Em vez de nos lamentarmos por causa do austeritarismo que tomou conta da Europa, é momento de nos decidirmos a derrotá-lo.
Espero que esta tenha sido a última vez em que esperámos por uma eleição alemã para saber qual será o nosso futuro. Por todas as razões e mais uma: não se ficou a saber nada.
Merkel teve uma vitória conclusiva e quase histórica, por ter quase conquistado uma maioria absoluta, coisa raríssima na Alemanha. O problema está naquele quase. Os liberais, parceiros de coligação de Merkel, afundaram-se nas urnas e não elegeram deputados. Tampouco elegeu deputados o partido anti-euro, o que significa que os dois partidos mais recalcitrantes a qualquer tipo de mutualização da dívida não vão contar na política alemã dos próximos anos. Incrivelmente pode mesmo acontecer a esquerda ganhar a maioria dos lugares no Bundestag, o parlamento alemão (além de deter já a maioria dos votos na conselho federal, ou Bundesrat, onde estão representados os estados). Segundo os últimos números, os três partidos de esquerda — Sociais-democratas, a Esquerda, e Os Verdes — terão no seu conjunto umas décimas a mais do que a direita.
Não que isso importe, no que deve ser mais uma demonstração da persistente estupidez da esquerda europeia (sim, da esquerda a que pertenço). Não só estes três partidos não trabalham juntos como em particular os Verdes e os Sociais-democratas falharam redondamente em conseguir articular uma visão clara do futuro para os alemães, como têm falhado em todos os outros países europeus.
Se a esquerda europeia não quiser persistir em perder, porém, estas eleições alemãs podem dar-lhe algumas lições importantes.
A primeira é que, para se trabalhar junto, não é preciso ninguém derrotar ou absorver o vizinho do lado. Em rigor, não é preciso unir, mas unificar, ou seja, encontrar formas de trabalhar juntos em prol de um discurso que seja mobilizador para uma maioria de cidadãos europeus.
Segunda: esse discurso deve ser feito em torno das questões sociais. Pensem bem: há quanto tempo a esquerda europeia não tem uma única coisa a propor aos trabalhadores, à classe média, aos estudantes, aos pensionistas, aos precários? Quando confrontada com questões sociais concretas, a esquerda só se sabe posicionar perante o programa da direita, em duas versões: menos contra e mais contra. Quando é que a esquerda tem o seu programa?
Terceira: o espaço onde esse programa deve ser construído é o espaço europeu. Porque é à escala europeia que o estado social está sob ataque, mas também é a essa escala que ele pode ser transformador: um subsídio de desemprego europeu, universidades federais, um plano de emergência contra a pobreza infantil, um programa continental de apoio à nova economia ou um projeto de relançamento das economias periféricas, para dar alguns exemplos, terão efeitos mobilizadores mais importantes do que o atual isolacionismo das nossas políticas à esquerda.
E, finalmente: o tempo para começar a construir o movimento social que apoie esse tipo de programa é agora. Esse movimento terá de ser plural, quase uma “maioria de minorias” que pode incluir dos trabalhadores industriais às classes criativas, do campo às cidades, em 28 países diferentes. Isso demora tempo a construir, mas é a única maneira de avançar. Por isso, em vez de nos lamentarmos por causa do austeritarismo que tomou conta da Europa, é momento de nos decidirmos a derrotá-lo.
(Crónica publicada no jornal Público em 23 de Setembro de 2013)
2 thoughts to “E agora?”
Mais uma vez muito bem visto sr Tavares,só é pena(e uma grande tragédia)que a realidade e as figuras dos partidos nos continuem a dar chapadas sem mão.Talvez isto só lá vá mesmo à chapada(infelizmente) mas com as duas mãos.
Acha que neste momento de “e agora?” faz falta novas ideologias de esquerda? Será que a esquerda precisa de se reinventar para sair deste vazio em que se encontra, e não se limitar a posicionar-se em relação ao programa de direita? Enquanto não discutirmos ideologia, enquanto não voltarmos às bases da existência humana, será que conseguimos realmente ser críticos face à direita actual, ao capitalismo global e ao neo-liberalismo?
Na minha opinião, enquanto não tivermos uma crítica antropológica estamos condenados a uma crítica nostálgica da política.
Concordo quando escreve que essa discussão tem de ser em torno das questões sociais. Zizek, filósofo de esquerda, quando critica a esquerda actual refere que a forma como enunciamos o problema faz parte do problema em si. Ou seja, será que não precisamos duma nova ‘linguagem’ para enunciarmos as questões sociais e criarmos novas ideologias?