participação.
É por isso que, ao mesmo tempo que torcer por António Costa em Lisboa, vou olhar com atenção especial os resultados em Coimbra e noutras cidades onde existam movimentos semelhantes, procurando aí sinais de renovação na democracia portuguesa.
(Crónica publicada no jornal Público em 25 de Setembro de 2013)
One thought to “A democracia local”
Bom dia Rui Tavares, tenho seguido sempre os seus artigos e excelentes intervenções no parlamento Europeu, denunciando recentemente, as medidas fascistas tomadas, pelo governo Húngaro.
Eu, Pedro Flores, filiado no PAN (Partido pelos Animais e pela Natureza) http://www.pan.com.pt/ , e como grande apreciador do seu desempenho na vida política portuguesa, gostaria de saber a sua opinião relativamente aos resultados das ultimas eleições.
Em que as candidaturas do PAN ultrapassaram em geral a barreira dos 2%, mais do que duplicando percentualmente as nossas votações de 2011, e elegemos deputados municipais na Maia, em Almada, em Oeiras, em Lisboa e em Câmara de Lobos, tendo ficado perto de o conseguir noutros municípios. Elegemos também um representante na Assembleia de Freguesia de Arroios (Lisboa) e, no Funchal, o PAN integrou a coligação Mudança que teve uma vitória histórica sobre o PSD.
O PAN tornou-se em vários municípios a quinta força mais votada e o maior partido sem representação parlamentar, destacando-se claramente da linha em que se situam os partidos mais pequenos. Desde a sua oficialização, em 2011, o PAN continua o seu crescimento em todos os actos eleitorais, o que abre horizontes muito auspiciosos para as próximas eleições europeias e legislativas. Isto é tanto mais notável quanto é sabida a nossa escassez de recursos, a ausência de uma máquina partidária solidificada e o grande silenciamento da comunicação social.
É por tudo isto que os resultados obtidos, sem gastar rios de dinheiros públicos em campanhas e material de propaganda, são ainda mais saborosos e gratificantes. Há cada vez mais pessoas a despertar para a urgência de uma outra política, a Política da Consciência e do Coração, amiga das Pessoas, dos Animais e da Natureza, e o PAN é cada vez mais a voz e o braço da Diferença e da Alternativa em relação aos partidos tradicionais do governo ou da oposição.
Rui, gostava de saber a sua opinião em relação ao papel do PAN, na nossa sociedade.
Note-se que se trata de uma dúvida meramente pessoal.
Desde já agradeço a atenção dispensada
Atenciosamente
Pedro Flores