O problema é que os refugiados não são como quaisquer estrangeiros, nem como quaisquer nacionais. Não é por acaso que são tidos como os humanos mais vulneráveis do mundo.
Domingo de Páscoa, filmes bíblicos na televisão. Um Jesus Cristo, neste caso representado por um ator português, dá os seus ensinamentos sobre amar o próximo, ajudar os necessitados, fazer o bem.
Sento-me para escrever a crónica.
O telefone toca. Do outro lado da linha, uma voz infantil, que não demoro a reconhecer. É uma menina de onze anos, refugiada da Guerra do Afeganistão, que está em Portugal há três anos e meio. Vi-a com a família duas vezes, quando tinham acabado de chegar, mas já na altura impressionava a qualidade do seu português falado, que acrescentava ao persa materno, ao russo e ao inglês aprendidos no campo de refugiados onde esperaram por um destino durante anos.
Agora estão desesperados. A menina traduz de persa para português, com calma e educação, as perguntas do outro lado. A segurança social vai iniciar cortes que a família não entende. A ação social, subsídio de caráter eventual, vai deixar de ser dado a estrangeiros que estejam no país há mais de três anos. O rendimento social de inserção deixou recentemente de ser dado a estrangeiros que estejam no país há menos de três. No meio desta tenaz, os refugiados vêem-se equiparados a todos os estrangeiros a residir no país e, mais ainda, julgados por uma bitola brutal: se os portugueses estão a passar dificuldades, por que não eles também?
O problema é que os refugiados não são como quaisquer estrangeiros, nem como quaisquer nacionais. Não é por acaso que são tidos como os humanos mais vulneráveis do mundo. São pessoas perseguidas e expulsas dos seus países e recolhidas, às vezes durante anos, em campos de onde não podem sair. Estes, em particular, são os mais vulneráveis dos vulneráveis. Trata-se dos “reinstalados” de acordo com os critérios técnicos das Nações Unidas para os casos mais graves (mulheres e crianças vítimas de violência sexual, portadores de doenças que não podem ser tratadas no campo, etc.). Em Portugal cerca de trinta pessoas por ano, centena e meia no total.
Como a família que está do outro lado da linha. “O meu pai diz: nós não conseguimos arranjar trabalho. O que fazer?” Explico que recentemente foi aprovado um acréscimo de dinheiro europeu para os refugiados na Irlanda, Portugal e Grécia, que chegaram na altura da crise e estão agora como que encurralados. “A minha mãe diz: porque não nos deixam emigrar?” Explico que, por razões legais, isso só será possível quando estiverem aqui há seis anos.
Não é justo equiparar estes refugiados a outros estrangeiros. Quando não há emprego, muitos emigrantes voltam a casa. Estes não podem, seriam provavelmente mortos. Muitos não podem sequer dirigir-se à sua embaixada. Tampouco podem ser comparados a nacionais, pois não têm cá família nem amigos. Têm apenas um estado, Portugal, que se responsabilizou por eles perante a comunidade internacional.
Despeço-me e ligo para uma amiga do Conselho Português de Refugiados. Consideramos juntos uma série de ações para ajudar estas famílias, permitindo-lhes por exemplo abrir um pequeno negócio. Os dinheiros são europeus, mas é preciso que o governo português saiba agir politicamente para captar esses recursos para o futuro e entretanto colmatar as lacunas que há agora.
Eu sei que todos nós temos muitas coisas em que pensar: mas não haverá uns minutos para entender isto?
(Crónica publicada no jornal Público em 1 de Abril de 2013)