“Tenhamos bem presente sempre o bom exemplo do Japão, e para confronto, o da Turquia” – Jaime Leote do Rego, oficial da marinha e governador de São Tomé e Príncipe acabado de regressar a Lisboa, há 99 anos.
Há noventa e nove anos uma carreira política podia implicar três coisas: entrar no partido republicano, escrever n’O Século, e participar em duelos.
Para um cavalheiro de quarenta e seis anos chamado Jaime Leote do Rego, oficial da marinha e governador de São Tomé e Príncipe acabado de regressar a Lisboa, as três foram verdade. O duelo à espada deu-se na Estrada da Ameixoeira, contra o seu companheiro d’armas Nunes Ribeiro. O seu primeiro congresso do Partido Republicano foi na Figueira da Foz, onde ouviu falar Afonso Costa sobre defesa nacional. A publicação n’O Século foi consequência dessa experiência. Numa crónica de 20 de maio de 1914, destacada na primeira página, a três colunas, Leote do Rego proclamava: “obtido o equilibrio financeiro, torna-se urgente reorganizar o exercito e a marinha, a fim de que o paiz seja respeitado e a Republica prestigiosa”.
O que me chamou a atenção, porém, foi a comparação entre nações que se segue, abreviada.
“Tenhamos bem presente sempre o bom exemplo do Japão, e para confronto, o da Turquia. Ha apenas 30 anos, aquele belo paiz não tinha ainda marinha de guerra. Liberto rapidamente o povo japonez do seu tradicional obscurantismo; dirigido por estadistas e professores patriotas e instruidos, começou então a despertar para a vida e a sonhar com uma grande patria, forte, respeitada e rica.” A maneira de chegar lá era, evidentemente, construindo uma poderosa marinha. “Assim se transformou o Japão n’uma formidavel potencia, já rival da America, ditando a lei nos mares da China, e porventura, em breve, tambem no Pacifico!”
“Em confronto — na verdade bem deploravel confronto — vejamos a pobre Turquia, arrastada ao maior descalabro financeiro pela corrupção dos homens publicos; á miseria, á ignorancia, escarnecida, explorada sempre miseravelmente pelos ocidentais. Aproxima-se da Alemanha, e, a troco de emprestimos ruinosos, de velhos couraçados pagos como novos, de material de guerra incapaz, tem de entregar-lhe linhas ferreas e a influencia financeira em varios empreendimentos. Agora inclinou-se para a França e para a Inglaterra. Com melhor sucesso? Não. O banqueiro francez Perier empresta-lhe os milhões para pagar á Inglaterra. Mas tem de dar á França a influencia economica em 4 grandes linhas ferreas. Por seu lado, as casas inglezas aceitam o encargo de transformar e organisar a marinha turca. Condições? Capitaes anglo-turcos; administração anglo-turca; mas com maioria de inglezes e presidente inglez; monopolio por 30 anos de todas as construções e reparações….”
“Atendem bem os leitores do Seculo n’este contraste e vejam o que se passa com o nosso paiz. Portugal tem já, não ha duvida, as suas finanças equilibradas. Tratemos agora da defeza nacional”.
O texto é, evidentemente, marcado pelo clima de militarização, uma verdadeira obsessão europeia naqueles tempos — e que os distinguem dos nossos. Mas há uma coisa que os aproxima: a forma de lidar com estados e nações como se fossem pessoas coletivas. Essa individualização nacional prenuncia em geral um tempo de necessidade de vinganças e humilhações.
Entretanto, uma missão alemã em Londres pretendia assinar um acordo de partilha das colónias portuguesas pois, não obstante Leote do Rego, Berlim esperava o colapso financeiro da República Portuguesa a qualquer momento.
Dois meses depois, porém, toda a Europa estava em guerra.
(A Grande Guerra europeia começou há 99 anos, por estes dias. Durante o próximo ano, de quando em vez, vamos seguir nesta coluna os seus antecedentes.)
(Crónica publicada no jornal Público em 29 de Julho de 2013)
One thought to “Há 99 anos”
A história é a prova que a humanidade terá de se defender dos grandes interesses manipuladores, apelando sempre á humanidade, e ao fim dos conflitos.