Também a oposição, de uma outra forma, terciarizou as suas obrigações para o Tribunal Constitucional. Ao serem incapazes de se coordenarem para oferecer uma alternativa de governação, ou declarar ao Presidente que já não se verificam as condições para que a legislatura se cumpra.
Um bom princípio de defesa da democracia poderia ser “não deixes para outros aquilo que deverias fazer tu”. O corolário seria: “não esperes que os outros façam o que deverias ter feito”.
É escusado dizer que a democracia portuguesa não tem vivido à altura desse principio, e isso explica muito daquilo por que temos passado. Incluindo, nos últimos tempos, a espera pela decisão do Tribunal Constitucional sobre o orçamento de estado.
Note-se como essa espera resulta de um endosso de responsabilidades. Em primeiro lugar, do governo. As decisões do governo, em particular a “decisão de decisões” que é o orçamento de estado, devem pautar-se por serem constitucionais ab ovo, ou seja, desde o início. Mas em vez de ab ovo, o atual governo é mais do género “solta a franga”, ou seja, manda lá o orçamento e logo se vê se é constitucional ou inconstitucional por muitos. Mesmo quando estão em causa as pedras angulares — igualdade, proporcionalidade, previsibilidade — de qualquer estado de direito.
Em segundo lugar, foi o Presidente da República que deixou para outros o que deveria ter feito, ao não pedir a fiscalização preventiva do orçamento, e assim ter deixado as instituições, de cujo normal funcionamento ele deve ser o garante, à mercê de uma autêntica bomba ao retardador.
Também a oposição, de uma outra forma, terciarizou as suas obrigações para o Tribunal Constitucional. Ao serem incapazes de se coordenarem para oferecer uma alternativa de governação, ou declarar ao Presidente que já não se verificam as condições para que a legislatura se cumpra, os partidos de oposição esperam, de fôlego suspenso, que sejam os juízes do Constitucional a fazer cair o governo. Não sejamos maus: ao menos, enviaram as suas dúvidas para o TC, coisa que ainda no ano passado tinha sido crime de lesa-disciplina partidária no PS. Por outro lado, vejamos a diferença entre a indiferença com que se espera a moção de censura do maior partido da oposição e a ansiedade do governo em relação à sentença do TC.
Por fim temos a maioria parlamentar, em cuja água alguém anda decididamente a misturar drogas alucinogénicas, como se vê pelas declarações da deputada do PSD Teresa Leal Coelho, que exortou o Tribunal Constitucional a basear a sua decisão no memorando da troika. Teorias da suspensão da soberania andam para aí muitas, mas antes que a senhora deputada comece a dizer que o memorando apareceu em visão a Afonso Henriques antes da Batalha de Ourique, é preciso explicar que compatibilizar Constituição e memorando, se tal milagre existe, deve ser tarefa para as legislativas almas da maioria, e não para os juízes do Palácio Ratton.
A estes resta assim decidir, o melhor que sabem, de acordo com as suas responsabilidades. Simples, não é? Só que ninguém o fez antes.
E que fazer do quadro acima descrito? Bem, aí aplica-se — a todos os cidadãos — um outro princípio da vida, e da defesa da democracia também. É do escritor americano F. Scott Fitzgerald: “pensar que não há esperança e, mesmo assim, estar decidido a mudar as coisas”.
(Crónica publicada no jornal Público em 03 de Abril de 2013)